Quinta, 24 Março 2022 21:56
LIVE

Embaixador Celso Amorim: “o mundo não será o mesmo após essa guerra”

Celso Amorim avalia que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, cometeu um erro político ao invadir a Ucrânia Celso Amorim avalia que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, cometeu um erro político ao invadir a Ucrânia Foto: Nando Neves

Carlos Vasconcellos

Imprensa SeebRio

 

O diplomata Celso Amorim, ex-ministro da Relações Exteriores do governo Lula, e da Defesa, no governo Dilma Rousseff, abriu a live “Rússia e Ucrânia: um conflito em debate” realizada nesta quinta-feira (24), dizendo que este é o mais grave conflito desde a Segunda Guerra Mundial, embora tenha explicado  que não acredita que o atual conflito terá tantos mortos quanto no Vietnã, por exemplo. Lembrou ainda que outros conflitos – criados pelos EUA – também aconteceram sem a autorização da ONU (Organização das Nações Unidas). “Mas nunca fomos colocados tão dentro de uma guerra quanto agora”, disse referindo-se à cobertura da mídia ocidental do conflito.

Razões geopolíticas

O ex-ministro lembrou que duas ou três semanas antes da guerra, os presidentes da Rússia Vladimir Putin e da China, Xi Jinping, fizeram uma declaração conjunta de que é necessário uma “nova ordem mundial” e que este é o fato político é mais significativo desde a dissolução da antiga União Soviética.

“Esta aliança, embora não seja um pacto militar pleno, é uma relevante parceria da China, a maior economia do mundo, com a Rússia, que tem o maior arsenal do planeta, o que indica uma mudança na estrutura do poder mundial”, acrescenta.

Nova guerra fria

Na avaliação de Amorim, a grande maioria dos especialistas acreditava que, com o fim do comunismo e da URSS, uma nova guerra fria aconteceria entre os EUA e a China, mas este conflito entre Rússia e Ucrânia, mudou esta expectativa, embora alguns analistas especulassem um risco de guerra entre a Rússia e a OTAN (Organização do Tratado Norte).

“O avanço da OTAN não estava no que se imaginava no jogo de uma nova guerra fria após a segunda guerra. A razão de ser de o tratado militar ocidental não teria mais sentido, pois foi criada para conter o expansionismo da antiga URSS. A aliança militar continua importante para os EUA manterem uma certa hegemonia no contexto global. A OTAN estava em busca de um inimigo e, com essa guerra, conseguiu encontrá-lo, a Rússia”, explica.  

Condenação da guerra

Amorim, que tem 60 anos de diplomacia, disse defender a paz de maneira vigorosa o quanto possível e o direito internacional e carta da ONU, que renuncia ao uso da força e defende acabar com as guerras.

“Só há duas hipóteses permitidas pelo Conselho de Segurança e a Assembleia Geral da ONU para o uso militar: a legitima defesa. Na invasão do Iraque, os EUA e alguns teóricos americanos falavam em “autodefesa preventiva”, para justificar a ação da Casa Branca, mas não existe isso na carta da ONU e embora a Rússia tenha boas razões para se preocupar com sua segurança, em função da expansão da OTAN no Leste Europeu, Putin entrou para  uma linha que o deixou uma posição muito difícil que tornam o seu país passível à condenação por essa guerra”, afirma.  

Lembrou que os EUA e aliados da Europa fizeram o mesmo por várias vezes, mas não se pode usar o argumento das ações dos países ocidentais na Sérvia e na Líbia, para tentar justificar a mesma ação feita pela Rússia.  

Erro de Putin

Celso Amorim considerou a invasão um erro político de Putin. “Eu até admirava as posições de Putin, que agia como um jogador de xadrez, frio. Embora tenha historicamente seus motivos por todas os ataques que seu país sofreu do ocidente e que foi agora potencializado pelo não cumprimento do tratado militar ocidental de que “não iria avançar nem um centímetro a mais além da Alemanha Oriental”, o diplomata brasikeiro considera que a invasão da Ucrânia foi erro político.

Para tentar compreender a invasão da Ucrânia pelas tropas russas, lembrou que a OTAN avançou no Leste Europeu, prática intensificada desde o governo do Democrata Bill Clinton. Destacou a expansão em países que faziam parte da antiga aliança militar das nações comunistas, o Pacto de Varsóvia, como Polônia, Hungria, República Theca Romênia, Bulgária e a antiga Iugoslávia e, a partir de 2004, a presença militar ocidental nas antigas repúblicas soviéticas, como Geórgia e agora, a Ucrânia, como explicações de Moscou para a intervenção.

“A ‘revolução colorida’, que  outros chamam de golpe de estado, elevou o risco das tropas da OTAN chegarem a fronteira com a Rússia”, disse, lembrando que, historicamente, a Rússia sofreu invasões como de Napoleão e os alemães duas vezes, ressaltando que na segunda guerra mundial tanques alemães chegaram a 40km de Moscou, considerando que possa haver um aspecto emocional e relações históricas que possam ter precipitado esta guerra.  

“Mas o fato de um país se sentir ameaçado não justificativa uma invasão”, opina.

Consequências econômicas

Amorim falou ainda que as sanções econômicas dos países ocidentais à Rússia podem resultar numa crise enérgica e alimentar que pode ameaçar o mundo, lembrando que os dois países diretamente envolvidos no conflito abastecem a humanidade com trigo, cevada e milho, por exemplo, além da dependência energética da Europa Ocidental em relação ao gás russo.

Citou os fertilizantes russos, que atingem diretamente o Brasil.

Risco nuclear

Admitiu que ainda existe um risco de uso de armas nucleares. “Não gosto de ser alarmista, mas desde a crise dos mísseis em Cuba nunca tive a preocupação da possibilidade de uso de arma nuclear. O próprio russo afirmou que se a OTAN entrar diretamente na guerra, poderá apertar o botão”, disse, acreditando que armas químicas e nucleares não serão usadas para destruição em massa, mas não descartou o uso de armas atômicas táticas.

Caminhos da paz

Criticou ainda a “demonização” de Putin pela mídia ocidental e disse que há uma certa complacência para a continuidade da guerra, com a ideia de “fazer sangrar o Putin para promover a sua queda no poder em seu país”.

Da mesma forma que critica a decisão do governo russo de invadir a Ucrânia, Amorim condena a tática do ocidente de “fazer sangrar o Putin”, porque o sangue derramado é de ucranianos e russos.

“É urgente uma negociação séria. Não pode ser entre Putin e Zelenski, que estão envolvidos na guerra. Para mim, o único país capaz de persuasão para convencer a Rússia e iniciar a paz é a China, não apenas ela, mas ninguém quer mais esta paz que a China, que é o país que mais cresce no mundo. Sugeriu e participação também da Alemanha e da França nas negociações, que têm algum peso. “O Brasil, se tivesse outro governo, poderia também ajudar a mediar pela paz”, declarou.

“Muitos diziam que o mundo não seria o mesmo depois da pandemia e não será também depois desse conflito, que envolve uma geopolítica muito mais ampla. Vivemos um momento muito decisivo e a maneira como esta guerra será resolvida é fundamental para a ordem mundial e a sobrevivência da humanidade, incluindo as questões ambientais e de desigualdade social”, concluiu.   

A live foi organizada pelos sindicatos dos Bancários do Rio (SeebRio) e dos Professores do Rio (Sinpro-Rio).

Mídia