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A assinatura do contrato para a venda da vacina russa Sputnik V por dois dólares a mais que a adquirida pelo consórcio de estados do Nordeste é mais uma prova que confirma a existência de um grande esquema do governo Bolsonaro de superfaturamento dos preços dos imunizantes contra a covid-19. A informação consta de extensa reportagem feita pelo site The Intercept Brasil, a partir de dados oficiais. Como matérias feitas pelo site do Sindicato haviam explicado, o esquema só é possível quando a assinatura do contrato de fornecimento não é feita diretamente com o laboratório produtor, mas através de uma empresa brasileira intermediária.
No caso em questão, a vacina é produzida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, mas o contrato foi assinado entre o Ministério da Saúde e a União Química, a intermediária. O mesmo aconteceu com a Covaxin, em que a intermediária foi a Precisa Medicamentos. Neste caso, o preço inicial de venda informado pelo laboratório Barath Biotec – conforme documentos sigilosos da Embaixada do Brasil em Nova Déli, obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo – era de 100 rúpias, ou US$ 1,34. Mas no contrato com a Precisa passou para US$ 15, um superfaturamento de mais de 1.000%, o que fez com que a vacina indiana fosse a mais cara entre todos os imunizantes adquiridos pelo Brasil. O contrato acabou suspenso em junho, após o escândalo ter estourado com o depoimento à CPI do Genocídio, de Luis Ricardo Miranda, chefe do setor de importação do Ministério da Saúde e do deputado bolsonarista, Luiz Miranda (DEM-DF), que denunciaram o esquema Covaxin.
Outra vacina superfaturada é a chinesa Convidencia, da farmacêutica CanSio, por US$ 17 a dose. Seria ainda mais cara que a Covaxin, a com maior valor cobrado até então. A da Pfizer saiu por US$ 10, e a vacina Astrazeneca a US$ 5. A transação, novamente, segue o modelo do esquema do governo, sendo a assinatura do contrato negociado por uma intermediária, a Belcher Farmacêutica. Um dado interessante e comum a todas, é que as intermediárias têm relação com o líder do governo e ministro da Saúde do governo de Michel Temer, Ricardo Barros, homem de confiança de Bolsonaro.
O presidente, aliás, sabia do caso Covaxin que lhe foi relatado pelos irmãos Miranda. Bolsonaro prevaricou ao dizer que iria mandar a Polícia Federal investigar o que não se confirmou. Esta omissão complica a vida do presidente, pois mostra que ele sabia da fraude do contrato e nada fez. Pior ainda, esteve empenhado pessoalmente em facilitar a assinatura do contrato.
O caso Sputnik
Segundo o site The Inrtercept Brasil, o governo Bolsonaro optou por pagar dois dólares mais caro – ou 20% mais – que governos estaduais pela vacina Sputnik V por ter escolhido fazer o negócio usando a União Química como intermediária. Informa que a farmacêutica com sede no Distrito Federal pertence a um empresário que já doou dinheiro a um partido do Centrão, o PSD; tem um ex-deputado do Centrão como diretor; e conta com o lobby do líder de Bolsonaro na Câmara e ex-ministro da saúde, o deputado federal do Centrão Ricardo Barros, do PP do Paraná.
A matéria revela que cada uma das 10 milhões de doses contratadas pelo Ministério da Saúde custará o equivalente a US$11,95. Já os governos estaduais irão pagar US$ 9,95 a dose. “O prejuízo monumental só ainda não se concretizou graças à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, que levantou dúvidas sobre a segurança da Sputnik V”, diz a reportagem dos jornalistas Guilherme Mazieiro, Rafael Moro Martins e Tatiana Dias.
Pazuello e Roberto Dias
O contrato para a compra de 10 milhões de doses da Sputnik V por R$ 693,6 milhões foi assinado entre o então diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias e a União Química em 12 de março. Naquela sexta-feira, o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello ainda comandava a pasta – na segunda-feira seguinte, Marcelo Queiroga seria anunciado no cargo. Feito o câmbio de dólar para real, o negócio sairá R$ 120 milhões mais caro do que se o governo tivesse imitado os estados, que trataram diretamente com a empresa russa que representa o Instituto Gamaleya, desenvolvedor da Sputnik.
Pelo câmbio de 31 de março, data da assinatura do contrato pelo governo de Mato Grosso, por exemplo, cada dose sairia a R$ 56,02. O contrato entre o governo Bolsonaro e a União Química estabelece o preço de R$ 69,36 por dose – a partir do custo de US$ 11,95 a dose e com a moeda cotada em R$ 5,80, segundo a própria farmacêutica.
Após as negociações, além do Mato Grosso, nove estados do Norte e Nordeste, fecharam, individualmente, contratos diretos com o fundo estatal da Rússia que financiou a produção da vacina. Na prática, fizeram a compra diretamente dos produtores, sem intermediários. E pagando cerca de US$ 2 a menos por dose.
Pressa anormal
Segundo o Intercept, documentos enviados pelo próprio governo Bolsonaro à CPI, revelam uma intensa articulação de vários órgãos federais em prol do negócio com a União Química. Uma série de reuniões, trocas de documentos e viagens ao exterior precedeu a assinatura do contrato, em 12 de março deste ano, para a compra de 10 milhões de doses da Sputnik V – que até hoje não foi aprovada pela Anvisa.
O negociador da transação, o diretor de negócios internacionais da União Química, Rogério Rosso, começou as conversas com o governo em julho de 2020, quando foi recebido pelo então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Rosso é do PSD. Trabalhou nos governos distritais de Joaquim Roriz e José Roberto Arruda, ambos assolados por escândalos de corrupção em série.
Em 2018 foi contratado pela União Química, pertencente a Fernando Marques. A União química pressionou a Anvisa a autorizar a importação. O órgão via problemas de segurança no imunizante. Do lobby em favor da assinatura do contrato participou Ricardo Barros. “Vamos enquadrar a Anvisa”, disse em entrevista. Marques, dono da União Química, e Rosso, o diretor, já foram convocados para falar na comissão, mas não há data para os depoimentos.