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No país, vítimas têm cor e endereço. Pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) mostra a escalada de violência policial na cidade do Rio de Janeiro
Publicado: 21 Março, 2022 - 08h30 | Última modificação: 21 Março, 2022 - 08h44
Escrito por: Walber Pinto | Editado por: Marize Muniz
Nesta segunda-feira (21) se celebra o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, instituído pela ONU. É um dia importante que reforça a luta contra o racismo e lembra o Massacre de Sharpeville, em Joanesburgo, na África do Sul, no qual negros e negras de diversas idades foram assassinados sem compaixão durante o regime do apartheid, no dia 21 de março de 1960.
Nesta data, aproximadamente vinte mil pessoas protestavam contra a “lei do passe”, em Joanesburgo. A lei obrigava negros a andarem com identificações que limitavam os locais por onde poderiam circular dentro da cidade. As tropas militares do apartheid atacaram os manifestantes e mataram 69 pessoas, além de ferir uma centena de outras.
No Brasil, são as balas perdidas e a violência policial que separam negros de brancos ao sempre ir de encontro aos corpos negros. Um quadro duro que se agravou com o desemprego recorde em meio à crise econômica que atinge pretos e pardos de forma mais intensa do que brancos.
O racismo estrutural e institucional se expressa, especialmente, na violência policial escancarada contra a juventude negra que passou a ser denunciada e reverberada ao mundo pelo movimento negro, inclusive no Brasil.
Nomes como os de Yago Macedo, de 21 anos, Yago Corrêa de Souza, de 21 anos, Alexandre dos Santos, 20 anos, Patrick Sapucaia, 16, e Cauê Guimarães, que não teve a idade divulgada, se somam aos milhares de casos de racismo institucional no país. Todos eles foram vítimas de uma política de segurança pública falha e excludente no Brasil.
As vítimas têm cor e endereço, mas é no Rio de Janeiro que a escalada de violência policial que reverbera no país contra a população negra deságua. De acordo com o levantamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), divulgado em fevereiro deste ano, houve um agravamento do racismo nas abordagens policiais e, por consequência, em todo o ciclo da justiça criminal, no Rio de Janeiro.
A pesquisa intitulada “negro trauma, racismo e abordagem policial na cidade do Rio”, mostra que 63% das abordagens policiais na cidade têm como alvo pessoas negras. Os dados inéditos revelam o caráter racista como centro da atividade policial do estado do Rio de Janeiro.
Segundo o levantamento, um quinto (17%) dessas pessoas já foi abordada pela polícia mais de 10 vezes. Diz ainda que negros correspondem a 68% das pessoas abordadas andando a pé na rua ou na praia, enquanto apenas 25% dos brancos são parados pela polícia nas mesmas circunstâncias.
“A gente percebe o quanto que essa questão de raça ainda é operante na nossa sociedade porque falar de racismo e combater o racismo vai demandar uma reestruturação de toda uma perspectiva de educação e ciência que foram pautadas a partir da perspectiva de raça”, afirma Aline Martinells, pesquisadora sobre assistência social e raça e membra da rede de mulheres negras evangélicas no Brasil.
Na criminologia [conjunto de conhecimentos a respeito do crime], as teorias de raça embasam essa perspectiva quando cria o perfil dos sujeitos que tinham predisposição ao crime
Essa violência atinge principalmente as mulheres negras, ressalta a secretária-Adjunta de Combate ao Racismo da CUT, Rosana Fernandes.
“As mulheres negras muitas vezes não conseguem nem dormir porque ficam preocupadas se seus companheiros e filhos vão voltar para casa”, afirma a dirigente.
“Esses índices [de violência] trazem uma discussão muito grande que a população tem que começar a debater que é qual o sistema de segurança que a gente quer”, propõe Rosana, que acrescenta: “E não é esse sistema de segurança onde as pessoas são avaliadas e julgadas simplesmente pela cor da sua pele”.
Yago Macedo, de 21 anos, era vendedor de balas e foi morto por um policial militar em Niterói, na região metropolitana do Tio de Janeiro. Yago teria se aproximado do agente, identificado como sargento Carlos Arnaud Silva Júnior, que reagiu e alegou que pensava se tratar de um assalto.
No início desde mês, na comunidade Gamboa, em Salvador, três jovens negros foram mortos numa operação policial. As vítimas eram Alexandre dos Santos, 20 anos, Patrick Sapucaia, 16, e Cauê Guimarães.
Moradores e familiares denunciaram a ação, mas a polícia afirmou que houve confronto e por isso chegou na comunidade atirando.
Já o jovem Yago Corrêa, morador do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, foi preso por engano na comunidade onde morava após ter ido comprar pão para um churrasco.
“O racismo é exatamente a compreensão de uma raça superior à outra e da raça como fator determinante dos sujeitos”, pontua Aline.
Já para a secretária-Geral da CUT, Carmen Foro, o Brasil vive uma situação de invisibilidade e que precisa ser revelada e precionar o Estado brasileiro a mudar essa realidade. "O 21 de março se configura num momernto importante de enfrentamento, de pressão social, para que possamos alterar essa dura realidade".
Os casos de violência apontados na reportagem praticada por agentes do Estado contra pessoas negras são exemplos de racismo estrutural, denunciado há décadas pelo movimento negro e intelectuais negros.
No Brasil, a chance de uma pessoa negra ser assassinada é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. Segundo os dados da pesquisa Atlas da Violência 2021 e elaborado por meio de uma parceria entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a taxa de homicídios por 100 mil habitantes negros em 2019 foi de 29,2, enquanto a da soma dos amarelos, brancos e indígenas foi de 11,2.
De acordo com a pesquisa, os negros representaram 77% das vítimas de assassinato no país em 2019. Essa prevalência é, historicamente, um dado frequente em estudos sobre a violência no Brasil.
“Quando Nina Rodrigues [escritor] desenha o perfil dos sujeitos criminosos que têm predisposição ao crime, e isso ainda continua operante, essas são as raízes do racismo institucional, e ele é institucional porque é estrutural”, reitera a pesquisadora.
Quando a gente fala que o racismo é estrutural, a gente afirma que, na literatura, na ciência de forma geral, todos esses saberes reproduzem o racismo. Todas.
Para Anatalina Lourenço, secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT, é a chamada necropolítica, uma ação do Estado de forma pensada a partir das suas políticas que determinam quem vive e quem morre.
“A luta contra o racismo deve ser construída por todos e todas, não pode ser algo secundário a outras lutas. Somos mais 50% da população preta e parda desse país, logo devemos nos perguntar, quais são as ações efetivas para a eliminação do racismo?”, questiona a dirigente.
O racismo estrutural é um conjunto de práticas discriminatórias, institucionais, históricas, culturais dentro de uma sociedade que frequentemente privilegia algumas raças em detrimento de outras.
O termo é usado para reforçar o fato de que há sociedades estruturadas com base no racismo, que favorecem pessoas brancas e desfavorecem negros e indígenas.