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Diagramação: Marco Scalzo
Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
A crise da saúde iniciada no Brasil no mês de fevereiro de 2020 obteve, por meio da Lei 13.979/2020, uma série de medidas para enfrentamento das emergências decorrentes do coronavírus.
Do mês de março de 2020, após o reconhecimento do estado de calamidade pública, até 31 de dezembro de 2020, ficaram definidas, pelo Decreto 10282/2020, as atividades essenciais que poderiam prosseguir durante a pandemia. No art. 3º do referido decreto, 60 atividades, aproximadamente, foram enquadradas como essenciais.
Em que pesem divergências entre os decretos municipais, estaduais e federal, fato é que muitos trabalhadores foram colocados nas ruas para que pudessem atender e prestar os serviços considerados essenciais. Os trabalhadores passaram, portanto, a conviver com a constante ameaça do contágio, do adoecimento e do óbito, em razão da possibilidade real do contato com o vírus.
As medidas adotadas pelo governo no primeiro semestre de 2020 foram destinadas, basicamente, a proteger a atividade econômica e as empresas. Foram editadas, por conta disto, as MPs 927/2020 e 936/2020, esta última convertida na Lei nº 14.020/2020.
As duas medidas provisórias regulavam, em suma, a suspensão do contrato de trabalho, a redução de jornada, a antecipação de férias, compensação de horas, entre outras modalidades aplicáveis ao contrato de trabalho. Autorizavam, ainda, a redução salarial ou a suspensão contratual mediante simples negociação (acordo) individual.
Apesar de ser flagrante a violação do art. 7º, VI, da Constituição Federal, que veda a redução salarial, salvo se realizada por convenção ou acordo coletivo (submissão à negociação coletiva), o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363, validou a via do acordo individual para a redução salarial, conforme previsto na MP 936/2020.
O prejuízo remuneratório que decorre da negociação individual para a redução de jornada ou para a suspensão contratual é evidente, vez que a única possibilidade legal de redução dessas perdas seria condicionar qualquer alteração contratual, principalmente quando potencialmente lesiva, ao processo de negociação coletiva, conforme o disposto nos art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e art. 7º, VI da Constituição Federal.
Deve ser ressaltado, aqui, que os tribunais regionais e Superior do Trabalho estavam validando cláusulas de acordos e convenções coletivas oriundas da flexibilização de direitos nas negociações coletivas, desde que houvesse, em contrapartida, a celebração de outras cláusulas compensatórias (transação com reciprocidade), equilibrando eventuais perdas ou redução de vantagens, com a concessão de outros benefícios trabalhistas.
Contudo, a obrigatoriedade de submissão à negociação coletiva conforme previsão constitucional restou afastada pelo STF.
Sem contenção à evolução e às consequências da pandemia em 2020, e apesar de persistir o quadro de extraordinária elevação do número de infectados e mortos no primeiro trimestre de 2021, não houve a determinação da prorrogação do estado de calamidade pública.
Esta omissão deixou trabalhadores informais e desempregados sem qualquer proteção, sendo que somente agora foram editadas algumas leis de proteção do trabalhador, estabelecendo inclusive o pagamento de uma indenização em virtude do adoecimento ou do óbito.
A recente publicação da Lei nº 14.151, de maio de 2021, por exemplo, determinou o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública, sem prejuízo da remuneração, autorizando-se o prosseguimento de suas atividades em teletrabalho:
“Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância”.
As pesquisas atuais enquadram a gestante no grupo de altíssimo risco e o afastamento do trabalho presencial constitui medida salutar para a preservação da saúde e da vida não só da gestante, mas do nascituro.
É importante ressaltar que, no mês de janeiro de 2021, o Ministério Público do Trabalho já havia emitido Nota Técnica 01/2021 do GT Nacional Covid-19 sobre a proteção à saúde e igualdade de oportunidades no trabalho para as gestantes em virtude da pandemia da covid-19.
O Ministério Público recomendou a imediata retirada das gestantes do trabalho presencial, garantindo, em contrapartida, o prosseguimento do trabalho de forma remota, bem como o regular pagamento da remuneração, independentemente do pleno desenvolvimento das tarefas laborativas. Na nota, as empresas foram alertadas, também, de que a dispensa de gestantes na pandemia poderia tipifica-la como discriminatória, conforme previsão do art. 4º da Lei nº 9.029/1999, devendo, por força desta lei, serem readmitidas ao emprego.
A dispensa de trabalhadores que integram o chamado “grupo de risco” tem ocorrido reiteradamente nos últimos meses. No entanto, a ameaça da perda do emprego, em um período de alta taxa de desemprego e informalidade, induz os trabalhadores que deveriam ser afastados do retorno às atividades presenciais a não pleitearem o afastamento (licença) para preservação da sua saúde e integridade física.
Além da lei sobre o afastamento da empregada gestante, já havia sido publicada a Lei nº 14.128, de março de 2021 (um ano após o início da pandemia), dispondo sobre o pagamento de uma compensação financeira aos profissionais e trabalhadores de saúde que durante a pandemia adoecessem por conta do contato direto com pacientes acometidos pela covid-19. Esta lei agregou o pagamento de uma indenização aos herdeiros, na hipótese de óbito do trabalhador.
Ainda que destinada exclusivamente aos profissionais de saúde, não se pode negar que a Lei nº 14.128/2020 traduz o reconhecimento dos elevados riscos que todos os trabalhadores correm por conta do desenvolvimento de atividades presencialmente.
Os riscos de contaminação pela covid-19 no ambiente de trabalho decorrem, evidentemente, do contato com outros colegas de trabalho, com clientes dos estabelecimentos empresariais e, principalmente, em razão do seu deslocamento por meio do transporte público, que é reconhecidamente precário. Por sua vez, a utilização de equipamentos de proteção, quando fornecidos, não elimina, mas apenas reduz, a possibilidade do contágio.
As leis nº 14.151/2021 e nº 14.128/2021 advêm dos elevados riscos de contaminação pela covid-19 no ambiente de trabalho, e um bom número de decisões proferidas pela Justiça do Trabalho tem declarado a responsabilidade dos empregadores pelo adoecimento de trabalhadores, condenando-os ao pagamento das indenizações correspondentes.
Não só o pagamento de indenizações em virtude do adoecimento e morte deve ser considerado devido, mas o pagamento do adicional de insalubridade previsto no art. 192 da CLT também.
Recente decisão proferida pela Juíza da 4ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, no processo 0020440-71.2020.5.01.0004, reconhecendo os elevados riscos de contaminação determinou o imediato pagamento do adicional de insalubridade no grau máximo, com base no art. 192 da CLT e Anexo 14 da NR-15, tendo sido fixado o grau em laudo pericial produzido naquele processo:
“O ingresso em qualquer ambiente com pessoas portadoras de doenças infectocontagiosas, independentemente de se encontrarem isoladas ou não, representa um potencial de risco de contágio condizente com a insalubridade de grau máximo. Isso porque o Anexo 14 da NR-15 refere o contato com ‘pacientes em isolamento por doenças infectocontagiosas, bem como objetos de seu uso, não previamente esterilizados’ não em razão do isolamento, mas justamente por tratar-se de portadores de doenças infectocontagiosas. Para a exposição de risco a agentes biológicos, a permanência significa que, para desempenhar suas atividades, independentemente do tempo, o trabalhador em algum momento terá contato com tal agente. Independentemente do local onde trabalhe, poderá adquirir doenças de outros colegas ou de clientes que ainda estão no período prodômico, que são assintomáticos ou assumem o risco de circular mesmo doentes. Esta transmissão pode se dar simplesmente pela circulação pelos corredores para acessar seu local de trabalho, ou na administração, e mesmo pelo uso de transporte público para chegar ao local de trabalho. E a possibilidade de contato pode ocorrer antes mesmo de qualquer diagnóstico da enfermidade de que acometidos os infectados”.
A vacinação caminha a passos lentos, mas, ainda que o trabalhador já tenha tomado as duas doses da vacina, não está descartada totalmente a possibilidade de contrair a doença, ou potencialmente transmiti-la, mantendo-se os riscos por contaminação no meio ambiente de trabalho, que é protegido pela Constituição Federal. Daí ser de fundamental importância a avaliação clínica para a verificação dos riscos existentes, haja vista que a vacinação ainda não tem o condão de eliminar totalmente o risco do óbito e do adoecimento.
A pandemia está longe de ser controlada no País. O direito à saúde e à vida, como direitos fundamentais da Constituição, bem como o direito a um ambiente de trabalho saudável devem ser garantidos, a fim de se conferir efetividade aos princípios e normas dispostas na nossa Carta Magna.