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Diagramação: Marco Scalzo
Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
Por Almir Aguiar
Sabemos que muita gente na sociedade ainda é contra as ações de políticas afirmativas, como as cotas raciais, mas números oficiais de uma realidade excludente sofrida ainda em nossos dias pela população negra, mostram que além da dívida histórica contra negros e negras desde a época da escravidão, a desigualdade e a discriminação ainda estão presentes, inclusive no racismo estrutural aplicado pelo aparato oficial do estado.
Segundo estudo publicado na última quinta-feira (7) pela Rede de Observatórios da Segurança, 90% dos mortos por ações policiais em 2023 eram negras.
Isto significa que uma pessoa negra morreu a cada quatro horas em intervenções policiais registradas em nove estados do Brasil no ano passado.
No total, 4.025 pessoas foram mortas por policiais. Em 3.169 desses casos foram disponibilizados os dados de raça e cor e nestes, 2.782 das vítimas eram pessoas da raça negra, ou seja, 87,8% em números exatos.
É simplesmente assustadora a elevadíssima proporção de pessoas negras mortas por intervenção do Estado: Amazonas (92,6%), Bahia (94,6%), Ceará (88,7%), Maranhão (80%), Pará (91,7%), Pernambuco (95,7%), Piauí (74,1%), Rio de Janeiro (86,9%) e São Paulo (66,3%).
É verdade também que em alguns casos específicos a política de atirar primeiro para depois perguntar nas favelas e periferias que consiste num verdadeiro genocídio de pessoas negras é um modelo de política de segurança assumidamente discriminatória, como nos casos dos governos Cláudio Castro (PL) no Rio de Janeiro e Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo.
No Rio, não por acaso, o índice de pretos assassinados é ainda mais preocupante e em parte a explicação é de que o governador por conveniência e opção política perdeu o comando das polícias Civil e Militar, cujo o aparato, que se reflete também em boa parte da representação parlamentar na Alerj, está contaminado pelo domínio do crime organizado das milícias nas polícias e na política fluminense.
No Nordeste fica ainda mais evidente que a miséria e a desigualdade são, acima de tudo, de causa racial, com índices ainda maiores de morte de negros.
Neste mês de celebração do Dia da Consciência Negra (20 de novembro) venho chamar a atenção para o extermínio de negros pobres, a maioria jovens, porque esta tragédia social é a ponta do iceberg da exclusão da população afrodescendente em relação ao acesso ao emprego decente, à moradia, à ascensão profissional - vemos isso explicitamente na categoria bancária - e à educação de qualidade. É o Brasil desigual.
Nosso país precisa também de uma nova polícia, cidadã, que seja respeitada e não temida pelos trabalhadores das regiões e bairros mais pobres.
A ditadura militar formou um perfil de policial que trata diferente um jovem branco do Leblon e Ipanema do negro da Mangueira ou da Maré.
É comum a imagem de policiais revistando pretos de bermuda e de chinelo ou descalço na praia e o que é inexistente em relação aos jovens brancos de famílias abastadas da Zona Sul.
É verdade também que falta ao Brasil um projeto nacional de segurança pública, o que não exime os governadores dos estados de suas responsabilidades constitucionais em relação ao assunto.
Fato é que não haverá saída e nem pacificação social enquanto houver racismo, desigualdade, exclusão social e discriminação, a começar pelo racismo estrutural e pela falta de igualdade de oportunidades em todos os níveis e áreas de nossa sociedade.
Não haverá justiça social sem a justiça racial porque no Brasil, as causas do problema têm raízes históricas e culturais.
E já passamos da hora de rompermos com estes paradigmas inadmissíveis em pleno século XXI.
Mudar essa realidade depende de todos nós e a comunidade negra está na vanguarda dessa luta porque trás o sangue, a dor e a vida de nossos irmãos e irmãs ancestrais. Este sangue continua sendo derramado nas guerras urbanas e isto não pode continuar. Que possamos juntos, mudar essa tragédia social que tem suas causas no racismo.
Almir Aguiar é Secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT e diretor do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. Eleito para o Comitê Gestor do Plano Juventude Negra Viva do Ministério da Igualdade Racial