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Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
Publicado: 09 Setembro, 2022 - 08h30 | Última modificação: 09 Setembro, 2022 - 08h38
Escrito por: Rosely Rocha e André Accarini | Editado por: Marize Muniz
Os Tribunais de Justiça do Trabalho têm reconhecido o direito de quem foi contratado para o trabalho intermitente, mas tinha uma carga horária maior do que a permitida para esse tipo de contratação. A Justiça entendeu que as empresas estavam fraudando esse tipo de contrato e determinou o pagamento integral das verbas rescisórias, como férias, 13º salário, aviso prévio e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), entre outros direitos.
O modelo de contrato de trabalho intermitente, a legalização do bico, segundo a direção da CUT, é um do legado da reforma Trabalhista do ilegítimo Michel Temer (MDB), em 2017. O trabalhador intermitente é convocado a realizar a atividade profissional por um tempo determinado, de acordo com a conveniência do patrão, sem cumprir uma jornada fixa e, dependendo de quanto ganha e de quantas vezes for chamado, pode ganhar por mês menos de um salário mínimo (R$ 1.212). Confira abaixo o que é o trabalho intermitente e seus direitos.
As decisões dos juízes em favor dos trabalhadores ocorreram em diversos estados do país, de acordo com um levantamento do jornal Valor Econômico.
Em Santa Catarina, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-SC) considerou inválido o contrato de trabalho intermitente pactuado entre uma empresa de serviços terceirizados de Xanxerê (SC) e uma merendeira escolar. Ao longo de um ano e meio, de acordo com o processo, ela trabalhou durante todos os dias do período escolar na mesma unidade de ensino. A empresa foi obrigada a pagar R$ 6 mil à trabalhadora.
Outro caso ocorreu na Paraíba, onde um trabalhador contratado para o setor de carga e descarga de caminhões em uma grande empresa, por decisão da 1ª Turma do TRT-PB, teve seu contrato de trabalho intermitente convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado. Para a Justiça, a prova foi o pagamento de um salário mínimo mensal, sem referência a valores devidos a título de dias ou horas de trabalho.
No Amazonas um jardineiro que trabalhava em período integral teve seu contrato intermitente anulado pela 2ª Turma do TRT e convertido em contrato por tempo indeterminado ao ser constatado que ele que ele trabalhava diariamente. A empresa foi obrigada a pagar ao jardineiro todas as verbas rescisórias levando em consideração todo o período trabalhado e à disposição do empregador.
O coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do Ministério Público do Trabalho (MPT), procurador Tadeu Henrique Lopes da Cunha, avalia que a Justiça acertou em cancelar o contrato de trabalho intermitente nesses três exemplos.
“A interpretação que foi dada é correta, pois há um desvirtuamento da própria lógica do contrato de trabalho intermitente que é aquele em que há uma descontinuidade na prestação de serviço, quando se contrata, provavelmente, em períodos em que há uma demanda maior”, diz Lopes da Cunha.
Para o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT Nacional, Valeir Ertle, o contrato intermitente é uma aberração que precisa acabar, num próximo governo a ser eleito em outubro.
“É uma forma de tirar dinheiro do trabalhador e muitas vezes, sequer paga o salário mínimo. Tem gente que fica o dia numa sala aguardando ser chamado, só para levar alguns trocados para a casa”, diz o dirigente.
Isso é ganância das empresas e precisa acabar. Por isso, precisamos de um governo que defenda o direito do trabalhador
O secretário sugere aos trabalhadores que se sentirem prejudicados que procurem seus sindicatos e denunciem para que seus direitos sejam respeitados pelo patrão.
“A pessoa pode denunciar ao sindicato que tem o dever de ir pra cima, fiscalizar e fazer com que a empresa cumpra o que diz a legislação trabalhista. Não se pode aceitar de jeito nenhum esse tipo de fraude que é um abuso de maus empresários”, afirma.
O procurador do Trabalho do MPT também incentiva a denúncia. Segundo ele, no site do órgão há um canal de denúncias em que a pessoa coloca os dados da empresa, como o CNPJ e o máximo de informações possíveis.
“A denúncia pode ser feita de modo anônimo, sem qualquer referência ou de modo sigiloso em que a pessoa pede o sigilo do seu nome, que eu acho que é mais adequado por que o MPT pode apurar melhor a denúncia se tiver necessidade de mais esclarecimentos”, explica Lopes da Cunha.
Para fazer a denúncia junto ao MPT, clique aqui.
O trabalho intermitente
O trabalhador tem os mesmos direitos que os demais trabalhadores de jornadas fixas, porém, proporcionais às horas que trabalha, ou seja, nos períodos em que é convocado pelo patrão.
Desde a reforma Trabalhista aprovada em 2017, um ano depois do golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, as empresas podem contratar por hora trabalhada e acionar o trabalhador apenas na hora em que precisar. Já foram contratados até junho 842,7 mil trabalhadores por meio esse meio do modelo intermitente, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Somente neste ano, foram criados 31.483 postos, resultado de 121.585 admissões e 90.102 desligamentos (dados de junho).
1 – Carteira de trabalho: a contratação é feita por escrito e o registro deve constar em carteira de trabalho
2 – Valor da hora: uma das dúvidas que sempre surgem em relação à remuneração do intermitente é sobre a impossibilidade ser menor do que o salário mínimo. O advogado especialista em Direito do Trabalho, sócio do LBS Advogados, Fernando Hirsche explica que “sim, pode acontecer”.
“Sempre a proporcionalidade por hora trabalhada em relação ao salário mínimo deve respeitada. Se ele trabalhar menos que uma jornada normal, trabalhar apenas 10 horas, por exemplo, pode receber menos que o mínimo”, ele diz
Ou seja, a hora trabalhada não pode ter valor inferior ao valor de referência da hora do salário mínimo. Como exemplo, se a jornada da categoria for como a da maioria das categorias, de 220 horas mensais, o valor da hora, levando em consideração o salário mínimo atual, será de R$ 5,51.
O valor também não pode ser inferior ao pago para os demais funcionários que exercem a mesma função na empresa.
O pagamento não pode exceder o prazo de 30 dias a partir da convocação. Sobre o valor pago, já incidem as verbas proporcionais referentes a férias e 13° salário.
3 – Férias: por ser a mesma regra das contratações habituais, os períodos são de 30 dias, concedidos a cada 12 meses, que podem ser fracionadas em três períodos.
Neste caso, os trabalhadores não recebem adiantamento de férias e 1/3 de férias pois esses valores estão incluídos no pagamento feito ao final de cada convocação.
4 - 13° Salário: assim como no caso das férias, o abono de fim de ano é pago junto com a remuneração que o trabalhador recebe ao final da convocação
5 – FGTS: o recolhimento para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço é feito pela empresa, com base na remuneração paga ao trabalhador. Em caso de demissão sem justa causa o trabalhador tem o direito de sacar comente 80% do saldo depositado na conta do fundo.
6 – Seguro-desemprego: o trabalhador com contrato intermitente não tem direito ao benefício, mesmo quando é demitido sem justa causa.
7 – Contribuições ao INSS: as contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, portanto, as garantias previdenciárias do trabalhador com contrato intermitente de trabalho é outro item falho da legislação, muito criticado por especialistas e dirigentes sindicais que lutam pelos direitos da classe trabalhadora.
“Para pagar um mês de contribuição ao INSS, é preciso trabalhar dois ou três meses e isso torna quase impossível a aposentadoria para os intermitentes”, diz o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, que acrescenta: “Como disse Lula, é uma forma de escravidão”.
“Os salários menores representam menores contribuições e, com todas as dificuldades impostas pela reforma da Previdência [aprovada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2019] para poder se aposentar, o trabalhador teria de conseguir trabalhar em mais de um emprego com contrato intermitente”, complementa a técnica do Dieese, Rosângela Vieira.
1 – Prazo para convocação: é dever da empresa convocar o trabalhador respeitando a antecedência de 72 horas. Não pode ‘avisar de última hora’.
A partir da convocação o trabalhador tem até 24 horas para aceitar ou não. Se não responder a empresa entenderá como se o trabalhador tivesse recusado atender ao chamado.
A convocação, em geral, é feita por meios que permitam um registro do contato, como mensagem de texto ou áudio no WhatsApp, e-mail etc.
2 – Multas para trabalhador ou empresa: caso o trabalhador ou a empresa não cumpra as regras depois de acertar como fazer a convocação, há uma multa de 50% da remuneração prevista, que deverá ser paga no prazo de 30 dias. Se o trabalhador desobedecer as regras ele terá de pagar. Se for a empresa, é ela que pagará a multa.
Ou seja, no caso do trabalhador, se ele for chamado e aceitar o trabalho, mas por qualquer motivo não puder cumprir, terá de pagar metade do que receberia de remuneração.
No entanto, a lei prevê a possibilidade de compensação dessa multa também no prazo de 30 dias.
3 – Jornadas: as empresas devem manter períodos de inatividade entre uma convocação e outra. Caso o trabalhador atinja o limite de 44 horas semanais ou 220 mensais, conforme estabelece a CLT, ele passa a ser considerado trabalhador tradicional e não mais intermitente.
Não há um limite mínimo para convocações. O trabalhador, por exemplo, pode ser chamado para cumprir apenas uma hora em um mês ou até mesmo, nem ser convocado.
1 – Contratação
Os contratos de trabalho devem ter a identificação da empresa, do empregado, o valor combinado e a forma de pagamento, o prazo para pagamento, local e horários de trabalho (diurnos ou noturnos), as formas de contato para convocação e regras de como proceder em casos de desistência da convocação.
2 – Rescisão
A rescisão do contrato é automática quando há a inatividade por mais de 12 meses.
Pode ocorrer também por demissão com justa causa e rescisão indireta – quando o trabalhador decide romper o contrato por quebra de alguma regra do contrato.
Ou ainda a demissão sem justa causa. Neste caso a empresa terá de arcar com verbas rescisórias e aviso prévio calculados com base nos meses em houve atividade, efetivamente.
Baixa remuneração
Outro dado levantado e que mostra que era mentiroso um dos argumentos para legalizar o trabalho intermitente – o de que trabalhadores poderiam prestar serviços para vários patrões e, assim, até ganhar mais do que a média salarial nacional. Não é o que acontece. A média trabalhada em 2020 ficou em 12 horas por semana, enquanto a média nas contratações habituais, com jornada fixa foi de 40 horas.
Em termos de remuneração, a média de rendimentos desses trabalhadores, em 2020, foi de 601,08, cerca de metade de um salário mínimo, que naquele ano foi de R$ 1.045,00.
Os setores que mais se utilizaram dessa foram de contratação foram o de serviços (47%) e o comércio (22%).