Segunda, 23 Novembro 2020 20:02

Desafio de pôr fim ao racismo no Brasil é responsabilidade de todos

Em pleno século XXI, o Brasil continua a ser uma sociedade extremamente racista. O preconceito racial está explícito no mercado de trabalho, na discrepância salarial e nos índices de violência e de mortes por ação policial nas favelas e periferias. A comunidade afrodescendente representa 55% da população brasileira, com presença mais marcante nas regiões mais pobres do país. Segundo estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômcios), baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE (Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística), os negros representam 83% no Amazonas, 82% no Pará, 82% no Maranhão, 82% no Piauí, 81% na Bahia, 80% no Sergipe, 80% no Tocantis e 74% no Ceará.

A presença é menor nos estados mais ricos: 38% em São Paulo (38%), 33% no Paraná, 18% no Rio Grande do Sul (18%) e 16% em Santa Catarina (16%), onde a maioria é formada pela população branca e mais abastada. “É preciso acabar com a hipocrisia de que vivemos numa democracia racial. Desde a sua origem, a nossa miscigenação foi formada pela violência e estupros de homens brancos contra mulheres negras. Chegamos ao século XXI ainda com um racismo estrutural, que saiu do armário com ascensão de um grupo político reacionário de extrema-direita que ocupa o Palácio do Planalto e a maioria do Congresso Nacional. Somente com mobilização de toda a sociedade poderemos reverter esta situação e resgatar a esperança de um país melhor, justo e que abomine o preconceito racial. A eleição de mais negros e principalmente mulheres e trans negras foi um aspecto desta eleição municipal que reacende a esperança e revela uma reação muito positiva das populações marginalizadas”, avalia o diretor de Combate ao Racismo da Contraf-CUT, Almir Aguiar.

Trabalho precário

Dados do segundo trimestre de 2020 revelam que são os negros a maioria dos trabalhadores que têm ocupação sem carteira assinada: 45% entre homens (sendo 32% brancos). As mulheres negras representam 44% do trabalho informal e mais precário, enquanto 32% são mulheres brancas. No mesmo período, os afrodescendentes são a maioria entre os subutilizados (desempregados ou que trabalham menos do que gostariam): 29,4% são homens negros e 19,1% de brancos. Neste grupo, a situação das mulheres negras é ainda pior: há 40,5% nesta situação, enquanto que as não negras representam 26,4%.

Renda inferior

Em relação ao rendimento médio, os homens negros ganham R$1.950, enquanto que os de outras raças a renda média é de R$3.484. Já entre as pessoas do sexo feminino, a remuneração média das negras é de R$1.573 contra R$2.660 das não negras. “Em termos de renda há uma dupla discriminação, por gênero e raça, que colocam as negras na base da pirâmide social brasileira, sendo que grande parte delas é que sustenta sozinha, a família”, explica Almir. Na variação negativa do número de ocupados do segundo trimestre, mais uma vez, a raça é fator decisivo nos indicadores sociais. Homens negros apresentaram um índice de -12% contra -5% nas outras raças. Entre as negras a variação é ainda mais negativa: -13%, quase o dobro das mulheres não negras: -7%.

Violência seletiva

A questão da discriminação racial no país é tão grave que até nos índices de violência, as maiores vítimas são jovens negros das favelas e periferiais. As chamadas “balas perdidas” das ações policiais e dos confrontos nas regiões mais pobres dos centros urbanos matam muito mais negros pobres. Dados do Atlas da Violência 2020 confirmam esta anomalia social. Em 2018, 75,7% das vítimas de homicídios eram negras. Entre 2008 e 2018, as taxas de homicídio apresentaram um aumento de 11,5% para os negros, enquanto para os não negros houve uma diminuição de 12,9%. “Os números deixam evidente o abismo que separa brancos e negros no Brasil. Morrem quase três vezes mais negros assassinados em nosso país. Claro que nosso desejo é um país justo, com igualdade de oportunidades, que pacifique e preserve a vida de todos, independentemente de raça ou condição econômica, mas não dá para a sociedade continuar fingindo que não há racismo”, disse Aguiar, que voltou a defender as políticas afirmativas e a justiça social como caminhos para superação das desigualdades. “No mercado de trabalho bancário a situação é ainda mais grave do que em outros setores. Negros raramente estão nas funções de atendimento e de maior visibilidade nos bancos privados e muito raramente chegam aos cargos de comando”, critica.

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