Segunda, 07 Junho 2021 11:18

A reparação histórica à população negra é o caminho da emancipação popular

*Almir Aguiar – Secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro- Contraf-CUT *Almir Aguiar – Secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro- Contraf-CUT

O mundo capitalista mais avançado pede desculpas pelos genocídios e exploração de mão de obra negra africana de períodos de domínio imperialista do passado colonialista e de tempos modernos.
O presidente francês, Emmanuel Macron disse no último dia 27 de maio que “reconhece a responsabilidade da França pelo genocídio de 1994 em Ruanda” e “pelo silêncio de seu país na busca da verdade”. Macron discursou no memorial Gisozi, em Kigali, no país africano, onde estão enterrados 250 mil vítimas do genocídio que deixou 800 mil mortos da etnia tutsi.

A Alemanha também tratou de pedir desculpas pelo genocídio na Namíbia no dia 28 de maio e o reconhecimento não ficou somente no discurso, mas também na prática: o governo alemão anunciou que pagará a nação africana 1,1 bilhão de euros, cerca de R$7 bilhões para compensar os danos ao povo negro daquele país. A matança aconteceu de 1904 a 1907, quando soldados alemães mataram cerca de 100 mil pessoas.

A Bélgica protagonizou uma das maiores barbáries da história. Entre 1885 e 1924, estima-se que ao menos dez milhões de congoleses foram mortos em nome da exploração de recursos naturais, como marfim e látex, usado para produção de borracha. O genocídio foi comandado pelo rei belga Leopoldo II, no território que hoje pertence à República Democrática do Congo. A colonização, além de escravizar, mutilava os que se rebelavam contra a imposição da exploração do país europeu.
No ano passado, o rei Filipe Leopoldo, da Bélgica, difundiu uma carta pública ao presidente da República Democrática do Congo, Félix Antoine Tshisekedi Tshilombo, na qual pediu perdão oficialmente pela violência cometida pelo seu país durante o período colonial do país africano.

Lula na vanguarda

No Brasil, o então presidente Lula se antecipou e foi o primeiro líder mundial a pedir as desculpas, em 2005, pela escravidão de negros africanos no país.
“Milhões deixaram esse continente por essa ‘porta do nunca mais. Tenho consciência da dívida histórica que temos com o continente africano”, disse Lula, na época, no Senegal. O pedido de perdão de Lula também não ficou apenas no discurso: Nos oito anos de seu governo (2003-2010), foram perdoados US$ 436,7 milhões em dívidas de países do continente africano.

Retrocesso sem precedentes

Vivemos tempos de um retrocesso sem precedentes no Brasil em que atitudes de líderes mundiais como estas, de reconhecerem os erros históricos de suas nações com nossos irmãos e irmãs negros e as mais do que justas compensações financeiras aos países vítimas de terríveis explorações colonialistas, são vistos como se fossem práticas que privilegiam os afrodescendentes.

Chegamos ao ponto, na tragédia nacional vivida em todos os aspectos do Governo Boslonaro, de que uma simples resposta à dívida histórica com a população negra, como na política de cotas tornou-se num incômodo racista destes setores reacionários da política e da sociedade brasileira, em especial nas classes dominantes, mas infelizmente, também nas classes médias e mesmo entre os mais os pobres, os próprios explorados.

Das cotas ao ideal de emancipação

A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto de 2015 pela presidenta Dilma Rousseff, garantindo a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos negros oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos.
As cotas foram um passo importante em nosso país para a compensação histórica, que não repara, mas faz justiça às atrocidades cometidas pelas elites brancas. Entretanto, é ainda pouco para que o Brasil garanta a igualdade de oportunidades e possa jogar no lixo da história o racismo, inclusive o estrutural imposto por uma sociedade racista.

Não podemos nos acomodar e considerar normal o extermínio de jovens negros nas favelas e periferias. Basta ser jovem, negro, morador de favela, para ser suspeito para a polícia. Negros são 75% dos mortos por ações policiais no Brasil, estão sempre na base da pirâmide social sem oportunidades, sempre com salários e renda inferiores, sem condições mínimas de saúde e saneamento. Até os números da pandemia da Covid-19 e suas consequências sobre o aumento do desemprego e da informalidade mostram que os negros são as maiores vítimas.
Não se trata apenas de dívida histórica. A exploração, a injustiça, a desigualdade e o extermínio estão presentes no dia a dia dos dias atuais, em pleno século XXI mantendo firme a visão que a Casa Grande tem da senzala.
Precisamos dar um basta em tudo isto, reacendendo e fortalecendo a luta, que precisa ser de todos e todas, nas ruas e nas redes socais na defesa da vida, da igualdade de oportunidades, de avanços mais do que compensatórios para a população negra marginalizada, para resgatarmos os ideais de pacificação e justiça social e de uma nação liberta do racismo e do ódio. O momento é agora. A hora é já. E esta luta precisa partir, primeiro, da própria população negra, cujo reparo histórico é fundamental para a emancipação do povo brasileiro e um Brasil soberano.

*Almir Aguiar – Secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro- Contraf-CUT

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