O mundo se defronta com uma das maiores crises sanitárias de todos os tempos. A pandemia da covid-19 está matando muita gente. Há mais de 2,7 milhões de óbitos; 123 milhões de casos. Laboratórios de países ricos, com apoio do poder público, dominam a tecnologia de vacinas. Já os países pobres e em desenvolvimento ficam na dependência desses monopólios.
É injusto que a cura fique em poucas mãos. Se o problema é planetário, a solução também precisa ser global, solidária, equilibrada, empática, com apreço pela vida, sem distinção de raças, bandeiras e Estados. A vacina precisa ser universalizada, para todos, como um bem da humanidade, em que, pobres e ricos, todos tenham o direito de ser imunizados.
A falta de vacinas para atender à demanda mundial esbarra no direito à propriedade industrial. Somente será possível atender à demanda crescente com a licença compulsória, temporária, chamada popularmente de quebra de patente. O objetivo é produzir rapidamente a vacina, em grande escala e com custos menores. Países pobres e em desenvolvimento seriam beneficiados. Bilhões de vidas seriam salvas.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) já adotou esse procedimento em outras oportunidades como, por exemplo, para tratamento da AIDS, da Tuberculose e da Hepatite. A medida conta com o apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS), dos Médicos sem Fronteiras, do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), de igrejas, movimentos sociais e outras organizações internacionais. O Brasil já teve uma experiência em 2007 com um antiviral no combate ao HIV.
Personalidades de 30 países lançaram manifesto, apoiando a medida. Entre elas, o vice-presidente do comitê consultivo do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, Jean Zigler, o sociólogo e jornalista espanhol Ignacio Ramonet e o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. É bom lembrar que os parlamentos de vários países estão discutindo essa questão.
O Acordo TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), o mais importante documento multilateral para a globalização das leis de propriedade intelectual, permite que a medida seja utilizada pelos países em situações de emergência e extrema urgência, como é o caso do Brasil. Estamos em colapso: são 300 mil mortes desde o início da pandemia; 3 mil por dia. Temos quase 12 milhões de casos. A vacinação é lenta, faltam vacinas. Faltam leitos em hospitais e as UTIs estão superlotadas.
A iniciativa de suspender as patentes foi apresentada em outubro de 2020 pela Índia e África do Sul. A ideia tem o apoio de 100 nações dos 164 países membros da OMC. A interrupção dos direitos da propriedade intelectual, durante a pandemia, permitirá a todos o acesso à produção de genéricos e poderá reduzir o valor de royalties a ser pago para empresas detentoras da tecnologia das vacinas já produzidas. Estamos correndo contra o tempo.
Mesmo tendo já se manifestado contra e, assim, enfraquecendo as nossas relações diplomáticas com países emergentes, nos afastando da solidariedade internacional e de posições históricas de amizade, o Brasil precisa mudar sua posição. A questão não pode ser tratada como ideológica.
A diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, primeira mulher negra a presidir a Organização, aponta uma terceira via: ampliar o licenciamento de patentes para outros países sem suspender a propriedade intelectual sobre elas. Em abril, a OMC fará nova reunião. O Brasil não pode continuar errando.
Os poderes constituídos e a sociedade brasileira precisam se apoderar do assunto, juntar forças pelo bem comum e lançar luz aos pedidos de socorro da população. A responsabilidade é de todos. Apresentei requerimento de urgência para que o tema seja debatido em uma sessão temática no plenário do Senado. Especialistas serão chamados. Há vários projetos tramitando no Congresso que tratam da suspensão temporária de patentes de vacinas, medicamentos e insumos, entre eles o PL 12/2021.
Sérgio Vieira de Melo, um dos mais respeitados e destemidos diplomatas que o Brasil legou ao mundo, dizia que "o ser humano tem o direito de viver com dignidade, igualdade e segurança. Não pode haver segurança sem uma paz verdadeira, e a paz precisa ser construída sobre a base firme dos direitos humanos". Que o mundo e o Brasil tenham discernimento e altura ética e moral para compreender que a questão se sobrepõe aos interesses econômicos. A questão é humanitária.
Senador Paulo Paim (PT/RS)
Fonte: Jornal do Brasil