Quarta, 15 Setembro 2021 17:28

STF adia novamente decisão sobre demarcação de terras indígenas

Direito à demarcação é direito à vida Direito à demarcação é direito à vida

Olyntho Contente

Imprensa SeebRio

Mais uma vez um pedido de vistas suspendeu a definição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras. Desta vez a solicitação foi feita pelo ministro Alexandre de Moraes, após o colega dele, Nunes Marques, ter dado seu voto favorável ao marco temporal regulatório. Não há data definida para a retomada do julgamento. Esta tese cria um novo critério para a demarcação de terras indígenas, estabelecendo que teriam direito apenas sobre o território que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

Ou seja, quem não estava nelas na data da promulgação teria de entrar com ação para disputar na Justiça ou em conflito material comprovado pela área na mesma data. Um julgamento favorável ao marco regulatório é de interesse do agronegócio, fazendeiros, madeireiras, grandes mineradoras e da expansão de seus negócios. E é defendido por Jair Bolsonaro. O marco temporal coloca em risco a vida dos povos indígenas, seus direitos seculares e o meio ambiente, já que aumenta a possiblidade de desmatamentos, na medida em que as terras serão ocupadas por ruralistas.

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. O texto é do artigo 231 da Constituição do Brasil, e não determina nenhuma data.

Votação empatada

Até aqui a votação está empatada. Na semana passada, o relator do caso, ministro Edson Fachin, votou favoravelmente aos povos indígenas e contra o marco temporal. Lembrou que pela Constituição as terras são de posse permanente dos indígenas, cabendo a eles usufruir das riquezas do solo, rios e lagos, de forma exclusiva, independentemente da data da demarcação.

Já Nunes Marques, indicado para o STF por Bolsonaro, votou contra os indígenas. Seguiu a tese dos ruralistas que prevê que os povos originários só podem reivindicar as terras que ocupavam no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Demora interessa ao agro

Mas a demora do julgamento também atende aos grandes latifundiários. Isto porque dá mais tempo para que sejam aprovados no Congresso Nacional projetos que definam o caso favoravelmente a estes grupos poderosos e contra os indígenas, verdadeiros donos das terras do país e que aqui se encontravam antes da invasão portuguesa, o chamado ‘descobrimento’. Avançou, por exemplo, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei (PL) 490, que prevê, entre outras mudanças relativas à demarcação, instituir o marco temporal como parâmetro.

Demarcação é direito constitucional

Em defesa da demarcação, mais de seis mil indígenas estão em Brasília, no Acampamento Luta pela Vida, protestando contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso, desde a semana passada. Nossos ancestrais também ergueram no local faixas em defesa do impeachment de Bolsonaro com a frase “Genocida seu destino é o Tribunal de Haia”, em referência à denúncia de genocídio feita pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apresentada ao Tribunal Penal Internacional contra Bolsonaro, no dia 9 de agosto.

Impacto para os indígenas

Pesquisadora na Universidade de Brasília, a antropóloga Luísa Molina afirma, por sua vez, que a tese do marco temporal “reduz o acesso ao direito originário da terra” por parte dos povos indígenas. “Uma terra indígena não é substituível por outra área, porque é um lugar sagrado, que tem história, onde se cultiva um modo de ser de cada povo”, explica Molina. “Ela é fundamental para a existência de um povo como coletivo diferenciado. É o que faz dele um povo. Se essa terra se perder, as condições da produção da diferença são atacadas e inviabilizadas”. A pesquisadora ressalta que, no caso, “cultura e vida estão na terra, no modo de viver na terra”. E é esse o ponto que estaria em risco.

Entenda o caso

O STF debate o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 sobre uma ação de reintegração de posse movida pelo estado de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang. Em 2019. O Supremo deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios. O julgamento, portanto, afetará o futuro de todos os territórios indígenas do Brasil.

A tese é usada pelo governo e parte do Judiciário para justificar a paralisação das demarcações, de acordo representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), criada pelo movimento indígena no Acampamento Terra Livre de 2005.

Segundo eles, a tese é injusta porque desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente para lutar por seus direitos.

“Quero dizer que esse Brasil é nosso. O Brasil é Terra Indígena. O Brasil é indígena. Portanto eles precisam ter esse entendimento: que nós somos originários dessa terra e vamos defendê-la sempre”, afirmou Marcos Xukuru, cacique geral do povo Xukuru e prefeito de Pesqueira (PE), de acordo com o site da Apib.

ONU e OEA contra o Marco Temporal

Em 23 de agosto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), organismo da Organização dos Estados Americanos (OEA), e o Relator Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, Francisco Cali Tzay, manifestaram-se contra a tese do marco temporal.

O Relator da ONU pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que garanta os direitos dos povos indígenas a suas terras e territórios, e que rejeite um argumento legal promovido por agentes comerciais com o fim de explorar recursos naturais em terras indígenas tradicionais, referindo-se à tese do Marco Temporal.

* Com informações dos sites da CUT, da APIB, do Cimi e do Poder 360.

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