A outra era assinada pelo querido e brilhante Chico Otávio, na UH, já em seu canto do cisne. Era correspondente no Rio do jornal “Voz da Unidade”, do Partidão, e já transitava no jornalismo sindical de diversas entidades. Virei fonte do Dórea e do Chico. Voltamos a nos reencontrar profissionalmente na histórica experiência do, então, único jornal sindical quatro páginas diário do país (o Petroquímicos de Camaçari/BA produzia, também, um diário, mas frente e verso), o “Diário Bancário”, do Sindicato dos Bancários do Município do Rio. Afonso Costa foi o primeiro editor do “Bancário”, seguido pelo veterano e velho comunista Mário Conde. Com a saída de Mário, assumi a edição do jornal. Audácia das audácias, tornei-me chefe do Dórea. A situação inversa seria o caminho natural. Sobretudo pela idade e experiência. O fato gerou forte desconforto e nunca foi suficientemente assimilado por Dórea, causando constante ruído em nossa relação. Ele assumiu a editoria dos jornais específicos do Sindibancários. Era um gentleman, quase sempre, mas um vulcão em ponto de erupção, quando a necessidade assim o pedia. Um romântico dilacerado e um apaixonado visceral pelas mulheres, a quem as conquistava sem grandes dificuldades e resistência. Era envolvente e encantador - e o que era aquela voz! Foi um boêmio iconicamente clássico. Tive a felicidade de fazer parte da última geração de jornalistas boêmios e engajados politicamente de um Rio (e de um jornalismo) que não existe mais. Ao lado de Dórea, Luis Carlos Coutinho, Lenin Novaes, Chico Otávio, Carlos Franco, Ota, Fininho, Soeiro, entre outros - para citar apenas os jornalistas - transformamos o bar Vermelhinho, na Cinelândia, em sucursal de nossas redações e extensão de nossas casas. Há quem diga que nossas casas é que eram extensões do Vermelhinho. Não éramos os medalhões do jornalismo, mas o que havia de mais tipicamente carioca nessa delirante profissão. Ali, enxugamos chopps em doses industriais; empilhamos bolachas de chopp a altitudes everésticas; fumamos tudo o que poderia ser fumado (os lícitos, em geral, mas sem qualquer discriminação com os “da boa”); nos dividimos , apaixonados, entre Lula e Brizola (Dórea era brizolista!), sem a toxidade da polarização atual; falamos mal de sindicalistas, governos e jornalistas; erigimos o garçon Bengala à condição de um misto de guru, mascote e fiador de nossas penduras; cantamos alto, compusemos sambas-enredo e promovemos concursos de sambas-enredo; confidenciamo-nos demais; choramos demais; rimos às gargalhadas; praguejamos contra os meios de comunicação; gastamos dinheiro demais, nos endividamos demais, deixamos o contracheque como garantia demais, penduramos demais, mas nunca demos o cano; namoramos demais, demos beijo na boca demais, saímos na porrada demais. Tudo ali era superlativo, fino, elegante e sincero. E quando tudo aquilo fechava, íamos para o Lamas. Tudo então, recomeçava. Dórea fidelizou o Vermelhinho e o Lamas como poucos, sem nunca ter traído sua baianidade. Elegante e vaidoso, não abria mão de seu Panamá, sua guayabera e túnica brancas, suas guias e pulseiras do Senhor do Bonfim. A Prefeitura do Rio poderia construir um mausoléu na Cinelândia para enterrar seus boêmios famosos. Dórea estaria lá. Praguejando contra o Crivella, cuja caretice patológica jamais permitiria que se erguesse um espaço para o descanso eterno dos jornalistas bêbados e geniais, antes que esta cidade partida esquecesse que por aqui eles viveram e por ela se apaixonaram. Deixei de ver o Dórea por um bom par de anos. Questões mal resolvidas nos afastaram. Este texto é uma forma de remissão interna. Espero que eu me redima. Boa viagem, Dórea.
O conheci como fonte, veja você. Eu era a fonte, bem entendido. Doréa mantinha em “O Dia” a titularidade de uma das duas únicas colunas sindicais na imprensa comercial no Rio dos anos 80
Maninho Pacheco
A outra era assinada pelo querido e brilhante Chico Otávio, na UH, já em seu canto do cisne. Era correspondente no Rio do jornal “Voz da Unidade”, do Partidão, e já transitava no jornalismo sindical de diversas entidades. Virei fonte do Dórea e do Chico. Voltamos a nos reencontrar profissionalmente na histórica experiência do, então, único jornal sindical quatro páginas diário do país (o Petroquímicos de Camaçari/BA produzia, também, um diário, mas frente e verso), o “Diário Bancário”, do Sindicato dos Bancários do Município do Rio. Afonso Costa foi o primeiro editor do “Bancário”, seguido pelo veterano e velho comunista Mário Conde. Com a saída de Mário, assumi a edição do jornal. Audácia das audácias, tornei-me chefe do Dórea. A situação inversa seria o caminho natural. Sobretudo pela idade e experiência. O fato gerou forte desconforto e nunca foi suficientemente assimilado por Dórea, causando constante ruído em nossa relação. Ele assumiu a editoria dos jornais específicos do Sindibancários. Era um gentleman, quase sempre, mas um vulcão em ponto de erupção, quando a necessidade assim o pedia. Um romântico dilacerado e um apaixonado visceral pelas mulheres, a quem as conquistava sem grandes dificuldades e resistência. Era envolvente e encantador - e o que era aquela voz! Foi um boêmio iconicamente clássico. Tive a felicidade de fazer parte da última geração de jornalistas boêmios e engajados politicamente de um Rio (e de um jornalismo) que não existe mais. Ao lado de Dórea, Luis Carlos Coutinho, Lenin Novaes, Chico Otávio, Carlos Franco, Ota, Fininho, Soeiro, entre outros - para citar apenas os jornalistas - transformamos o bar Vermelhinho, na Cinelândia, em sucursal de nossas redações e extensão de nossas casas. Há quem diga que nossas casas é que eram extensões do Vermelhinho. Não éramos os medalhões do jornalismo, mas o que havia de mais tipicamente carioca nessa delirante profissão. Ali, enxugamos chopps em doses industriais; empilhamos bolachas de chopp a altitudes everésticas; fumamos tudo o que poderia ser fumado (os lícitos, em geral, mas sem qualquer discriminação com os “da boa”); nos dividimos , apaixonados, entre Lula e Brizola (Dórea era brizolista!), sem a toxidade da polarização atual; falamos mal de sindicalistas, governos e jornalistas; erigimos o garçon Bengala à condição de um misto de guru, mascote e fiador de nossas penduras; cantamos alto, compusemos sambas-enredo e promovemos concursos de sambas-enredo; confidenciamo-nos demais; choramos demais; rimos às gargalhadas; praguejamos contra os meios de comunicação; gastamos dinheiro demais, nos endividamos demais, deixamos o contracheque como garantia demais, penduramos demais, mas nunca demos o cano; namoramos demais, demos beijo na boca demais, saímos na porrada demais. Tudo ali era superlativo, fino, elegante e sincero. E quando tudo aquilo fechava, íamos para o Lamas. Tudo então, recomeçava. Dórea fidelizou o Vermelhinho e o Lamas como poucos, sem nunca ter traído sua baianidade. Elegante e vaidoso, não abria mão de seu Panamá, sua guayabera e túnica brancas, suas guias e pulseiras do Senhor do Bonfim. A Prefeitura do Rio poderia construir um mausoléu na Cinelândia para enterrar seus boêmios famosos. Dórea estaria lá. Praguejando contra o Crivella, cuja caretice patológica jamais permitiria que se erguesse um espaço para o descanso eterno dos jornalistas bêbados e geniais, antes que esta cidade partida esquecesse que por aqui eles viveram e por ela se apaixonaram. Deixei de ver o Dórea por um bom par de anos. Questões mal resolvidas nos afastaram. Este texto é uma forma de remissão interna. Espero que eu me redima. Boa viagem, Dórea.