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Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
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Está se tornando a cada dia mais concreta a possibilidade de haver, no governo Bolsonaro, um esquema amplo para a compra de vacinas contra a covid-19 com preço superfaturado. Documentos e depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Genocídio do Senado Federal e entrevistas à imprensa revelam que o esquema funcionaria para casos em que o contrato de compra de imunizantes é assinado por uma empresa intermediária, o que, já se sabe, ocorreu na aquisição da vacina Covaxin, da farmacêutica indiana, Barath Biotech, representada pela Precisa Medicamentos.
Documentos sigilosos do Itamaraty dão conta de que o preço da dose do imunizante, segundo informação inicialmente fornecida pelo laboratório da Índia, era de 100 rúpias (moeda do país) ou, US$ 1,34. No contrato assinado pela Precisa com o Ministério da Saúde, no entanto, o valor estabelecido foi de US$ 15 por dose, um superfaturamento de mais de 1.000%. O preço é o mais alto entre todas as vacinas. O governo anunciou esta semana, a anulação do contrato.
A CPI já tem provas de que o esquema montado para a compra superfaturada foi registrado em contratos, ou em negociações para o fornecimento de imunizantes de outros laboratórios, sempre que havia uma empresa intermediária na transação. Além da Covaxin, a chinesa Convidência e a russa Sputnik, e um novo contrato da AstraZeneca.
Bolsonaro envolvido
O presidente Jair Bolsonaro estava pessoalmente envolvido na transação com a Precisa, tendo enviado carta ao primeiro-ministro indiano, confirmando que a vacina Covaxin faria parte do programa de imunização do governo brasileiro. O comportamento foi classificado por senadores da CPI como ‘no mínimo estranho’, já que o presidente, quando tratou do assunto em relação aos demais laboratórios, foi para rechaçar a compra das vacinas por eles produzidas. Ignorou propostas da Pfizer e atrasou a compra da vacina chinesa Coronavac. Mas no início de 2021, começou a mudar sua posição em relação ao tema, passando a tentar fechar contratos de compra de vacinas com várias farmacêuticas. Em fevereiro de 2021, Bolsonaro chegou a publicar Medida Provisória com regras excepcionais para facilitar a compra de imunizantes.
A transação com a Covaxin passou a ser negociada, e com pressa, a partir daí. O contrato foi fechado em tempo recorde: três meses, desde as primeiras reuniões entre a Precisa e o Ministério da Saúde, em novembro de 2020, até a assinatura final do contrato, no valor de R$ 1,6 bilhão, em janeiro de 2021. A assinatura ocorreu, mesmo sem autorização da Agência Nacional de Vigilância (Anvisa). As vacinas nunca foram entregues. Apesar disto, o governo separou os R$ 1,6 bilhão para o pagamento que não aconteceu porque o escândalo estourou.
A assinatura só foi possível porque Bolsonaro editou a MP que previa a compra de vacinas sem a aprovação da Anvisa, desde que autorizada pelo órgão de controle do país-sede do laboratório. Emenda do líder do governo Ricardo Barros (PP-PR) à MP, beneficiou diretamente o contrato com a Precisa, ao incluir especificamente a Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO) da Índia no rol de órgãos habilitados para dar essa autorização.
Barros no esquema
Ricardo Barros faria parte do esquema de superfaturamento, fato reforçado em depoimento à CPI pelo deputado Luis Ricardo Miranda (DEM). Segundo Miranda, o nome de Barros foi citado pelo presidente Jair Bolsonaro ao ser informado pelo parlamentar e pelo irmão dele, Luís Cláudio Miranda, chefe do setor de importações do Ministério da Saúde, da existência de irregularidades no contrato de compra da Covaxin, como preço superfaturado, e pressões para a liberação antecipada de pagamento a uma empresa de Cingapura.
O nome de Barros foi citado, ainda, em mais um caso de intermediação e superfaturamento. Desta vez, nesta quinta-feira (1/7), no depoimento à CPI do Genocídio em que o representante da empresa Davati Medical Supply, o empresário e policial militar Luiz Paulo Dominguetti Pereira, confirmou denúncia de que o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, exonerado na noite da última terça-feira, lhe propôs a cobrança de um dólar a mais por dose em uma nova compra da vacina AstraZeneca, que agora seria feita através de uma empresa intermediária. Dias teria sido indicado pelo líder do governo, Ricardo Barros para o cargo, ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta.
Outras vacinas
A CPI já tem provas de que o esquema montado para a compra superfaturada foi registrado em contratos, ou em negociações para o fornecimento de imunizantes de outros laboratórios, sempre que havia uma empresa intermediária na transação. Em 15 de junho, o Ministério da Saúde anunciou a intenção de comprar 60 milhões de doses da vacina chinesa Convidencia, da farmacêutica CanSio, por R$ 5,2 bilhões, a US$ 17 a dose. Seria ainda mais cara que a Covaxin, a com maior valor cobrado até então. A da Pfizer saiu por US$ 10, e a vacina Astrazeneca a US$ 5.
A Convidencia ainda não foi aprovada pela Anvisa, que espera a apresentação de informações sobre a segurança do imunizante. A transação, novamente, segue o modelo do esquema, sendo a assinatura do contrato negociado por uma intermediária, a Belcher Farmacêutica. Segundo reportagem da Revista Fórum, o sócio da Belhcer, Emanuel Catori, é amigo pessoal de Barros. A empresa tem sede na cidade de Maringá, no Paraná, onde o líder do governo Bolsonaro nasceu e onde começou sua carreira política. A CPI anunciou que investigará a negociação da Convidencia.
Sputnik
No caso da Covaxin, a intermediária Precisa Medicamentos tem como sócio Francisco Maximiano. Próximo a Barros, é sócio da empresa Global Saúde, contratada pelo Ministério da Saúde em 2017 para o fornecimento de medicamentos para doenças raras, tendo recebido antecipadamente, sem nunca ter entregado os produtos. Barros era o ministro da Saúde na época.
Uma terceira vacina negociada com o Brasil e que teve um intermediário nacional foi a Sputnik V, segundo denúncia feita pelo cientista social Leonardo Rossatto. A intermediação da transação foi feita pela União Química, do Paraná, que tem como sócio Fernando de Castro Marques, que é próximo a Ricardo Barros.
O contrato previa o recebimento de 10 milhões de doses da Sputnik V por R$ 2,3 bilhões. A transação, no entanto, não foi concretizada devido ao fato da Anvisa ter verificado problemas na produção do imunizante e não ter autorizado o seu uso emergencial.