Sexta, 09 Julho 2021 14:53

Compra da vacina Sputnik pelo governo Bolsonaro também foi superfaturada

Negociação foi intermediada por Rogério Rosso, diretor internacional da União Química Negociação foi intermediada por Rogério Rosso, diretor internacional da União Química

Olyntho Contente

Imprensa SeebRio

A assinatura do contrato para a venda da vacina russa Sputnik V por dois dólares a mais que a adquirida pelo consórcio de estados do Nordeste é mais uma prova que confirma a existência de um grande esquema do governo Bolsonaro de superfaturamento dos preços dos imunizantes contra a covid-19. A informação consta de extensa reportagem feita pelo site The Intercept Brasil, a partir de dados oficiais. Como matérias feitas pelo site do Sindicato haviam explicado, o esquema só é possível quando a assinatura do contrato de fornecimento não é feita diretamente com o laboratório produtor, mas através de uma empresa brasileira intermediária.

No caso em questão, a vacina é produzida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, mas o contrato foi assinado entre o Ministério da Saúde e a União Química, a intermediária. O mesmo aconteceu com a Covaxin, em que a intermediária foi a Precisa Medicamentos. Neste caso, o preço inicial de venda informado pelo laboratório Barath Biotec – conforme documentos sigilosos da Embaixada do Brasil em Nova Déli, obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo – era de 100 rúpias, ou US$ 1,34. Mas no contrato com a Precisa passou para US$ 15, um superfaturamento de mais de 1.000%, o que fez com que a vacina indiana fosse a mais cara entre todos os imunizantes adquiridos pelo Brasil. O contrato acabou suspenso em junho, após o escândalo ter estourado com o depoimento à CPI do Genocídio, de Luis Ricardo Miranda, chefe do setor de importação do Ministério da Saúde e do deputado bolsonarista, Luiz Miranda (DEM-DF), que denunciaram o esquema Covaxin.

Outra vacina superfaturada é a chinesa Convidencia, da farmacêutica CanSio, por US$ 17 a dose. Seria ainda mais cara que a Covaxin, a com maior valor cobrado até então. A da Pfizer saiu por US$ 10, e a vacina Astrazeneca a US$ 5. A transação, novamente, segue o modelo do esquema do governo, sendo a assinatura do contrato negociado por uma intermediária, a Belcher Farmacêutica. Um dado interessante e comum a todas, é que as intermediárias têm relação com o líder do governo e ministro da Saúde do governo de Michel Temer, Ricardo Barros, homem de confiança de Bolsonaro.

O presidente, aliás, sabia do caso Covaxin que lhe foi relatado pelos irmãos Miranda. Bolsonaro prevaricou ao dizer que iria mandar a Polícia Federal investigar o que não se confirmou. Esta omissão complica a vida do presidente, pois mostra que ele sabia da fraude do contrato e nada fez. Pior ainda, esteve empenhado pessoalmente em facilitar a assinatura do contrato.

O caso Sputnik

Segundo o site The Inrtercept Brasil, o governo Bolsonaro optou por pagar dois dólares mais caro – ou 20% mais – que governos estaduais pela vacina Sputnik V por ter escolhido fazer o negócio usando a União Química como intermediária. Informa que a farmacêutica com sede no Distrito Federal pertence a um empresário que já doou dinheiro a um partido do Centrão, o PSD; tem um ex-deputado do Centrão como diretor; e conta com o lobby do líder de Bolsonaro na Câmara e ex-ministro da saúde, o deputado federal do Centrão Ricardo Barros, do PP do Paraná.

A matéria revela que cada uma das 10 milhões de doses contratadas pelo Ministério da Saúde custará o equivalente a US$11,95. Já os governos estaduais irão pagar US$ 9,95 a dose. “O prejuízo monumental só ainda não se concretizou graças à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, que levantou dúvidas sobre a segurança da Sputnik V”, diz a reportagem dos jornalistas Guilherme Mazieiro, Rafael Moro Martins e Tatiana Dias.

Pazuello e Roberto Dias

O contrato para a compra de 10 milhões de doses da Sputnik V por R$ 693,6 milhões foi assinado entre o então diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias e a União Química em 12 de março. Naquela sexta-feira, o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello ainda comandava a pasta – na segunda-feira seguinte, Marcelo Queiroga seria anunciado no cargo. Feito o câmbio de dólar para real, o negócio sairá R$ 120 milhões mais caro do que se o governo tivesse imitado os estados, que trataram diretamente com a empresa russa que representa o Instituto Gamaleya, desenvolvedor da Sputnik.

Pelo câmbio de 31 de março, data da assinatura do contrato pelo governo de Mato Grosso, por exemplo, cada dose sairia a R$ 56,02. O contrato entre o governo Bolsonaro e a União Química estabelece o preço de R$ 69,36 por dose – a partir do custo de US$ 11,95 a dose e com a moeda cotada em R$ 5,80, segundo a própria farmacêutica.

Após as negociações, além do Mato Grosso, nove estados do Norte e Nordeste, fecharam, individualmente, contratos diretos com o fundo estatal da Rússia que financiou a produção da vacina. Na prática, fizeram a compra diretamente dos produtores, sem intermediários. E pagando cerca de US$ 2 a menos por dose.

Pressa anormal

Segundo o Intercept, documentos enviados pelo próprio governo Bolsonaro à CPI, revelam uma intensa articulação de vários órgãos federais em prol do negócio com a União Química. Uma série de reuniões, trocas de documentos e viagens ao exterior precedeu a assinatura do contrato, em 12 de março deste ano, para a compra de 10 milhões de doses da Sputnik V – que até hoje não foi aprovada pela Anvisa.

O negociador da transação, o diretor de negócios internacionais da União Química, Rogério Rosso, começou as conversas com o governo em julho de 2020, quando foi recebido pelo então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Rosso é do PSD. Trabalhou nos governos distritais de Joaquim Roriz e José Roberto Arruda, ambos assolados por escândalos de corrupção em série.

Em 2018 foi contratado pela União Química, pertencente a Fernando Marques. A União química pressionou a Anvisa a autorizar a importação. O órgão via problemas de segurança no imunizante. Do lobby em favor da assinatura do contrato participou Ricardo Barros. “Vamos enquadrar a Anvisa”, disse em entrevista. Marques, dono da União Química, e Rosso, o diretor, já foram convocados para falar na comissão, mas não há data para os depoimentos.

 

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