Quarta, 04 Agosto 2021 13:36

Negacionista também na economia: dados de emprego do governo não são reais

Escrito por: Andre Accarini e Marize Muniz

governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) é negacionista no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, quando recomenda medicamentos ineficazes para combater a Covid-19 e promove aglomerações, ao contrário do que recomendam os cientistas, e é negacionista também quando lida divulga dados distorcidos sobre geração de emprego.

A afirmação é do presidente Nacional da CUT, Sérgio Nobre, que se baseia em pesquisas com metodologias confiáveis, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-Contínha), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma das pesquisas mais avançadas do mundo, que segue as recomendações dos organismos de cooperação internacional, em especial a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Bolsonaro e Guedes usam de artifícios e distorção de informações para propagandear uma realidade de crescimento econômico e geração de empregos que não existe”, afirma Sérgio Nobre, se referindo ao presidente e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que divulgam com estardalhaço os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) que, na verdade, não retratam a realidade total do mercado de trabalho no Brasil.

Enquanto o governo anunciou a criação de 1,5 milhão de postos no primeiro semestre, segundo os dados do Caged, o IBGE revelou que a taxa de desemprego do primeiro trimestre de 2021 foi de 14,7%, o que representa 14,8 milhões de desempregados.

Para se defender do fiasco, Guedes criticou o método utilizado pelo IBGE para fazer a Pnad-Contínua. Vive “na idade da pedra lascada” disse ele, alegando que a metodologia do Instituto está ultrapassada.

O que Guedes não disse é que a distorção está justamente nos métodos utilizados para fazer as duas pesquisas. O Caged soma as admissões e subtrai os desligamentos, ou seja, mostra dados apenas de quem foi efetivamente contratado com carteira assinada, mesmo que seja intermitente e sem direitos, e não apresenta um número real do desemprego no país.

Já a Pnad avalia, de forma mais aprofundada, a realidade do mercado de trabalho. E essa realidade não é nada boa para o ministro e o presidente que, em dois anos e meio de governo, não fizeram investimentos nem apresentaram sequer uma proposta efetiva de geração de emprego.

A pesquisa do IBGE leva em consideração o emprego e o desemprego por diferentes vertentes, explica a técnica da Subseção da CUT Nacional do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Adriana Marcolino.

“Para ter uma dimensão da realidade do mercado de trabalho, é necessário saber quantas pessoas estão trabalhando, quantas estão desempregadas, quantas procuram emprego, quantas deixaram de procurar um trabalho, quantas partiram para a informalidade, e o Caged não mostra isso. Mostra somente quem tem emprego formal, com carteira assinada, inclusive estagiários e trabalhadores com contratos intermitentes”, pontua Adriana.

Na modalidade intermitente, criada pela reforma Trabalhista de Michel Temer (MDB-SP), o trabalhador ou trabalhadora fica à disposição do patrão, aguardando, sem remuneração, ser chamado para trabalhar. Enquanto não for convocado, não recebe. E, quando chamado para executar algum serviço, a renda é proporcional às horas efetivamente trabalhadas, que podem resultar em um salário menor do que o piso nacional de R$ 1.100.  Com a reforma, esse tipo de contrato foi legalizado e entrou nos cálculos do Caged.

A Pnad-Contínua mostra a realidade porque, além de enxergar quem está no mercado de trabalho, enxerga também o grande contingente de trabalhadores que não está trabalhando e investiga os motivos, ou seja, apura se o trabalhador realmente está fora do mercado porque não consegue encontrar um trabalho minimamente digno, porque não tem mais dinheiro para procurar, ou se em uma única semana não teve condições de procurar emprego por diversos motivos – e analisa em todo o pais.

A Pnad-Contínua investiga ainda se o trabalhador está fora desse grupo porque é informal, autônomo ou faz bicos revelando, assim, a gravidade da situação da classe trabalhadora, que só piora desde o golpe de 2016, e possibilitando inúmeras análises sobre o mercado de trabalho brasileiro, como a que fez o presisdente da CUT.

 “Temos 177 milhões de pessoas em idade de trabalhar. Dessas, 100 milhões estão na força de trabalho, mas só 86 milhões estão ocupadas. O que é mais chocante ainda é que apenas 30 milhões têm carteira assinada. O resto é informal ou desempregado”, ressalta Sérgio Nobre.

Força de trabalho é a soma das pessoas que estão  disponíveis para trabalhar e que tentam encontrar emprego, mas não conseguem, mais as pessoas que estão trabalhando, as ocupadas. Por isso, a Pnad mostra que o número de pessoas ocupadas aumenta e a taxa de desemprego continua a mesma ou até subindo.

Metodologia reconhecida

A credibilidade da Pnad-Contínua do IBGE é atestada por vários especialistas. Ela foi implantada em todo o território nacional em 2012, com a inclusão de indicadores e metodologia que engloba todos os movimentos do mercado de trabalho. A Pnad foi elaborada após de debates internacionais com organizações que lidam com estatísticas a partir das mais atuais diretrizes de como deve ser feita uma análise de mercado de trabalho.

“Todas essas variáveis não eram acompanhadas antes e passaram a compor o quadro de análise do mercado de trabalho. A pesquisa capta todas as nuances da realidade além do ‘estar desempregado ou empregado’. E é pesquisa bastante atual, que está em consonância com padrões internacionais e com as transformações no mundo do trabalho”, afirma Adriana Marcolino.

Maquiagem

A exemplo do enfrentamento à pandemia, em que o Bolsonaro não levou em consideração a base da ciência para priorizar vacinas e propagandeou remédios ineficazes como a Hidroxiclorquina e a Ivermectina para o tratamento de pacientes com Covid-19, o que é feito para se ter números mais exatos em relação ao emprego, segue a mesma linha.

Ou seja, prefere-se dados parciais para alardear um crescimento que não condiz com a realidade. Adriana Marcolino explica que “na cabeça de Paulo Guedes, é normal haver no mercado de trabalho empregos ‘de fome’, o padrão de miséria para os trabalhadores, a informalidade e por isso, dados que mostram o cenário real são atacados”.

E o ataque, segundo ela, não fica apenas no discurso. “No governo Dilma, a pesquisa saia um mês depois de fechado o período. A última pesquisa foi divulgada no fim de julho e se refere a março. Acontece isso porque estão sucateando o IBGE que não tem condição e realizar a pesquisa em tempo hábil para acompanharmos sem atraso”, ela diz.

Trabalho precário em pauta

Ainda na linha de Guedes – de que é normal haver precarização – o novo Ministério do Trabalho e da Previdência, comandando por Onyx Lorenzoni, estuda contratar trabalhadores temporários, com direitos reduzidos, para funções em serviços públicos municipais, estaduais e federais.

Uma das discrepâncias da proposta, em relação à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), seria a jornada, menor do que o padrão de oito horas e o salário inferior ao mínimo de R$ 1.100.

De acordo com reportagem da Folha de SP, a medida ocorreria esta semana, mas a equipe de Lorenzoni ainda trabalha na elaboração da proposta.

Principais diferenças entre as pesquisas

O Dieese elaborou um quadro comparativo entre as duas pesquisas mostrando suas metodologias e justificando os motivos que fazem da Pnad-Contínua uma pesquisa mais abrangente e, portanto, que retrata melhor o quadro do mercado de trabalho no Brasil.

Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNADC

Responsável:  Ministério do Trabalho

Responsável: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

É um registro administrativo de responsabilidade do empregador que precisa notificar ao governo (Ministério do Trabalho) as contratações e demissões ocorridas dentro do mês.

É uma pesquisa amostral realizada pelo IBGE que compreende um universo amplo de questões socioeconômicas. A PNADC apura dados de  um painel representativo de todos os brasileiros (as), incluindo o mercado de trabalho. São realizadas entrevistas nos domicílios sorteados, de forma a garantir a

representatividade da diversidade da população brasileira.

Acompanha o registro mensal.

Apresenta a média móvel trimestral encerrada no mês.

Acompanha apenas os vínculos formais de emprego.

Por ser uma pesquisa mais ampla, acompanha todo o mercado de trabalho, sendo assim, há informações sobre  os ocupados nas diversas modalidades (com carteira, sem carteira, conta própria etc), os desempregados e aqueles que estão fora do mercado de trabalho.

O Caged, acompanha o número de admitidos, de demitidos no mercado formal de trabalho, perfil pessoal de cada trabalhador e trabalhadora e as características do contrato de trabalho de cada vínculo de emprego (lembrando que um mesmo trabalhador pode ter mais de um vínculo).

Especificamente no mercado de trabalho, o foco é a população com 14 anos ou mais e o objetivo é a classificação da  situação ocupacional de cada indivíduo, em três grupos: ocupado, desempregado (que são considerados a Força de Trabalho) e fora da Força de Trabalho.

Destas três possibilidades derivam as duas principais medidas do mercado de trabalho: (1) a taxa de participação (soma dos Ocupados + Desempregados em relação à População com idade acima dos 14 anos); (2) a taxa de desemprego (Desempregados em relação ao total à força de trabalho).

Não tem esse acompanhamento, devido às características própria dessa base de informação.

A PNADC/IBGE apresenta também indicadores complementares aos básicos:

a)       Subocupados por insuficiência de horas trabalhadas: os ocupados que trabalha menos que 40h semanais e desejam trabalhar mais;

b)        Desalentados: o trabalhador/a que não buscou trabalho, mas estava disponível para trabalhar e desejava trabalhar.

Reunidos – Desempregados+ Subocupados + Desalentados – formam um conjunto denominado Subutilizados.

O Caged acompanhou  a movimentação  de 2,9 milhões de vínculos de trabalhadores e trabalhadoras que foram admitidos ou demitidos em junho de 2021 (último dado disponível).

O mercado de trabalho brasileiro, no 1º trimestre de 2021, era composto de

176,9 milhões de pessoas/população acima dos 14 anos e de 100,4 milhões de pessoas na Força de Trabalho (Ocupados+desempregados).

O Caged sofreu uma mudança metodológica em 2020.

Até 2019 os empregadores enviavam as informações diretamente pelo sistema Caged. A partir de 2020, essas informações passaram a ser coletadas pelo eSocial, com isso, agora as empresas e entes públicos das 3 esferas, MEIs, empregadores pessoa física  (exceto empregadores domésticos)  e entidades sem fins lucrativos devem notificar o governo das admissões e desligamentos. Além disso, a declaração dos empregos temporários passou a ser obrigatória.

A PNADC substituiu a antiga pesquisa do IBGE (PME - Pesquisa Mensal de Emprego).

Por exemplo, os indicadores complementares citados acima foram incluídos nessa nova versão e seguem as recomendações internacionais, que procuram descrever os mercados de trabalho após a Grande Crise (2008-2009).

 

O Caged também traz informações detalhadas sobre sexo, raça, faixa etária, ocupação, remuneração média, etc. Importante para acompanhar o que acontece no mercado formal de trabalho e pensar as políticas públicas para aqueles com carteira de trabalho assinada.

A PNADC traz informações detalhadas sobre sexo, raça, faixa etária, ocupação, remuneração média etc,para todo universo de pessoas no mercado de trabalho e também da população geral.

Importante para entender o conjunto de elementos que compõe o mercado de trabalho: emprego, desemprego, inatividade e as diversas situações que podem ocorrer entre esses três grandes grupos.

Possibilita pensar as políticas públicas de uma forma mais ampla.

Também analisa condições de vida, de acesso a serviços públicos e outros elementos, não restritos somente ao mercado de trabalho.

Dificuldades: a transição da coleta de informações do Caged para o eSocial ainda está em fase de transição. A própria Secretaria de Trabalho (antigo Ministério do Trabalho) divulgou nota técnica em que afirma que muito possivelmente está havendo subnotificação nos registros de desligamentos. Vale destacar que o eSocial é um sistema interligado com outras bases ligadas ao cumprimento de obrigações fiscais, trabalhistas e previdenciária.

Dificuldades: na pandemia a pesquisa passa de presencial para telefônica, o que aumentou o número de domicílios e pessoas que se recusaram a responder os questionários PNADC e/ou não foram encontradas. . Houve redução de mais de 30% do tamanho da amostra da pesquisa no 1º trimestre de 2021 em relação ao 1º trimestre de 2020, o que vem afetando a qualidade do levantamento.

A partir de 05/07/2021, a PNADC retomou o sistema de entrevistas presenciais. .

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