Quinta, 09 Setembro 2021 11:06

Ex-bancária coagida a usar saia curta e batom vermelho: “Isso precisa parar”

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou o Itaú Unibanco de Florianópolis (SC) a pagar indenização de R$ 50 mil a uma ex-funcionária que sofria ameaças, constrangimento e era coagida a se vestir de forma sensual para atrair clientes.

 

Ao Metrópoles, Isabella revelou que essa não foi a primeira vez que sofreu assédio dentro do banco. No entanto, essa abordagem específica a deixou extremamente abalada e lhe causou uma “depressão forte”, motivo pelo qual decidiu procurar a Justiça.

De acordo com a jovem, que pediu para não ter o sobrenome divulgado, a denúncia é importante para extinguir do ambiente de trabalho a falsa ideia de que a mulher tem que se sujeitar a tudo.

“Quero encorajar as mulheres a não se calarem diante de situações como essa. Seja por medo da demissão, amor ao trabalho, vergonha ou sensação de culpa, como foi meu caso. Isso precisa parar, e não só em ambientes laborais como também em qualquer outra situação”, afirma Isabella.

A ex-funcionária do Itaú, que tinha apenas 23 anos na época do caso, conta que o gerente que a assediava dizia que ela deveria “usar a beleza, já que não tinha talento” e exigia que ela usasse “batom vermelho, salto alto e saia mais curta” em áreas com possíveis novos clientes.

Na sentença que condenou o Itaú, o ministro relator, Alberto Bresciani, considerou que o banco, por intermédio do gerente, “impôs, de certa forma a mercantilização da honra da trabalhadora, visou transformar em cifras a maneira como ela era vista pelo sexo oposto, ou pelo mesmo sexo. Dessa forma, incorreu-se efetivamente em uma conduta extremamente machista, repugnante e inadequada, o que, certamente caracteriza o dano moral”.

 

“Dessa maneira, nota-se que o objetivo do apontado assediador, em abstrato (…) seria o lucro, os resultados a qualquer custo e não se aproveitar da situação funcional para favores com o condão sexual para si, mas para outrem (o banco) de forma indireta, o que não elide a possibilidade de classificação de assédio sexual”, enfatizou o relator na sentença.

 

Casos como o de Isabella não são incomuns. De acordo com o TST, entre janeiro de 2015 e junho de 2021 foram registradas 21.390 ações trabalhistas relacionadas a abuso sexual. As áreas campeãs de denúncias foram respectivamente: serviços (4.853), indústria (3.871), comércio e transporte (3.115), comunicação (857) e sistema financeiro (790).

Só nos primeiros seis meses deste ano, foram abertos 1.477 processos. No ano passado, no mesmo período, foram cerca de 1,1 mil. Ou seja, um aumento de 21%.

 
Indenização

Durante o processo de Isabella, a primeira instância da Justiça do Trabalho ouviu testemunhas que confirmaram os assédios sofridos pela vítima. O banco chegou a ser condenado a pagar R$ 500 mil de indenização. Contudo, esse valor foi reduzido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT12) para R$ 8 mil.

TST, no entanto, afirmou que o valor determinado pelo TRT não condiz com a natureza e a proporção do dano, em razão da singularidade do caso, que envolve a prática de assédio moral e sexual. Por isso, aumentou para R$ 50 mil.

Procurado, o Itaú informou que “tem sólidos princípios éticos e repudia veementemente qualquer tipo de assédio ou conduta desrespeitosa” e que “o banco não recorrerá da decisão judicial, a ser cumprida dentro dos prazos legais”.

Questionado sobre a situação funcional atual do gerente envolvido no assédio, o Itaú não se manifestou.

 
Justa causa

Luiz Toniolo, secretário de Assuntos Jurídicos do Sindicato dos Trabalhadores do Ramo Financeiro de Florianópolis e Região (Sintrafi), conta que “o assédio moral e sexual nos locais de trabalho é uma preocupação constante do movimento sindical”.

De acordo com ele, “na medida em que as metas aumentam de forma abusiva e há redução dos postos de trabalho, mais suscetíveis os bancários ficam ao assédio em função dessa sobrecarga”.

Toniolo disse que, para tentar mitigar esses problemas, foram incluídas na Convenção Coletiva de Trabalho da categoria (CCT) algumas proibições, tais como: proibição de divulgação de qualquer tipo de ranqueamento de vendas, protocolos de solução de conflitos, canais disponíveis de denúncias, etc. Em caso de abuso os bancários podem procurar o sindicato.

A advogada trabalhista Daniela Silveira, do escritório Ferraz dos Passos, explica que o primeiro passo é comunicar ao RH da empresa, mas que outras medidas podem ser tomadas para garantir maior segurança à vítima. Entre elas, denunciar em sindicatos, associações, Ministério Público do Trabalho (MPT) e registrar um boletim de ocorrência.

De acordo com o advogado trabalhista e sócio da Advocacia Maciel, Pedro Maciel, quando comunicada, a empresa deve imediatamente realizar uma sindicância para apurar o fato, devendo, em caso de comprovado o assédio, punir o autor, o que, dependendo da gravidade da conduta, pode ser de uma advertência até a aplicação da demissão por justa causa.

(*) Jéssica Ribeiro é estagiária do Programa Mentor e está sob supervisão da editora Maria Eugênia

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