Segunda, 04 Outubro 2021 10:44

Maior investigação jornalística da história revela empresas em paraísos fiscais de ministros de Bolsonaro, bilionários, reis e estrelas do pop

Na maior colaboração jornalística já feita na história, o Metrópoles e dezenas de alguns dos principais veículos de todo o mundo começam a publicar a partir deste domingo (3/10) o Pandora Papers, uma investigação que se estendeu ao longo de 2020 e 2021, a partir de milhões de documentos que revelaram os segredos financeiros de 35 atuais e ex-líderes mundiais e mais de 300 ocupantes de cargos públicos em mais de 90 países e territórios. Sob a coordenação do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), cerca de 600 jornalistas em 117 países vão contar a partir de hoje histórias sobre esses políticos e um elenco global de foragidos, estelionatários e homicidas. Documentos sobre o Brasil mostram empresas em paraísos fiscais de ministros do governo Bolsonaro, grandes empresários e um punhado de investigados e réus por corrupção.

 

No mundo, os documentos secretos expõem as transações fora de seus países do rei da Jordânia, dos presidentes da Ucrânia, Quênia e Equador, do primeiro-ministro da República Tcheca e do ex-premiê britânico Tony Blair. Os arquivos também detalham atividades financeiras do “ministro extraoficial de propaganda” do presidente russo, Vladimir Putin, e de mais de 130 bilionários da Rússia, Índia, Estados Unidos, México e outros países.

O ICIJ obteve um lote de 11,9 milhões de arquivos confidenciais e coordenou uma equipe de jornalistas de 150 veículos de comunicação que passaram dois anos filtrando-os, localizando fontes e mergulhando em processos judiciais e outros documentos públicos de dezenas de países. Os documentos provêm de 14 empresas de todo o mundo que prestam assessoria a offshores, estabelecendo companhias e outros refúgios fiscais para clientes que frequentemente buscam manter suas atividades financeiras à sombra.

Numa era de crescente autoritarismo e desigualdade, a investigação do Pandora Papers oferece uma visão inigualável de como o dinheiro e o poder operam no século XXI – e como o Estado de direito tem sido distorcido e fraturado mundo afora por um sistema de sigilo financeiro que se tornou possível graças aos Estados Unidos e a outras nações ricas.

Já leu todas as reportagens do Pandora Papers? Clique aqui

 

Na imaginação popular, o sistema das offshores costuma ser visto como um conjunto de remotas e esparsas ilhas sombreadas por palmeiras. Mas o Pandora Papers mostra que a máquina de dinheiro das offshores opera em todos os cantos do mundo, inclusive nas capitais financeiras das mais ricas e poderosas economias.

As conclusões do ICIJ e dos seus parceiros na mídia permitem ver até que ponto o sigilo financeiro se infiltrou na política global — e por que governos e organizações globais têm avançado tão pouco no sentido de erradicar os abusos financeiros das offshores.
A investigação do Pandora Papers revela os proprietários ocultos de empresas offshore, contas bancárias anônimas, jatos particulares, iates, mansões e obras de Picasso, Banksy e outros grandes artistas.

 
 

Pelo menos US$ 11,3 trilhões são mantidos fora de seus países de origem, segundo um estudo de 2020 da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com sede em Paris. Dada a complexidade e sigilo que cercam o sistema de offshores, não é possível saber quanto desta riqueza está associada à evasão fiscal e outros crimes, e quanto foi devidamente declarado às autoridades.

Intrigas e privilégios
Pessoas associadas pelos documentos secretos a patrimônios offshore incluem a diva pop Shakira, a supermodelo Claudia Schiffer e Lell Gordo, o mafioso italiano que foi uma das inspirações do filme Gomorra.

Esse mafioso, Raffaele Amato, está vinculado a pelo menos uma dúzia de homicídios. Os documentos vazados revelam detalhes sobre uma empresa de fachada, registrada no Reino Unido, que Amato usou para comprar terrenos na Espanha, logo antes de fugir da Itália para lá e montar sua própria facção criminosa. Amato, cuja história foi uma das inspirações para o elogiado filme Gomorra, cumpre pena de 20 anos de prisão. Os advogados de Amato e Tendulkar não quiseram fazer comentários.

O de Shakira disse que a cantora declarou o seu patrimônio fora da Espanha, o que, segundo o advogado dela, acaba não representando nenhuma vantagem fiscal. Os representantes de Schiffer afirmaram que a modelo paga corretamente seus impostos no Reino Unido, onde vive.

Na maioria dos países não é ilegal ter patrimônio no exterior ou usar empresas de fachada para fazer transações internacionais. Executivos que operam fora de seus países dizem necessitar das offshores para conduzir suas operações financeiras. Mas essas operações geralmente consistem simplesmente em transferir lucros dos países onde eles são obtidos, e que cobram impostos elevados, para companhias que existem só no papel, em jurisdições com baixa tributação.

O uso de refúgios tributários é particularmente controverso no caso de figuras políticas, porque frequentemente isso é uma forma de manter a opinião pública alheia a atividades politicamente impopulares ou simplesmente corruptas.

 

Um grande número de ocupantes de cargos públicos e indivíduos ultrarricos – que em alguns casos são a mesma pessoa – usam o sistema de offshores para administrar, movimentar e muitas vezes ocultar suas fortunas. Eles seguem regras diferentes do resto da humanidade, num jogo de intrigas e privilégios que alimenta a criminalidade e a corrupção, permitindo que as elites políticas e econômicas do mundo se entrincheirem em seu poder.

 

Outros registros vazados mostram que o presidente do Equador, Guillermo Lasso, manteve contas bancárias nos bancos Morgan Stanley e JPMorgan Chase por meio de uma fundação ultrassigilosa no Panamá. Em 2017, o milionário ex-banqueiro transferiu a propriedade das suas contas bancárias a sociedades fiduciárias confidenciais que ele criou em Dakota do Sul. Ao preencher seu endereço num formulário bancário, Lasso não mencionou sua casa no Equador, e sim um prédio de escritórios de Coral Gables, na Flórida.

Procurado, Lasso disse que seguiu as leis equatorianas que proíbem candidatos e servidores públicos de terem offshores em todo o tempo e que isso foi apontado em suas declarações de renda. “Todo o uso passado de qualquer entidade internacional foi perfeitamente legal e legitimo e tal uso representa a organização legal e ordinária de atividades internacionais lícitas”, acrescentou.

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