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Diagramação: Marco Scalzo
Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
O BRICS pode ser visto como uma coalisão geopolítica, uma articulação e um processo, mas é fundamentalmente um bloco informal, já que não tem estrutura ou sede. O bloco, composto de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, surgiu no final da primeira década desse século ainda sem a África do Sul. Desde o início, foi uma espécie de “fração de grandes países” (principalmente países em desenvolvimento), atuando ainda no interior do chamado G-20 e interferindo neste grupo. Uma das tarefas importantes do novo governo brasileiro e da diplomacia brasileira será definir o que quer com o BRICS e como participar do grupo, definindo a sua importância para o governo e, na medida do possível, transformando essa relação em uma política de Estado.
Vale lembrar que ao longo do governo Bolsonaro, o Brasil adotou uma participação de perfil baixo no BRICS, coerente com uma política diplomática que alardeava as vantagens da política externa dos EUA (ou de ser um apêndice dela), durante o governo Trump naquele país, ou de ser um “pária internacional”, conforme explicitado pelo primeiro ministro de Relações Exteriores daquele governo. Em relação ao BRICS, e apesar das diatribes frequentes de membros do governo e da família do presidente Bolsonaro com relação aos chineses, destacado membro do grupo, o Brasil adotou uma espécie de política de “submersão sem ruptura”, especialmente por causa dos fortes interesses comerciais que conectam o Brasil à China, seu principal parceiro – mercado destacado para as exportações brasileiras de petróleo, minerais e produtos do agronegócio. Assim, o Brasil ficou no grupo, mas sem o protagonismo que teve em outros momentos.
Para o futuro próximo, a definição do novo governo brasileiro depende de algumas dúvidas importantes sobre os movimentos estruturais e conjunturais do próximo período. O primeiro deles diz respeito à disputa cada vez mais explícita de hegemonia no cenário internacional entre China e EUA, e como o Brasil pode, quer e deve se colocar frente a essa disputa. A tradição da diplomacia brasileira é buscar os espaços autônomos para se mover frente às grandes potências no cenário internacional, buscando não tomar propriamente partido nessas disputas. Mas o cenário para os próximos anos se apresenta tenso nesse sentido, e pode exigir definições maiores do que as que o Brasil possa estar disposto a fazer, tensionando o processo decisório do governo brasileiro.
O segundo ponto diz respeito à presença russa no bloco. A partir da guerra na Ucrânia iniciada no ano passado, para a percepção hegemonizada por estadunidenses e europeus, mas compartilhada por muitos mais, a Rússia é uma companhia tóxica no cenário internacional, nesse momento e pelo menos enquanto a situação da guerra perdurar. Assim, para o Brasil se mover no cenário internacional sem muita tensão, sendo membro do BRICS, um ponto importante seria que as tensões na Ucrânia fossem saindo de ponto de destaque na agenda internacional, o que só é possível com alguma espécie de armistício ou cessar-fogo na guerra em território ucraniano, mesmo que seja um processo que siga complicado. Daí a ênfase aparente do governo brasileiro no processo de paz na Ucrânia, o que poderia não nos dizer respeito muito diretamente.
Um terceiro ponto é a discussão da proposta chinesa de avançar no BRICS a ideia de um espaço comercial comum, alguma espécie de área de comércio dos países BRICS. Vale lembrar que a China é parceiro importante do ponto de vista comercial de todos os outros países do bloco, mas quando se exclui a China, a importância das relações comerciais entre os demais países não é tão relevante, embora tenha aspectos importantes, e sejam todos mercados expressivos. É preciso observar também que aprofundar essas relações comerciais no bloco pode significar ampliar ainda mais a dependência comercial em relação à China, em um modelo em que, no caso brasileiro, o Brasil é um exportador de commodities agrícolas, minerais e energéticas, e um importador de produtos manufaturados, em uma situação bastante desvantajosa do ponto de vista de uma estratégia de desenvolvimento, em especial se a reindustrialização faz parte dessa estratégia.
Convém destacar ainda que no período recente estão se aprofundando as discussões de pequenas parcerias no interior do BRICS. As reuniões e declarações conjuntas entre China e Rússia têm apontado neste sentido, assim como a tentativa de reviver o bloco IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), bloco que antecedeu o BRICS do ponto de vista da diplomacia brasileira. Neste sentido, se esses movimentos não se coordenarem de alguma forma, o BRICS pode começar a se mostrar uma coalisão “trincada” do ponto de vista dos interesses.
Finalmente, cabe observar a discussão do processo de ampliação do BRICS, com a discussão da entrada de vários países. Muitos dos países que mostraram algum interesse em se juntar ao BRICS são países asiáticos (Turquia, Irã, Arábia Saudita e Indonésia, por exemplo), mas para que o BRICS não tenha uma “cara” excessivamente asiática, precisaria contrabalançar esse processo com países em outras regiões, como a África (onde, por exemplo, o Egito demonstrou algum interesse) ou o continente americano (onde quem se apresentou foi a Argentina). De qualquer forma, quaisquer dessas inclusões demandarão discussões, e especialmente o posicionamento dos “sócios fundadores” do bloco. E aí, por exemplo, há que pensar o que representa a entrada da Argentina para o Brasil, que ganha um parceiro do Mercosul no bloco, e um país prioritário nas definições estratégicas da diplomacia brasileira, mas perde a “exclusividade” de membro sul-americano do grupo.
O que pode representar do ponto de vista de uma estratégia de desenvolvimento e da projeção diplomática internacional do Brasil o agrupamento BRICS, e como o Brasil pode se mover nesse quadro complexo é seguramente uma discussão que veremos cada vez mais aberta, não apenas nesse governo, mas nos próximos que se seguirão. Lembrando que estão previstas reuniões do IBAS (esse ano), do G-20 (no ano que vem) e possivelmente do BRICS (no ano seguinte) no Brasil, o que trará esse debate também para o cotidiano das pessoas.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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