Terça, 18 Mai 2021 17:08

Ex-ministro das Relações Exteriores mente, mas não é preso pela CPI do Genocídio

CPI se fragiliza ao não punir com a prisão a testemunha que mente CPI se fragiliza ao não punir com a prisão a testemunha que mente

Olyntho Contente

Imprensa SeebRio

O depoimento do ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, nesta terça-feira (18/5), foi um festival de mentiras, destinado a tentar negar a política genocida do governo Bolsonaro de boicote à contratação de vacinas, ao isolamento social e à compra de equipamentos e máscaras. Mas a CPI do Genocídio não determinou a sua prisão – pelo menos até a postagem desta matéria no site – mesmo tendo essa prerrogativa no caso de testemunha que falta com a verdade em depoimento, como aconteceu por horas no caso de Araújo, o que demonstrou fragilidade da Comissão. Mentir em testemunho é crime em flagrante de delito.

A responsabilidade da CPI é enorme. Cientistas calculam que se não fosse o boicote do governo Bolsonaro às medidas de combate à covid-19 e dos atritos internacionais seguidos criados por declarações e ações deliberadas de Araújo, o Brasil teria 1/3 a menos de contaminados e mortos. Mas há o receio de que se a Comissão não se impuser, as mentiras podem se transformar numa prática corriqueira dos depoentes, transformando o trabalho de investigação em pizza.

Na quarta-feira (19), será a vez de depor do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que conseguiu o direito de ficar calado e não ser preso durante o depoimento, quando for instado a falar sobre suas ações ou omissões. Mas terá que responder a indagações sobre terceiros. A decisão foi concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), e pedida pela Advocacia-Geral da União (AGU). O depoimento é considerado crucial para os trabalhos da comissão.

Ameaça de prisão

No depoimento de Araújo, no máximo, o presidente da CPI do Genocídio, Omar Aziz (PSD-AM), o advertiu de que, como testemunha, não poderia mentir. “Quero alertar que senhor está sob juramento de falar a verdade. Há pouco eu estava na outra sala e vossa excelência deu várias declarações anti-China e se indispôs por várias vezes com o embaixador chinês. O senhor escreveu um artigo, no Diário do Poder, esse artigo que vossa excelência chama de “comunavírus” e há pouco o senhor disse para o relator que não teve nenhuma declaração”, declarou Aziz.

O senador Otto Alencar (PSD-BA) lembrou que em mais de 15 declarações o presidente Bolsonaro disse que não ia comprar vacina. “Chegou a dizer que quem tomasse vacina, poderia virar jacaré. O senhor concorda com o que ele dizia contra a vacina? O que se exige de um chanceler é a verdade sobre os fatos acontecidos”, lembrou. Araújo respondeu com evasivas, afirmando, apenas, ter cumprido o seu papel no ministério.

As mentiras de Araújo

Ao longo de sua gestão, Araújo não poupou críticas à Organização Mundial de Saúde (OMS) e atacou a China, o que acabou prejudicando as negociações de vacinas contra a covid-19 com o país asiático. Criticou não apenas a China, mas também a União Europeia e a Rússia. Ernesto disse que não conversou em outubro com Bolsonaro sobre a aquisição da Coronavac, e não tem conhecimento de quem falou sobre isso com o presidente, que, na época, desdenhou dessa vacina.

Em abril do ano passado, publicou um texto em seu blog pessoal, o ‘Metapolítica 17’, afirmando que o coronavírus é, na verdade, um plano comunista. No artigo intitulado ‘Chegou o Comunavírus’, fez comentários sobre um livro de Slavoj Zizek segundo o qual a pandemia do coronavírus representa “uma imensa oportunidade de construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade”.

Segundo o ex-ministro, há em curso um “jogo comunista-globalista de apropriação da pandemia para subverter completamente a democracia liberal e a economia de mercado, escravizar o ser humano e transformá-lo em um autômato desprovido de dimensão espiritual, facilmente controlável”. Comparou as restrições da pandemia aos campos de concentração nazistas, e reproduziu trechos de textos que criticam o regime do Partido Comunista Chinês e a OMS.

Boicote ao isolamento

Durante a sua gestão, o ex-ministro contestou medidas restritivas para conter o avanço do coronavírus e falou em “sacrifício da liberdade” durante fala no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Em um dos muitos episódios de conflito com a China, negados por ele, o ex-chanceler saiu em defesa de Eduardo Bolsonaro após o filho do presidente republicar uma mensagem no Twitter que culpava o país asiático pela pandemia.

Mas, negou, na CPI do Genocídio, ter sabotado as relações internacionais do Brasil com a China, Rússia e países da União Europeia e a própria ONU, tendo como consequência, a ampliação da tragédia do coronavírus no Brasil.  

Na CPI, disse, ainda, não ter sido consultado sobre a contratação de vacinas, nem sobre a decisão do governo Bolsonaro de se recusar a responder à oferta de imunizantes feita ao Brasil pelo laboratório Pfizer, em agosto de 2020. E jogou na conta de Eduardo Pazuello apontado por ele como único responsável pela decisão.

Em seu depoimento, elogiou várias vezes a China e o governo chinês, ao contrário do que fez durante toda a sua gestão. Acrescentou, ao contrário do que sempre fez, ter atuado para agilizar o envio de imunizantes da China para o Brasil.

Nas costas de Pazuello

Respondendo aos senadores, disse que não participou da decisão do governo brasileiro de não quebrar a patente das vacinas, o que baratearia os gastos com a aquisição dos imunizantes. Novamente colocou esta responsabilidade sobre as costas de Pazuello.

Questionado pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), se ouviu, no Planalto, conversas sobre a imunização de rebanho, Araújo respondeu: "Não me recordo de ter ouvido isso".

Disse, ainda, que a decisão de aderir à quantidade mínima de doses do consórcio Covax Facility (10% e não 60%,) veio do Ministério da Saúde. Ele negou a participação do Itamaraty. O consórcio, coordenado pela Aliança Global de Vacinas (Gavi) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), tem o objetivo de facilitar o acesso de imunizantes contra a Covid-19 em todo o mundo.

Afirmou ter participado do esforço à frente do Ministério das Relações Exteriores na importação de insumos da Índia necessários para a produção da cloroquina. O medicamento não é recomendado cientificamente para o tratamento da covid-19. Apesar disto, acrescentou que é “um remédio muito importante que tenha seu estoque preservado”. Mas, mesmo assim, procurou, novamente, eximir-se de responsabilidade, ao afirmar nunca ter recebido uma relação de testes comprovando a eficácia do medicamento no tratamento contra a covid-19, reafirmando que o pedido de importação foi feito por solicitação do Ministério da Saúde 

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