Terça, 25 Mai 2021 06:48

Pazuello mentiu: Pfizer propôs, em 2020, soluções para garantir a compra de vacina

Empresa havia enviado carta com adequação para limitações jurídicas, solução logística e informou que termos foram aceitos em outros países
Sem máscara, o general Eduardo Pazuello e o presidente Jair Bolsonaro discursam em ato político, no Rio. Participação do militar fere regulamento do Exército Sem máscara, o general Eduardo Pazuello e o presidente Jair Bolsonaro discursam em ato político, no Rio. Participação do militar fere regulamento do Exército Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Carlos Vasconcellos

Imprensa SeebRio

Com informações publicadas no G1

 

A Pfizer propôs soluções para entraves que, segundo o governo federal, impediram a compra da vacina da empresa. A prova é uma carta enviada em dezembro do ano passado ao então ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

A carta é um dos documentos enviados pela farmacêutica à CPI da Pandemia.  Uma correspondência com as mesmas informações também foi enviada, no mesmo dia, ao então secretário-executivo da pasta Élcio Franco, segundo matéria revelada pelo G1.

O presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, então presidente da companhia no Brasil, afirmou na carta que a empresa havia adequado as limitações jurídicas, encontrando alternativas logísticas e que a oferta, apesar de limitada, seria suficiente para imunizar grupos prioritários ainda no primeiro trimestre de 2021. Além disso, a empresa enviou pelo menos dez emails ao governo federal com informações sobre vacinas.

"Deixamos inúmeras mensagens em seu gabinete e também reforçamos o pedido por e-mail. Como ainda não tivemos retorno, gostaria de comentar alguns pontos relacionados ao tema e também a cobertura de imprensa realizada ontem, com base em coletiva do Ministério da Saúde que falava do perfil ideal de uma vacina contra a COVID-19", escreveu Murilo ao secretário Élcio Franco, explicando a motivação para suas declarações.

Por que não comprou?

Um dia antes do envio das cartas, em entrevista coletiva no dia 1º de dezembro de 2020, o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, disse que “o perfil ideal de um imunizante para o Brasil seria uma vacina que pudesse ser armazenada entre 2º e 8ºC e, preferencialmente, de dose única”. Em resposta, Murillo informou que a Pfizer apresentou embalagem especial para armazenamento da vacina por até 15 dias a partir da troca de gelo seco: “consideramos, como tem sido com todos os outros países que vão começar a vacinação, que são esquemas muito viáveis e de efetiva implementação, considerando inclusive as características geográficas e climáticas do país"

O executivo também disse que a farmacêutica conseguiu "adequar as limitações de ordem jurídica que foram compartilhadas conosco a partir de nossa segunda proposta". A pergunta é, por que o governo brasileiro então não comprou a vacina, ao contrário do que fizeram os demais países?

Prioritários no primeiro trimestre

O então presidente da Pfizer na América Latina declarou que “um dos pontos mais relevantes foi estabelecer a condição para o contrato definitivo à emissão do registro sanitário pela Anvisa".

Sobre as declarações de que a Pfizer destinou quantitativo pequeno para o Brasil, Murillo responde que “a quantidade de doses ofertadas permitiria cobrir grupos prioritários e de maior risco, inclusive já no primeiro trimestre, o que faz ainda mais viável a implementação logística, dado que estamos falando de grupos mais reduzidos e concentrados majoritariamente em grandes cidades", disse.

Outros países fecharam acordo

Por fim, o executivo respondeu sobre a condição de não responsabilização futura da Pfizer e disse que o termo tinha sido aceito "por todos os países que já fecharam acordo" com a empresa.

Na carta, Murilo afirmou que o Brasil precisava assinar o Memorando de Entendimento até o dia 7 de dezembro de 2020 ou as doses reservadas para o Brasil seriam endereçadas a outros países da região que já haviam assinado o contrato.

Exército precisa punir Pazuello

O general Eduardo Pazuello, participou do evento político do presidente Jair Bolsonaro na Zona Sul do Rio, no último domingo (23) e chegou a discursar, sem máscara, no palanque, o que fere o regulamento do Exército, que proíbe militares de participarem de atos políticos. General da ativa, ele foi reintegrado ao Exército, numa função burocrática, após exercer o cargo de ministro da Saúde no governo Bolsonaro e é, hoje, o principal foco da CPI da Covid no Senado.

O regulamento disciplinar do Exército, instituído por decreto em 2002, se aplica a militares da ativa, da reserva e a reformados (aposentados) e lista 113 transgressões. A transgressão de número 57 é a que mais compromete Pazuello: "Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”.  

Pazuello não teria tido autorização de seus superiores para participar da manifestação política a favor de Bolsonaro.

Outras transgressões listadas são "faltar à verdade ou omitir deliberadamente informações que possam conduzir à apuração de uma transgressão disciplinar"; "portar-se de maneira inconveniente ou sem compostura"; e "frequentar lugares incompatíveis com o decoro da sociedade ou da classe".

Se não aplicar a punição, o comandante do Exército poderá cometer também uma transgressão disciplinar por deixar de punir o subordinado transgressor, segundo o mesmo regulamento.

O caso de Pazuello pode se enquadrar ainda no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980. O artigo 45 diz que "são proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político".

Caso o Exército se omita ante a infração do general Pazuello, a instituição estará cometendo um erro grave, que abre um precedente perigoso, o que permitira a qualquer soldado ou cabo fazer o mesmo, inclusive em palanque de outros candidatos a presidente da República em 2022, gerando uma crise institucional e uma quebra da ordem e dos regulamentos militares.

 

 

 

Confira, na íntegra, a carta da Pfizer enviada ao ex-ministro Eduardo Pazzuello

 

Excelentíssimo Senhor Ministro Eduardo Pazuello,

 

Data a extrema importância deste tema para o país e para seus cidadãos, permita-me enviar essa comunicação ao senhor para assegurar que receba diretamente de nossa parte nosso posicionamento em relação às tratativas com o Governo Brasileiro sobre nossa vacina contra a COVID-19

Em nossa terceira oferta enviada ao Governo Brasileiro na semana passada, em 24 de novembro, conseguimos adequar as limitações de ordem jurídica que foram compartilhadas conosco a partir de nossa segunda proposta. Um dos pontos mais relevantes foi estabelecer a condição para o contrato definitivo à emissão do registro sanitário pela ANVISA.

Temos reforçado que a data limite de 7 de dezembro, que a matriz da companhia autorizou em caráter excepcional para o Brasil, para ter assinado este novo Memorando de Entendimento Não Vinculativo, é fundamental. Caso não tenhamos esse documento assinado, nesta data as doses reservadas para o Brasil para o primeiro e segundo trimestre de 2021 serão disponibilizadas para outros mercados da região que já tem contrato assinado com a Pfizer.

Tendo isso em vista, solicitamos ao Ministério da Saúde, pela urgência do tema, que se os senhores já tiverem tomado decisão de não avançar com a assinatura deste documento, possam nos comunicar para que possamos liberar essas doses para que elas sejam disponibilizadas aos países da região que estão trabalhando em seus planos de vacinação que irão começar nos próximos dias, sujeitos a aprovação regulatório [sic] desses países.

Apresentamos, fisicamente, a embalagem especial desenvolvida para esta vacina que permite armazenamento por até 15 dias, na temperatura necessária, com a troca de gelo seco, e por mais 5 dias em refrigerador comum, e também encaminhamos 3 propostas iniciais de esquemas possíveis de distribuição de vacinação, para a partir da assinatura do acordo pelo Ministério serem revisadas e ajustadas. E consideramos como tem sido com todos os outros países que vão começar a vacinação, que são esquemas muito viáveis e de efetiva implementação considerando inclusive as características geográficas e climáticas do país.

Se por um lado entendemos que o quantitativo disponível para o Brasil para o primeiro semestre é limitado e não permitirá vacinar o [SIC] maioria da população com nossa vacina, da mesma forma que está sendo em outros países - como o Reino Unido que emitiu hoje a autorização regulatória para a Vacina da Pfizer/BioNtech e irá começar a vacinação já na próxima semana, afirmamos que esse quantitativo permite sim cobrir grupos prioritários e de maior risco inclusive já no primeiro trimestre, o que faz ainda mais viável a implementação logística, dado que estamos falando de grupos mais reduzidos e concentrados majoritariamente em grandes cidades.

A condição de não responsabilização futura para a Pfizer sobre possíveis demandas litigiosas futuras tem sido praxe e aceita por todos os país que já fecharam acordo com a Pfizer.

Temos buscado, nesta semana, e continuamos tentando contato com o Secretário Elcio Franco para poder avançar com este Memorando de Entendimento e assim conseguir iniciar a vacinação de brasileiros após a aprovação da ANVISA e formalização de contrato definitivo.

Se possível, gostaria muito de poder me reunir com o senhor para conversar pessoalmente sobre esse tema.

 

Atenciosamente,

Carlos Murillo

 

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