Segunda, 13 Abril 2020 16:19

Eduardo Galeano e eu: cinco anos de solidão

 , por Eric Nepomuceno

 

Há cinco anos, em 2015, o 13 de abril também foi uma segunda-feira. E naquela segunda-feira Eduardo Galeano, o irmão mais velho que a vida me deu, cometeu a suprema e imprudente indelicadeza de, veterano e eterno viajante, partir na sua única viagem sem volta.

Naquele dia recordei versos tremendos de T.S.Elliot, dizendo que abril é o mais cruel dos meses.

Versos que nunca mais saíram da minha alma: “as árvores mortas já não te dão abrigo/ e o canto dos grilos já não consola”.

E naquele dia funesto lembrei que em abril do ano anterior outro amigo de décadas, Gabriel García Márquez, havia cometido a mesma indelicadeza, abrindo uma gruta na minha alma e despejando um temporal na minha memória. 

Aliás, quem me apresentou a ele foi Eduardo.

Também disse, naquele 13 de abril de cinco anos atrás, que tinham sido 42 anos de intensa fraternidade, e que Eduardo abriu para mim as portas de um mundo que era meu e ao qual eu pertencia sem saber.

E que nada me consolava naquele abril, nem nos que viriam.

Agora que lembro disso tudo que escrevi há cinco anos, percebo que eu estava preparado para receber a notícia da sua partida sem retorno.

Sabia do avanço do câncer que levou meu irmão, tinha medo de que nosso encontro de fevereiro, dois meses antes, fosse o que foi: o último.

O que eu não sabia é que estava preparado para a notícia da partida, mas não para o que viria depois.

Perdi a conta do número de vezes em que me flagrei, durante meses e meses e meses, diante de alguma coisa estranha ou preocupante ou graciosa ou bela, ligando para ele. E levava infinitos segundos até me dar conta de que já não, que nunca mais.

São tantas, mas tantas as coisas que lembro dele, tantas passagens da minha e da nossa vida, que às vezes pensar na sorte que a vida me deu consola a dor dessa ausência. E outras vezes, muitas, essa constatação não faz mais do que aumentar a dor.

Volta e meia me pergunto o que ele diria disso tudo que aconteceu e acontece desde que partiu. Às vezes, me vem dos ares uma resposta. Outras, não, e o que sobra é um rombo de dúvidas na minha alma.

Nós nos conhecemos lá pelo final de abril de 1973, na Buenos Aires onde eu, aos meus 24 anos, tinha me instalado com Martha para sair do sufoco tenebroso daquele Brasil encoberto pela ditadura. 

No terceiro ou quatro encontro ele me adotou como irmão mais novo. E assim foi até o fim.

Nesta segunda-feira 13 de abril de 2020 sou coberto, encharcado, por marés de lembranças desse irmão que a vida me deu.

E, de novo, me pergunto: o que diria ele disso tudo que acontece mundo afora, Nossa América adentro? Que diria ele do que o Brasil, país que conhecia e amava e onde tinha amigos, está vivendo?

Prefiro me deixar levar pela maré da memória. 

Tudo que vivi e vivemos ficou parado no tempo. Tudo é parte do melhor da minha memória.

Eduardo gostava demais de um verso definitivo escrito por Fernando Brant para uma tremenda canção de Milton Nascimento: “descobri que minha vida é/ o que a memória guarda”.

E essa minha memória devo merecer, principalmente em abril, o mais cruel dos meses.

Mídia