Terça, 18 Janeiro 2022 11:48

Decreto de Bolsonaro sobre cavernas favorece mineradoras e pode facilitar pandemias

 

 
 

Medida do governo federal é contestada por especialistas e tem "impactos incalculáveis" na biodiversidade brasileira

 Publicado: 18 Janeiro, 2022 - 09h32 | Última modificação: 18 Janeiro, 2022 - 09h40

Escrito por: Paulo Motoryn / Brasil de Fato

 FLÁVIO ANDRÉ / MINISTÉRIO DO TURISMO
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Gruta Lagoa Azul no município de Bonito (MS)

O governo chefiado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) flexibilizou e reduziu a proteção de todas as cavernas do país, incluindo as de máxima relevância, que são as de maior valor ecológico. A mudança foi publicada na edição extra do Diário Oficial da União da última quarta-feira (12).

O decreto presidencial é criticado por pesquisadores, especialistas e entidades ambientalistas por facilitar o licenciamento de obras e atividades potencialmente lesivas às cavernas brasileiras. A medida pode levar à destruição de centenas de grutas em todo o país e de milhares de espécies que vivem nesses ambientes.

De acordo com o presidente da SBEQ -  Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros - (morcegos), Enrico Bernard, há também o risco do surgimento de novas epidemias e pandemias como a do coronavírus com o desabrigo de populações desses mamíferos que vivem em ambientes cavernosos isolados.

"Toda vez que você destrói habitats, você coloca os animais que são daqueles locais em situações de estresse. Essa destruição de habitat junto com esse estresse pode mexer com o sistema imunológico desses animais e isso aumenta a possibilidade de que vírus e outros patógenos que estejam no local possam se manifestar de uma maneira mais ressaltada", disse Bernard, em entrevista ao Brasil de Fato.

"Não é diferente quando você destrói cavernas que têm populações de morcegos dentro dessas cavernas. Quanto mais cavernas você destrói, mais você está expondo os morcegos que moravam dentro daquela caverna a situações de estresse e eles têm que procurar novos habitantes, novos locais para brigar. Isso pode, sim, aumentar a possibilidade de transmissão de eventuais patógenos que essas populações possam carregar", explicou.

O texto do governo ainda autoriza intervenções em qualquer tipo de caverna, inclusive as de relevância máxima, para obras e empreendimentos considerados de utilidade pública. Segundo Bernard, que leciona na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a redação do decreto atende aos interesses de grandes empresas de mineração.

"A origem da redação desse decreto presidencial é muito nebulosa porque essa não foi uma discussão que passou pelos órgãos técnicos a relacionados a cavernas, não passou pela sociedade civil. Ela partiu de onde? Essa é uma pergunta tem que ser feita, não é?", questionou.

"Agora, sem dúvida alguma, a redação, como apresentada no decreto, ela favorece muito as grandes mineradoras, que sempre viram nas cavernas de máxima relevância um empecilho para a expansão das frentes de lavra na mineração. Nesse momento, dada a falta de transparência, surgir uma redação como essa, que atende exatamente aos interesses de grandes mineradoras, é, no mínimo, estranho", concluiu.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) manifestou-se contrária ao novo decreto e destacou que não foi ouvida sobre a mudança.

"O Decreto Federal nº 10.935/2022 foi produzido a portas fechadas, sem diálogo com a comunidade espeleológica e, claramente, mostra a interferência direta dos Ministérios de Estado de Minas e Energia e de Infraestrutura em uma matéria que é de interesse ambiental", afirmou a entidade.

“Esta interferência visa à facilitação de licenciamento de obras e atividades potencialmente lesivas ao patrimônio espeleológico nacional e que, geralmente, estão associadas a atividades de alto impacto social”, diz a nota.

Outro lado

O Ministério do Meio Ambiente informou em nota que o decreto publicado pelo governo “disciplina a proteção das cavidades naturais subterrâneas e assegura que a exploração só pode ocorrer desde que haja proteção equivalente, chegando a exigir compensação em dobro”. 

Edição: Vinícius Segalla

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