Quarta, 04 Novembro 2020 17:24

Dia 8: protesto contra juiz que inocentou empresário por estupro ‘sem intenção’

Olyntho Contente

Imprensa SeebRio

Vem causando indignação crescente a decisão e o comportamento do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, que inocentou o empresário André de Camargo Aranha, da acusação de estupro da promotora de eventos Mariana Ferrer, de 23 anos. Segundo o site The Intercept Brasil a violência ocorreu numa festa em 2018 em que ela teria sido dopada e levada para um local privativo pelo acusado sendo violentada. Aranha é um rico empresário de jogadores visto com frequência ao lado de figuras como o ex-jogador de futebol Ronaldo Nazário e Gabriel Jesus.

Para protestar contra este episódio escandaloso, está sendo convocado um ato público no domingo (8/11), às 14 horas, na Cinelândia. O tema central da manifestação é "Não existe estupro culposo". Veja mais informações sobre o caso nas hashtags #justicaparamariferrer #estuproculposonaoexiste  #elesnão

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mandou investigar o comportamento de Rudson. O caso é escandaloso também por terem sido substituídos já durante as investigações, o delegado e o promotor, tendo sido mudada, na segunda instância, a acusação de estupro para ‘estupro culposo’, ou seja, sem intenção, uma excrecência jurídica sem tamanho, cínica em si, sem qualquer base legal.

Vários artistas, parlamentares, jornalistas, entidades do movimento de mulheres, centrais sindicais e sindicatos, entre eles o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, também condenaram a postura do juiz, do promotor e do advogado de defesa e exigiram a punição do acusado.

O juiz Rudson permitiu durante o julgamento, que a vítima fosse torturada psicologicamente pelo advogado de defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, que mostrou em juízo fotos de modelo de Mariana, que nenhuma relação tinham com o caso, em posição que definiu como “ginecológicas”, afirmando que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana. As imagens do julgamento foram publicadas pelo site The Intercept Brasil. O advogado também repreendeu o choro de Mariana: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.

Quando Mariana pediu que o juiz intercedesse, ele avisou Mariana que pararia a gravação para que ela se recompusesse e tomasse água, pedindo, em seguida, para o advogado manter um “bom nível”. O The Intercept conta em sua matéria que o processo foi marcado, além da troca de delegados e promotores, pelo sumiço de imagens e mudança de versão do acusado.

Estupro sem intenção é absurdo

Para a diretora da Secretaria de Políticas Sociais do Sindicato, Kátia Branco, esta sentença, jamais vista, abre precedentes terríveis contra a vida das mulheres, jovens e até crianças. “Não existe estupro culposo, não existe estupro sem intenção de estuprar!”, protestou. E acrescentou: “O que fizeram no julgamento com a Mariana Ferrer foi mais uma violência contra a vítima e é uma violência contra todas nós, mulheres”. Rita Mota, diretora do Sindicato e integrante da Comissão de Funcionários do Banco do Brasil, frisou que o machismo precisa ser combatido na sociedade em todos os níveis. E que a postura permissiva do juiz é inadmissível, nada tendo feito, mesmo percebendo os efeitos das agressões do advogado em relação à vítima. "Estupro culposo não existe", protestou.  

Em nota oficial a CUT condenou a sentença. “A CUT repudia mais essa injustiça e exige a punição nos rigores da lei, do estuprador André de Camargo Aranha, bem como a reparação da injustiça cometida contra Mariana Ferrer”. No documento a central sindical ressalta que o Brasil tem se tornado em um dos piores países para mulheres e meninas.

Lembra que a cada 11 minutos uma mulher sofre estupro, 30% das vítimas são menores de 13 anos de idade. E frisa que esta realidade é reforçada por instituições que deveriam combater a violência e proteger as vítimas. “Exemplo disso é a vergonhosa decisão da Justiça de Santa Catarina que por meio do juiz Rudson Marcos e do promotor Thiago Cariço, ao julgar o caso de estupro de Mariana Ferrer optam por não cumprir a lei e punir o estuprador, numa tentativa de  tornar a vítima em ré”.

A delegada Bárbara Camargo Alves, da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, considera a tese de estupro culposo perigosa, uma vez que esses crimes costumam ocorrer entre quatro paredes e a única prova acaba sendo a palavra da vítima. Para a promotora Valéria Scarance, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, a tese jurídica da condição “culposa” para casos de estupro abre precedente para dificultar a demonstração desses crimes. Ela avalia que o rompimento do hímen e a presença de esperma, detectados pelo exame de corpo de delito, porém, são provas contundentes.

Poder econômico

Segundo o The Intercept, em julho de 2019, o primeiro promotor a assumir o caso, Alexandre Piazza, denunciou André de Camargo Aranha por estupro de vulnerável, quando a vítima está sob efeito de álcool ou de algum entorpecente e não é capaz de demonstrar consentimento ou de se defender. Ele também pediu a prisão preventiva de Aranha, aceita pela justiça e depois derrubada em liminar na segunda instância pela defesa do empresário. Aranha cumpriu apenas medidas cautelares como a apreensão do passaporte. Inexplicavelmente, o caso tramitou em segredo de justiça.

As provas

Na denúncia a que o Intercept teve acesso, no início das investigações, Piazza considerou como prova o material genético colhido na roupa de Mariana e um copo no qual Aranha bebeu água durante interrogatório na delegacia. O promotor também levou em conta “as mensagens desconexas encaminhadas pela vítima aos seus colegas” após descer as escadas do camarim onde o crime ocorreu, além dos depoimentos de Mariana, de sua mãe e do motorista de Uber que a levou até em casa.

Luciane Aparecida Borges, a mãe de Mariana, contou ter sentido um cheiro forte de esperma quando a filha chegou em casa após a festa. Segundo ela, Mariana não costumava beber e nunca havia chegado em casa naquele estado. O motorista citado pelo promotor na denúncia disse que a jovem passou a viagem chorando e falando com a mãe ao telefone. Para ele, ela parecia estar sob o efeito de drogas.

Também foram anexados ao processo áudios enviados por Mariana a pelo menos três amigos após descer as escadas do camarim. Em um deles, ela diz: “amiga, pelo amor de Deus, me atende, eu tô indo sozinha, não aguento mais esse cara do meu lado, pelo amor de Deus”. O promotor pediu ainda que fosse averiguada a conduta do primeiro delegado que atendeu a ocorrência e não solicitou as imagens das 37 câmeras de segurança do clube.

Novo promotor inocenta acusado

O entendimento do Ministério Público sobre o que aconteceu naquela noite, porém, mudou completamente na apresentação das alegações finais. O promotor Piazza deixou o caso para, segundo o MP, assumir outra promotoria, e quem pegou o processo foi Thiago Carriço de Oliveira. É nas alegações finais de Oliveira que aparece a tese do estupro “sem intenção”.

Para o novo promotor, não foi possível comprovar que Mariana não tinha capacidade para consentir com o ato sexual, desqualificando assim o crime de estupro de vulnerável descrito na denúncia pelo seu colega. Ele se baseia principalmente nos exames toxicológicos que não reconheceram nem álcool nem drogas no sangue de Mariana naquela noite e na aparente sobriedade indicada pela postura de Mariana ao sair do Café de la Musique e se deslocar até outro beach club em busca das amigas captada pelas câmeras da rua, da Polícia Militar.

Fontes: The Intercept Brasil e CUT

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