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Diagramação: Marco Scalzo
Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
Carlos Vasconcellos
Imprensa SeebRio
Não cabe nessa hora, uma análise estatística e tática de uma das finais mais extraordinárias da história da Copa do Mundo, talvez a decisão mais disputada, emocionante e surpreendente de todos os tempos. Melhor falar da paixão, da explosão emocional deste esporte que envolve, mexe e abala a psique, a alma humana que se transporta para os gramados e transborda em plenitude de lágrimas no campo e no calor da torcida, em vencedores e vencidos.
A vitória da Argentina numa partida dramática contra a excepcional seleção da França é a vitória de um povo sofrido, apaixonado, passional e de seus torcedores reais, que cantam e entoam seus deuses com amor e reverência, sua terra e sua pátria. Quase que outro craque, o jovem Mappé, filho de imigrantes africanos, estraga a festa dos argentinos e predestina Lionel Messi a não ganhar uma Copa do Mundo sequer, o que seria um sentimento de perda para os argentinos comparável às Ilhas Malvinas roubadas pelos britânicos.
Como sempre acontece na vida, a conquista dos argentinos nas copas é sempre dramática, sofrida. Nesta, mais ainda.
Messi, genial
Messi, o craque da Copa e de longe, o maior jogador de sua geração, foi injustamente questionado por um bom tempo de não ser identificado com a torcida e a nação. Pagou, em parte, por seu jeito fechado, ponderado, caladão. Mas era mesmo mais uma vítima da mercantilização do futebol absorvido pelo capital que transforma meninos geniais dos campos de pelada da América do Sul, em commodities para brilharem nos estádios espetaculosos do Velho Mundo.
Ao contrário das acusações que partiram da imprensa e não do povo, Messi, mesmo de longe, sempre manteve seu vínculo com sua gente e o torcedor, com ele, a começar por sua veneração ao maior de todos os jogadores argentinos, Diego Maradona, o outro gênio, este, quase do panteão de Pelé e Garrincha.
Messi é genial, o maior jogador do século XXI. É bem verdade que além dele, Di Maria e a nova geração argentina formaram uma das melhores equipes na história de seu país. Mas foi o craque quem ganhou esta Copa 2022, como Pelé e Didi em 1958, Garrincha em 1962, Maradona em 1986 e Romário em 1994.
Ele foi craque até mesmo no pênalti que perdeu contra a Polônia, pois, em seguida e sempre, chamou para si a responsabilidade e cobrou todas as outras penalidades com mestria, como quem diz: “sou eu o rei do futebol nessa geração”.
Sua identificação com seu povo foi expressa quando o craque desabou chorando, de joelhos, após o título nos pênaltis, aliviado, como a pedir perdão por ter demorado tanto tempo sem vencer uma Copa do Mundo.
Futebol não é tática
Messi genial reafirma também que futebol não é tática, estatística, força física, marketing. Mas sim, a singularidade do craque. Ele driblou o tecnicismo científico do esporte pós-moderno como Garrincha fez com os repetidos estudos dos russos para conter o gênio das pernas tortas.
Messi fez sucumbir o triunfo da mediocridade. Deu olé nos ‘craques’ fabricados pela massificação da mídia, dos negócios obscuros da paixão prostituída pelas marcas de publicidade do capitalismo global. Quem triunfa nos gramados é o jogador genial, o menino das peladas que já nasceu gênio. Como sempre.
A arte está colocada em seu devido lugar.
A lição para o Brasil
Fica nessa Copa celebrada pelos nossos irmãos e vizinhos argentinos, a lição para o futebol brasileiro roubado, de uma seleção e jogadores que há muito não têm identificação com sua torcida, que passam longe do Maracanã ‘tombado’ e de nossa gente igualmente sofrida. De nosso autêntico futebol não havia quase nada na seleção de Tite. Há muito, a bola de nossa seleção é de segunda linha. Sobrou apenas as melancólicas cenas da histeria da ostentação, da negação política da origem de classe. Nossos selecionados estão distantes da terra que os gerou, da genealogia e da significação.
Como os argentinos, que ressurgiram das cinzas no futebol e nas ruas de sua pátria, ao menos por uma noite, o nosso país possa recompor seus cacos e restos, resgatar seu futebol, não apenas como um inevitável produto dos contratos do capital, mas sim em cada campinho de pelada e várzea do Brasil profundo onde craques sequer são vistos pelos clubes de futebol prostituídos por saffs e empresários.
Bem como a pátria, outrora de chuteiras, que precisa ser reconstruída, enquanto identidade de um povo sofrido, singular, de uma civilização mestiça sem igual. Que a reconstrução simbólica se dê primeiro pelo futebol, de uma seleção transloucada, que esqueceu as vielas, os guetos e favelas de onde veio, para morrer numa carne nobre, folheada a ouro. Não se vê bola na seleção faz tempo. Parece um time de viedeogame, mecânico, previzível.
No horizonte do calor tropical do país, anunciando o verão, o sol começa a nascer e fazer reluzir, de novo, o sonho, as utopias, a esperança.
Que a lição possa vir dos argentinos de Messi, para que o Brasil volte a ser, ao menos na inspiração, o futebol de Pelé e Garrincha. E o Brasil, volte a ser do povo brasileiro. Inclusive o seu escrete canarinho, a camisa, a bandeira e os símbolos nacionais. Roubaram tudo do povo brasileiro. Até o futebol. Recorramos ao Velho Chico, não o rio, mas o poeta: “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia.”