Sábado, 02 Abril 2022 16:59
O FUTURO DA CATEGORIA

Transformações do trabalho no ramo financeiro são desafios para o movimento sindical

Economista do Dieese, Gustavo Cavarzan mostra crescimento de trabalhadores do setor que não possuem carteira assinada e proteção da CCT
O economista Gustavo Carvazan falou dos desafios da catefgoria frente às transformações do trabalho bancário em função das novas tecnologias O economista Gustavo Carvazan falou dos desafios da catefgoria frente às transformações do trabalho bancário em função das novas tecnologias Foto: Nando Neves

Carlos Vasconcellos

Imprensa SeebRio

Foto: Nando Neves

 

O economista e técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Gustavo Cavarzan, apresentou o estudo “Mapeamento dos trabalhadores e trabalhadoras do Ramo Financeiro” e falou do grande “desafio para o movimento sindical diante da fragmentação do emprego no setor e a reforma sindical” no painel "Retrato dos bancos e dos bancários", neste sábado (2/4), durante o 6º Congresso da Contraf-CUT. 

O secretário de Combate ao Racismo da Contraf, Almir Aguiar, que mediou a mesa, lembrou que é preciso aprofundar os debates a respeito do preconceito no mercado de trabalho, inclusive nos bancos, aos negros, mulheres e LGBTAQI+". 

Cavarzan abriu sua participação criticando a reforma trabalhista.

“Desde a reforma trabalhista não houve melhorias nos indicativos do emprego”, declarou, ao contrário do que a mídia e a o então ministro da Economia do governo Temer, Henrique Meirelles, prometiam na época.

 “Temer e os defensores da mudança diziam que, em poucos anos, gerariam pelo menos seis milhões de empregos. Quase cinco anos depois a taxa de desemprego teve oscilações e piorou com a pandemia, mostrando que o mito da reforma trabalhista não gerou empregos”, disse.

Cresce a informalização

Cavarzan destacou a queda brusca no número de trabalhadores com carteira assinada, o que representa perda da rede de proteção trabalhista e sindical,

“Em 2014, o Brasil tinha 38 milhões de trabalhadores com carteira assinada e hoje caímos para 34 milhões, ou seja, uma redução de 4 milhões”, apresentou.

Além do desemprego, o especialista disse que outro desafio do movimento sindical é o crescimento drástico do mercado informal, que cresceu muito a partir de 2017, deixando milhões de brasileiros e brasileiras sem garantias ou trabalhando por conta própria”.

“O Brasil alcançou o maior patamar da série histórica: quase metade dos trabalhadores está na informalidade, como os brasileiros que prestam serviços para as empresas de aplicativos, como Uber e Ifood”, explicou.

O técnico do Dieese mostrou que esta realidade ocorre também no setor financeiro. Disse que, além do segmento central, que são os bancários protegidos pelos direitos trabalhistas e previstos na Convenção Coletiva de Trabalho, há outros periféricos, sem garantias e direitos.

Segundo o estudo, os novos segmentos são: os assalariados formais, que trabalham em empresas do sistema financeiro, mas que não são bancos tradicionais; os terceirizados e correspondentes bancários e os agentes autônomos de investimentos e fintechs, sem carteira assinada.

“A recente fragmentação do mercado de trabalho do sistema financeiro serve de laboratório para a ‘uberazição’ ou ‘plataformização’ do ramo financeiro.

Pela primeira vez, em 2019, a categoria passou a representar, com números desde 1994, menos da metade do emprego no ramo financeiro: os bancários já representaram 80% dos trabalhadores do ramo financeiro e atualmente somam apenas 47% do total.

O impacto das fintechs e novas plataformas digitais no setor financeiro, promoveu mudanças nos bancos tradicionais, como a redução forte no número de trabalhadores; o estreitamento da base da pirâmide ocupacional, afetando mais estes bancários, tradicionalmente mais próximos do movimento sindical; alargamento de segmentos superiores, num processo de “gerencialização” e surgimento de bancos digitais, diferentes de fintechs e crescimento do teletrabalho

“Desde 2013 a categoria perdeu 83 mil postos de trabalho”, afirma Calazans.

O estado do Rio de Janeiro foi o que mais sofreu com a perda de postos de trabalho, perdendo 11 mil postos, ou seja, uma redução de 29%.

A variação total do emprego no período foi de -31,5%.

“Desde 2013 foram fechadas mais de cinco mil agências bancárias, locais de atuação sindical e cujos funcionários possuem mais contatos com os sindicatos”, alertou.  

Mudanças no perfil

Números do Dieese mostraram que de 2003 a 2019 houve uma profunda mudança no perfil da categoria em função dos impactos das novas tecnologias no trabalho bancário.

“Está ocorrendo um estreitamento da base (caixas, escriturários) e um alargamento da base gerencial. Em 2003 os gerentes eram 19% da categoria e agora o número saltou para 23% e os caixas e funcionários voltados para o atendimento caíram de 43% para 29%”, explicou.

Lembrou que plataformas digitais, como Inter, Bank Pan, Original e XP, que são considerados bancos e somam 12 instituições reguladas pelo Banco Central, reunindo cerca de 11 mil trabalhadores.

“Se esses bancos continuarem crescendo como os sindicatos vão acessar estes trabalhadores?”, questionou, referindo-se também a tendência de crescimento do home Office nos bancos.

“No teletrabalho faltam estrutura adequada, equipamentos, aumento da jornada descontrolada, isolamento, novos problemas de saúde, aumento de custos para o emprego, como luz e alimento e ausência de um auxílio financeiro por parte dos bancos, apesar dos avanços com as negociações dos sindicatos”, acrescentou.

Uma pesquisa feita pelo Dieese revelou que a grande maioria dos bancários em home offfice, 80%, querem após a pandemia permanecer nessa modalidade, de forma total ou parcial. Especialistas avaliam que 20% da categoria ficará em home Office no pós-pandemia.  

Desafios dos sindicatos

O economista disse ser um desafio como os sindicatos vão redefinir suas estratégias diante dessas tendências e mudanças no trabalho

“O número de trabalhadores que exerce funções similares às dos bancários mas são da categoria não para de crescer no setor: eles eram 83 mil em 2013 e em 2019 o número saltou para 117.015”, disse Calazans, destacando que “é preciso lidar com essa realidade concreta pois esse setores específicos já possuem representação sindical própria”.

Falou ainda que os correspondentes bancários também não param de crescer no país. “Hoje são 233 mil estabelecimentos que possuem contratos com instituições financeiras contra 17 mil agências bancarias”.  

Lembrou que 12% dos trabalhadores do setor financeiro trabalham hoje por conta própria e o número mais que dobrou em poucos anos.

“ São agentes autônomos de investimentos, que trabalham para bancos digitais como a XP Investimentos”, exemplifica.

“Estes trabalhadores são na maioria Pessoas Jurídicas, não têm jornada definida e nem salário definido, sem contrato de trabalho e possuem regime de exclusividade. São representados por uma associação, sem representação sindical cuja a atuação busca melhor formas para desenvolver o mercado de capitais no Brasil.”, afirma.

Cavarzan declarou que a própria XP admite que o modelo de gente autônomo exclusivo “é mais eficiente do que o uso de gerentes tradicionais” porque “tem redução de custos, é mais barato”, confirmando que esta forma de trabalho tem por objetivo aumentar os lucros das empresas.  

Nos EUA já são mais de 1,5 milhão trabalhando como agentes autônomos.

O economista chamou a atenção para o fato de que “o Brasil tem mais de um  mil fintechs, mas apenas 10% estão reguladas pelo BC, atuando através das brechas da legislação brasileira”.  

“Mais de 4.500 mil bancários se tornaram personal bankers, que são ex-bancários com mais de cinco anos de experiência para se cadastrar e têm que pagar R$200 reais de mensalidade para ter  licença para vender produtos financeiros”, critica.  

“Apesar da categoria ter alto índice de sindicalização, cerca de 57%, com as mudanças do modelo de trabalho, muitos trabalhadores estão sem representação sindical. Nos anos 2000 a catefgoria representava 45% do ramo, hoje foi reduzido para 19%.

Destacou que estes trabalhadores não bancários geram riqueza para os bancos em alguma medida, exercem atividades similares, mas são representados por diferentes sindicatos e representações, desorganizando a base de trabalhadores do setor.

“Esse cenário traça o tamanho do desafio de uma confederação que pretende representar os trabalhadores do ramo financeiro”, concluiu Cavarzan.

 

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