EXPEDIENTE DO SITE
Diagramação: Marco Scalzo
Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
Por: Gustavo Conde
Do meu bom amigo, ao qual dou muito pouca atenção, Gustavo Conde:
Vou fazer que nem o Lula e dizer: “deixa eu falar uma coisa pra você”.
(Sempre quis fazer isso).
O dado concreto é que o The Intercept é vacinado. Eles conhecem o nosso jornalismo de milícia.
Um lote de vazamentos com Moro e Dallagnol em dança promíscua jamais seria suficiente para mobilizar a atenção da nossa imprensa, quando mais a ‘recepção narrativa’ dessa imprensa.
Mas um conjunto de lotes? Aí a conversa é outra.
Não é à toa que Glenn Greenwald tem um Pulitzer nas costas.
No Brasil, praticar o jornalismo real, investigativo, exige cifras de inteligência e caráter adicionais.
O drible da vaca dado pelo “Interceptador” (que nome para um site!) é da ordem do inconsciente e da ciência econômica (sic): a projeção – de futuro – é mais forte simbólica e retoricamente do que o posto na linha do horizonte.
Em língua de gente: pouco importa o lote vazado na histórica noite de 9 de junho de 2019. O que conta mesmo é o volume gigantesco de conversas que o site diz ter em mãos – e o respectivo conteúdo ‘estarrecedor’.
O que vimos ontem foi só uma prévia.
É o aperitivo desta que anuncia ser a maior fraude judicial-eleitoral de todos os tempos, levando-se em conta não apenas o Brasil, mas o próprio mundo (que não é plano e dá voltas).
No Brasil, produzir jornalismo investigativo exige essa artimanha: é preciso garantir a continuidade e a sequência narrativa, senão o brasileiro não ‘pega’. Nem no tranco.
É o nosso novelismo aplicado, décadas de corrosão cerebral com novelas intermináveis e idênticas umas às outras (com os mesmos atores, diretores, iluminação etc).
Uma pergunta adicional, no entanto, ainda me faz coçar o calcanhar aflitivo das indagações: por que a fonte vazou essa montanha de diálogos criminosos para o The Intercept e não para a imprensa comercial?
Precisa responder?
Precisa.
Porque resta evidente, olimpicamente evidente, que a imprensa comercial denunciaria a fonte e a entregaria às “autoridades”.
Esse é o jornalismo de cativeiro praticado no Brasil.
Tanto mais interessante também é a nossa subserviência à cultura anglo-saxã (no quesito ‘elite-informação’).
O verniz que um veículo com título em inglês dá ao escândalo Moro Leaks é uma sinuca de bico para a nossa classe média tosqueada pela indigência cognitiva de bolsos e de minions.
A própria imprensa vassala caiu nessa armadilha. É bonito estampar o nome “The Intercept” no frontispício das matérias subdesenvolvidas brazucas que querem ser sempre made in USA.
Afinal de contas, isca não é só minhoca, é também um miolo de pão adocicado.
O The Intercept não tem apenas – e é bom que se diga – ambições domésticas com essa matéria.
É uma matéria para ganhar o mundo, para romper fronteiras e abrir um flanco de resistência jornalística nas fraudes eleitorais – seguidas de lawfare – que ainda estão por vir.
O conceito de ‘Wiki Leaks’, “vazamentos rápidos” em tradução livre, depende, paradoxalmente, de uma duração longa – a duração da desova mesma dos vazamentos, a conta gotas e a seleções cirúrgicas e controladas.
Porque assim, dá-se a dimensão de instituição ao jornalismo praticado e impõe-se a ‘fiança do sentido’ (a verossimilhança narrativa).
Contra as notícias rápidas e rarefeitas, só pílulas de tempo denso, recheadas do óbvio ululante. Ou: todos já sabiam de tudo isso, mas era um ‘saber’ ainda ‘marginal’.
Sobre esse já dito e já sabido, é preciso enunciar mais uma cifra de percepção fugidia.
Como era de conhecimento público e notório que Sergio Moro e Deltan Dallagnol sempre foram dois criminosos a serviço da perseguição política, é-nos assaltada a surpresa diante de tal compêndio de vazamentos.
A reação fica entre o deboche e a indignação, o que é um dilema terrível para quem precisa de sinalizações concretas e claras de que a civilização e a justiça ainda existem.
Um desafio a mais sem dúvida (mas quem disse que seria fácil?).
Resta acompanhar e torcer para que o The Intercept siga seu destino de recolocar os pingos nos is neste país.
Mais um Pulitzer para Glenn Greenwald.