Sábado, 11 Junho 2022 20:04
24ª CONFERÊNCIA NACIONAL

Economista diz que bancos lucram mais com a crise, endividando as famílias com juros altos

Na opinião do técnico do Dieese, Gustavo Cavarzan, cenário atual promove uma “distribuição de renda” às avessas
À CUSTA DO SOFRIMENTO DO POVO - O economista Gustavo Carvazan esplicou como os bancos estão ganhando ainda mais dinheiro em função do cenário de recessão econômica À CUSTA DO SOFRIMENTO DO POVO - O economista Gustavo Carvazan esplicou como os bancos estão ganhando ainda mais dinheiro em função do cenário de recessão econômica Imagem: Contraf-CUT

 

Carlos Vasconcellos

Imprensa SeebRio

 

O economista e técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) Gustavo Cavarzan, começou falando sobre o cenário da conjuntura econômica no Brasil, lembrando que o  país chega em 2022 ao nono ano seguido de estagnação da economia, ou seja, mais uma “década perdida” e afirmou que a expressão correta não é afirmar que os bancos “ganharam nessa conjuntura”, mas sim, que o setor “ganhou mais ‘em função’ da conjuntura”. A afirmação foi feita neste sábado (10), segundo dia da 24ª Conferência Nacional dos Bancários, realizada em São Paulo e transmitida por meio virtual.

 “O PIB de 2021, ou seja, tudo o que país produz, foi menor do que em 2014, há oito anos atrás. Tivemos o tombo da economia em 2015/2016, com a operação Lava Jato, a gestão Joaquim Levy, o golpe de 2016 e ainda hoje a gente não se recuperou. E a previsão para este ano é novamente um crescimento pífio”, explicou.

A culpa é do governo

Cavarzan desmentiu parte do discurso do ministro da Economia Paulo Guedes de que o problema da recessão brasileira é exclusivamente em função da crise no mundo, explicando que, ao contrário, é a forma de gestão de cada nação  que definiu o resultado final do desempenho no cenário econômico interno de cada país.  

“Apesar de a crise ser global, a situação do Brasil é pior. A pandemia e a guerra na Ucrânia afetam a economia mundial, no entanto, o impacto no Brasil é maior em todos os indicadores nas projeções de crescimento e estamos muito abaixo do mundo, mesmo se comparado aos países emergentes e à América Latina”, destacou, apresentando um quadro que prevê um crescimento de 0,8% para o Brasil este ano (o Banco Mundial subiu esta previsão para 1,5%, ainda abaixo dos demais países), enquanto que para os EUA a expectativa é de alta de 3,5%; Europa 2,8%; China 4,4%; Ásia 5,4% e América Latina 2,5%.  

Mudanças no mercado de trabalho

O técnico do Dieese falou ainda sobre o impacto direto da crise econômica no mercado de trabalho. Explicou que há mudanças do modelo de contratação no emprego em função de uma tendência mundial, mas também por causa da reforma trabalhista, fenômeno que ocorreu em vários países após a crise de 2006.

“Há um fenômeno de mudança no mundo inteiro na forma em que as pessoas estão sendo inseridas no mercado de trabalho. Na implantação da reforma trabalhista, diziam que seriam gerados no Brasil mais de seis milhões de empregos e nós sempre dissemos que não era verdade, que não é a flexibilização que gera novos empregos, mas sim a reação da atividade econômica”, opinou.

“Nossa taxa de desemprego que estava 6% a 6,5% em 2014, dobrou de tamanho em dois anos e após a reforma trabalhista aumentou ainda mais, explodindo na pandemia. Agora voltou ao patamar do pós-reformas e ainda elevou a precarização”, acrescentou,

Queda da renda

Cavarzan lembrou que o resultado das mudanças neoliberais, com a destruição da legislação trabalhista, a estagnação econômica e um número cada vez maior de trabalhadores sem carteira assinada e sem proteção social e sindical, geraram um trabalho ainda mais precário sem garantir os empregos prometidos.

“Este quadro repercutiu na queda da renda média dos trabalhadores. E agora temos um fenômeno inédito. Pela primeira vez na história um governo entrega o salário mínimo com valor real menor do que quando assumiu o país. Isso não aconteceu no governo Fernando Henrique, não aconteceu logicamente nos governos do PT e acontece agora com Bolsonaro. De 2016 para cá o salário mínimo não teve nenhum aumento significativo, em alguns anos teve até perda real”, criticou, lembrando que 60 milhões de brasileiros têm sua renda referenciada no mínimo.

Carvazan disse ainda que a queda brutal da renda das famílias brasileiras é agravada pela alta inflacionária, especialmente dos combustíveis, que refletem no preço dos alimentos e na cesta básica. Destacou que, em São Paulo, a cesta básica custa hoje R$800. No Rio de Janeiro, por exemplo, a cesta básica corresponde a 64,5% do salário mínimo.

“Como que as pessoas, comprometidas com o alto custo da alimentação, vão conseguir suprir as demais necessidades como aluguel, gastos com educação e transportes?”, questionou.

Aumento da fome

Dados apresentados pelo economista na Conferência Nacional e que foram divulgados em toda a imprensa, mostram que somente 40% das famílias brasileiras conseguem acesso pleno à alimentação e 58,7% da população convive com a insegurança alimentar em algum grau. O Brasil tem hoje 125,2 milhões de pessoas que passam por algum grau de insegurança alimentar, aumento de 60% em relação à comparação com 2018. São 33 milhões em situação de fome absoluta, sendo que 14 milhões entraram nesta situação em pouco mais de um ano.

Bancos ganham com a crise

Cavarzan revelou que no meio desta tragédia brasileira os bancos divulgaram aumento recordes nos lucros. “Os bancos lucraram R$27 bilhões no primeiro trimestre deste ano, uma alta de 17% em cima de uma base já elevada no ano passado. Em 2022 o lucro do setor passa a ser mais vinculado a este cenário econômico. Para passar o mês, as pessoas estão tendo que recorrer ao cartão de crédito ou empréstimo bancário, crescendo o crédito para famílias, mais do que para empresas, o chamado crédito livre em que o banco cobra a taxa de juros que ele quer”. Considera que este cenário aumenta a concentração de renda no país, através do maior comprometimento da renda das pessoas com as dívidas feitas com os bancos.

“O que mais cresceu nos bancos é o rotativo no cartão de crédito, com juros de 335% ao ano, seguido do crédito pessoal, com média de 86% de juros e cheque especial, com taxa de 133% ao ano”, revelou, afirmando que isso explica o endividamento de 77% das famílias brasileiras, sendo que deste total, 88% estão endividadas no cartão de crédito.

“O trabalhador está pagando a maior parcela de seu salário para quitar o empréstimo ou crédito financeiro, aumentando os ganhos dos bancos, o que resulta numa concentração de renda ainda maior no Brasil, numa distribuição de renda às avessas”, avalia.

Mais tecnologia, mais lucros

Outra explicação dada pelo especialista sobre o aumento dos lucros do setor financeiro é o uso das novas tecnologias através de plataformas digitais que reduzem drasticamente os custos das empresas. Lembrou que tendo ativos inferiores e, no entanto, custos muito menores, o banco digital Nubank consegue ter valor similar ao Itaú no mercado de ações pois “o mercado considera o modelo tradicional dos bancos tradicionais obsoletos”.

“Apenas 3% das operações financeiras são feitas em agências bancárias. Já as transações feitas no celular pelo cliente chegaram a 51% e no próximo ano deve atingir a 60%. Cada vez menos os lucros dos bancos saem das unidades físicas”, afirmou. Falou ainda dos novos modelos de negócios do setor financeiro que contratam agentes autônomos de investimento e citou a resposta da XP Investimentos em uma audiência pública, em que a empresa diz que “o modelo de distribuição de produtos financeiros via agentes autônomos é essencialmente mais eficiente do que o atual sistema de distribuição via gerentes bancários”, deixando claro que as transformações tecnológicas no sistema financeiro estão muito mais relacionadas ao corte de custos para lucrar mais do que para facilitar a vida dos clientes.

Desafio aos sindicatos

Ao final, o economista lembrou que esta tendência faz com que a principal base dos associados aos sindicatos, que são os bancários das agências, está reduzindo drasticamente, o que aumenta ainda mais os desafios da capacidade de representação das entidades sindicais com os trabalhadores do ramo financeiro. 

 

 

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