Quarta, 24 Janeiro 2024 01:26
OS 102 ANOS DE BRIZOLA

O recorte racista dos ataques da mídia e das elites ao projeto dos CIEPs

O recorte racista dos ataques da mídia e das elites ao projeto dos CIEPs Foto: Nando Neves

 

No último dia 22 de janeiro, Leonel de Moura Brizola estaria completando 102 anos de idade. O líder trabalhista nos deixou em 2004, aos 82 anos. Poderíamos falar da rica biografia de Brizola, de seu ímpeto revolucionário, capaz de pegar em armas e criar uma barricada no Palácio Piratini, em 1961, na Campanha da Legalidade, quando mobilizou a população numa ação armada que garantiu a posse de João Goulart, eleito vice-presidente, após a renúncia do então presidente Jânio Quadros. A atitude corajosa salvou a democracia naquele ano. Infelizmente, três anos depois, em 1964, o golpe viria com apoio dos EUA.

Mereceria destaque ainda o fato de que Brizola foi o primeiro político brasileiro a promover reforma agrária no Brasil, criando o movimento de trabalhadores sem-terra, o Master (Movimento dos Agricultores Sem Terra), que segundo o líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), João Pedro Stédile, foi junto com as Ligas Camponesas, inspiradores da atual organização de luta dos trabalhadores do campo no país.

Ou poderíamos exaltar o nacionalista que encampou duas gigantes multinacionais norte-americanas, a Companhia de Energia Elétrica (CEE), filial da multinacional Bond & Share que permitiu ao então governador levar energia elétrica ao interior do Rio Grande do Sul e a Companhia Telefônica Nacional (CTN), filial da International Telephone & Telegraph (ITT).

 

Educação libertária

 

Mas optei por falar do projeto educacional libertário de Brizola, que começou no Sul com a construção de seis mil escolas em horário integral e cujo projeto foi aperfeiçoado por Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro a partir da eleição de Brizola em 1982, com os CIEPs (Centros Integrais de Educação Pública). No Rio, apelidado pela população de brizolões, as escolas foram fisicamente projetadas por Oscar Niemeyer, então o maior arquiteto do mundo, com edificações inspiradas num modelo italiano e construídas por uma “fábrica de escolas” que produzia pré-moldados e, como um brinquedo lego, montara em todo o estado, mais de 500 escolas.

A proposta oferecia três refeições diárias de qualidade, balanceada por nutricionistas, todo o material e uniforme escolar, assistência médica e odontológica, inclusive no campo oftamológico, fornecendo óculos para as crianças que tinham dificuldade visual.

O projeto pedagógico formulado por Darcy Ribeiro e sua equipe garantia ainda atividades culturais, estudos dirigidos, práticas esportivas e elementos da pedagogia construtivista de Paulo Freire

Mas então porque aquele projeto recebeu tantos ataques da mídia e das elites? Esta é a razão porque escolhi este tema para falar de Brizola. É para denunciar o recorte racista dos ataques que o projeto recebeu da mídia, especialmente das Organizações Globo. Lembro-me da reação inconformada dos setores mais abastados da sociedade ao ver crianças pobres e negras tendo oportunidades que então somente os filhos dos ricos brancos possuíam, inclusive prática de natação. Fazia parte do projeto original a construção de piscinas em todos os CIEPs, cuja manutenção, de alto custo, seria mantida através da adoção das escolas por empresas privadas. Lamentavelmente foram poucas a que receberam o apoio dos empresários o que levou Darcy Ribeiro a denunciar que os empresariado era capaz de “adotar” animais do Zoológico do Rio, mas se negavam a adotar uma escola para custear a manutenção das piscinas para as crianças pobres”.

 

O racismo contra os CIEPs

 

As elites e setores conservadores da classe média não toleravam o fato de que a criançada negra tivesse uma escola de qualidade que oferecia gratuitamente, em muitos aspectos, mais até do que muitas escolas privadas caras que as famílias mais afortunadas pagavam para os seus filhos. No fundo, a reação cheia de ódio e rancor contra o projeto educacional do governo Brizola expressava todo o racismo das elites e de grande parte da sociedade e o temor de que as gerações de crianças crescessem nutridas, bem informadas e com uma educação que ia além do conhecimento formal, pois aquelas escolas não se limitavam a preparar as crianças e adolescentes para o mercado de trabalho, mas inaugurava um processo de desmarginalização, dando o ponta pé inicial para uma escola pública integral de qualidade para todas as crianças, passo fundamental para a igualdade de oportunidades e para a emancipação popular. Brizola, também de origem pobre, sabia que era preciso criar um ambiente favorável para as massas excluídas e marginalizadas, de grande maioria negra e parda, a fim de que pudessem, mais do que ter uma vida digna, construíssem uma trajetória coletiva escrita pelo povo brasileiro como sujeito histórico. o que Darcy e Brizola chamavam de uma nova civilização" a que o Brasil estava destinado e que as classes dirigentes tentavam impedir.

Não por acaso, governos comprometidos ou que se acovardaram ante essas mesmas elites atacaram e destruíram o projeto dos CIEPs, restando hoje apenas a estrutura física em praticamente todas as escolas.

 

Educação e emancipação popular

 

O Brasil precisa retomar esta ideia inspiradora para garantir a todas as crianças, adolescentes e jovens, uma escola pública integral, de qualidade, como sonharam seus idealizadores. Tornar este ideal realidade é derrotar o cunho racista daqueles que combateram diariamente os CIEPs até a destruição absoluta do projeto para continuar explorando o nosso povo.

Creio, sinceramente, que é possível e necessário resgatar e atualizar o projeto e nem preciso dizer que o Brasil tem recursos de sobra para isto.

Estamos um século atrasados na questão educacional.

Atacaram e destruíram o projeto dos CIEPs porque querem impedir os direitos fundamentais aos negros e negras, da população pobre e marginalizada e porque não dizer, porque temem um projeto educacional libertário que garanta a emancipação popular que, no fundo, é a emancipação das comunidades negras e do Brasil.

 

Almir Aguiar

Secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT

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