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Especialistas destacam o racismo, as desigualdades e a ameaça de colapso ambiental como temas urgentes a serem tratados na perspectiva dos direitos humanos
Publicado: 06 Maio, 2022 - 09h09
Escrito por: Redação RBA
Especialistas e ativistas nas mais diferentes dimensões dos direitos humanos consultados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) entendem que um novo Brasil não pode ter lugar para o ódio, o racismo, as desigualdades e muito menos para a destruição ambiental que marcam os últimos anos de retrocesso no país sob o governo de Jair Bolsonaro. Nessa perspectiva, as ações e políticas não podem perder de vista o desmanche de leis que levaram ao recrudescimento da violência.
Para a professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Andréa Zhouri, um dos maiores desafios para a construção de um Brasil novo, com sociedade mais justa, humana, social e ambientalmente equilibrada está justamente nessa desconstrução. É o caso da transferência de demarcações de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura assim que Bolsonaro tomou posse.
A partir daí, como lembrou, os conflitos se aprofundaram. “Os ianomâmi são os que sofrem, embora não sejam os únicos. Adolescentes ianomâmi estão engravidadas. Em 2020, 182 indígenas foram assassinados segundo o Cimi, 50 mil foram contaminados por covid e 900 morreram. Há aumento do trabalho escravo rural. Fiscalização esvaziada. Orçamentos drasticamente reduzidos. Quadros ocupados por militares ou pessoas sem qualificação técnica. ‘Cupinização das instituições’, como disse a ministra Cármen Lúcia. Uma sucessão de atos e decretos resultou em investidas contra o aparato jurídico, institucional, constituídas para inibir os crimes ambientais, proteger os ecossistemas e os povos da floresta”, disse Andréa, em seminário realizado na tarde desta quarta-feira (5).
“A construção de um novo país depende da compreensão da intrínseca relação do social com o ambiental, da indissociabilidade entre iniquidades sociais e ambientais, das diversidades dos povos que compõem a nação brasileira. E isso exige também um governo que enfrente a questão territorial de frente, que respeite a Constituição do país”, defendeu.
A questão da demarcação de terras indígenas, com respeito às culturas dos povos, é considerada central em um projeto de país melhor pela advogada Denise Dourado Dora, diretora-executiva da organização de defesa dos direitos humanos Artigo 19. “Não tem Brasil possível sem a gente repensar a relação com os povos originários, as políticas que envolvem a demarcação de terra. Nesta semana em que a gente está procurando uma aldeia inteira que sumiu após o assassinato bárbaro da menina ianomâmi de 12 anos, o afogamento da criança, a aldeia queimada. Há resistência e luta dos povos desde o início dos anos 90 com essa reorganização contemporânea do movimento indígena e a força que demonstraram nesses quatro anos de Bolsonaro”, disse.
Denise defendeu também a equidade de gênero. “Desigualdade de gênero estruturam todas as demais desigualdades. Violência doméstica e feminicídio tem índices altíssimos, somos o quarto país que mais mata suas mulheres, impunemente.”
E criticou o ódio disseminado sob a justificativa da liberdade de expressão, que deve ser combatido. “O advento das grandes plataformas permite que, por um lado, as pessoas tenham a liberdade de falar, mas de outro há organização de um grupo em que, no anonimato, passa a usar esse ambiente digital amplificado para organizar, produzir e repercutir discurso de ódio e perseguição. Então a gente tem um fenômeno de combate às liberdades, que usa o espaço da liberdade de expressão para disseminar o neofascismo, aproveitando-se dos padrões de desigualdades estruturais em um país como o Brasil para combater a noção básica de direitos humanos. Que o novo governo observe essas ideias de respeito, empatia, igualdade, equidade, defesa de liberdades e isso possa produzir políticas públicas”.
A professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Matilde Ribeiro, defendeu as cotas na perspectiva dos direitos. A Lei de Cotas, que está completando dez anos, deve passar por revisão este ano. A política que abriu as portas das universidades federais e estaduais para negros, indígenas e alunos de escola pública continua sendo alvo de disputa.
“Hoje todas as federais aplicam a política de cotas por um caminho ou outro. Sabemos que as cotas não são a salvação da lavoura e sim medida paliativa diante de um quadro de exclusão histórica. Temos de trabalhar, em termos de direitos humanos, para que a educação seja pública, gratuita e de qualidade para todos, como manda a Constituição”, disse Matilde.
Ela rebateu o argumento dos críticos da política, segundo os quais “cria-se privilégio e fere-se o mérito daqueles que estudaram muito e perderam a vaga para o cotista”. “Nessa visão vão se criando bolsões, porque já há privilégios históricos que levam a distorções. Os negros são os mais pobres entre os mais pobres”, disse, lembrando que a abolição da escravatura não ocorreu de fato. Nem mesmo decorridos 134 anos da abolição.
“No Brasil é impossível compreendermos o sentido de nação e de uma construção de humanidade se não considerarmos o que foi a escravidão, que durou quase 400 anos e também o que aconteceu depois. O racismo existe, mas onde estão os racistas? Não aparece ninguém”.
A SBPC está ouvindo especialistas em temas relevantes, como educação, saúde, ciência, segurança pública, mudanças climáticas, questão indígena, diversidade de gênero e raça e de cultura, entre outros, para compor propostas para candidatos à Presidência da República e ao Congresso Nacional.