Terça, 01 Setembro 2020 15:13

Jurista denuncia cumplicidade de setores do Judiciário com bancos ao criticar censura ao site GGN

Uma das matérias é sobre a venda da carteira de crédito do BB ao BTG-Pactual, sem licitação, investigada pelo MP do TCU Uma das matérias é sobre a venda da carteira de crédito do BB ao BTG-Pactual, sem licitação, investigada pelo MP do TCU

Olyntho Contente

Imprensa SeebRio

Criminalista do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (Caad), José Carlos Portella Junior, classificou como ‘decisão absurda’ a censura às reportagens do site jornalístico GGN sobre a participação do banco BTG-Pactual em transações suspeitas com o poder público, sob investigação. Para o jurista, a decisão mostrou a existência de uma cumplicidade entre o Judiciário e o sistema financeiro. Determinada pelo juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves, da 32ª Vara Cível do Rio de Janeiro, a censura também se aplica a publicações futuras.

Sem avaliar o mérito das denúncias apresentadas, o juiz as classificou como “notícias levianas”, que causariam dano à “honra objetiva” do banco. Com capital aberto, as reportagens poderiam arranhar a “imagem” da instituição, considerada como “patrimônio” de seus acionistas.

Em entrevista ao jornalista Tiago Pereira, do site Rede Brasil Atual, Portella Júnior citou como exemplo desta cumplicidade, por exemplo, delações descartadas na Lava Jato que envolveriam bancos em casos de corrupção. Além de outras decisões que afastaram o Código de Defesa do Consumidor para dar ganho de causa aos bancos, em ações movidas por clientes que se sentiram prejudicados. Por outro lado, a própria Lava Jato não teve esse tipo de sensibilidade para preservar a imagem de empresas envolvidas.

O jurista acredita que a decisão deverá ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Não há justificativa jurídica nenhuma para se impor esse tipo de sigilo”, afirmou, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual nesta segunda-feira (31).

Escândalos envolvem também Guedes

As reportagens foram escritas pelos jornalistas Luiz Nassif e Patricia Faermann. Revelam desde o favorecimento em licitação da Zona Azul da Prefeitura de São Paulo até a venda da carteira de crédito do Banco do Brasil de R$ 2,9 bilhões ao BTG Pactual, por R$ 371 milhões. Uma operação inédita no BB, sem licitação que causou surpresa ao mercado. O BTG-Pactual foi escolhido a dedo. O escândalo passou a ser investigado pelo Ministério Público do Tribunal de Contas da União, levando, por isto mesmo, o então presidente do BB, Rubem, Novaes a pedir demissão, talvez para sair do foco das investigações.

Criado em 1983, o BTG-Pactual tem entre seus fundadores o atual ministro da Economia, Paulo Guedes. Novaes era amigo de longa data e foi nomeado por Guedes para o cargo, estando subordinado a ele, tendo executado a operação que foi, não apenas autorizada como comandada por Guedes. O MP do TCU investiga se houve favorecimento ao BTG-Pactual e qual a responsabilidade do ministro na transação.

Blindagem ao BTG, Guedes e Bolsonaro

Além dos casos citados, a Lava Jato teve um cuidado especial com o atual ministro da Economia Paulo Guedes – que, como o BTG, recebe um tratamento vip por parte de setores do Judiciário. Foi investigado pelos procuradores da Operação por ter feito através de sua empresa, a GPG Consultoria, pagamento a um escritório de fachada suspeito de lavar dinheiro para viabilizar um esquema de distribuição de propinas a agentes públicos no governo do Paraná. A descoberta foi feita em 2018 quando Guedes já comandava a equipe de transição da área econômica do governo Bolsonaro.

O repasse de R$ 560,8 mil, foi realizado em 2007, à Power Marketing Assessoria e Planejamento, firma operada por um assessor do ex-governador Beto Richa (PSDB-PR). Apesar disto, houve apenas uma pequena menção ao pagamento registrada somente em nota de rodapé da peça de 138 páginas.

Outras duas companhias destinaram recursos ao escritório suspeito em operações semelhantes. Os responsáveis foram presos, denunciados e viraram réus de ação penal aberta pelo então juiz Sergio Moro. A Paulo Guedes não aconteceu nada. Seu nome sequer chegou a ser arrolado como alvo no inquérito da Lava Jato ou na decisão do juiz Moro.

Proteção é a todo o esquema Bolsonaro

Mas a blindagem de setores do Judiciário a Guedes e seu banco, o BTG-Pactual, e, mesmo a todo o esquema Bolsonaro, não é uma exclusividade do então juiz Moro ou Ferreira Chaves. Várias outras decisões com este objetivo vêm sendo tomadas, reforçando as suspeitas de que setores expressivos do Poder Judiciário estariam tomando medidas para barrar reportagens especiais, investigações do Ministério Público e condenações à família Bolsonaro e seus aliados.

Além da censura ao GGN, estão entre estas decisões, a do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que firmou um pacto blindando Bolsonaro, chamado de “Pacto pelo Brasil”, em março de 2019. O acordo político teve a participação do próprio ministro, do presidente Bolsonaro e dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. O pacto fere a Constituição Federal que proíbe pactos ou acordos e determina a independência entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Como parte do ‘Pacto pelo Brasil’, Tofolli proibiu, em junho daquele ano, em decisão monocrática, a utilização de dados do Coaf (Conselho de Controle de Operações Financeiras, um mês depois extinto por Jair Bolsonaro), nas investigações do escândalo da ‘rachadinha’, feitas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. O esquema funcionou entre 2003 e 2018, no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, eleito senador, empossado em janeiro de 2019. Era ele, segundo o MP, o ‘chefe de uma organização criminosa’ que movimentou cerca de R$ 2,9 milhões.

O dinheiro era proveniente do salário dos funcionários do gabinete, depositado na conta do seu assessor Fabrício Queiroz. O dinheiro era ‘lavado’ em aplicações numa loja de chocolates da qual Flávio é sócio e na compra e venda de imóveis supostamente construídos pela milícia.

Impedir que investigações cheguem ao presidente

Há suspeitas de que tenha também ligação com a tentativa de deter as investigações da ‘rachadinha‘, o afastamento do governador do estado do Rio Wilson Witzel, determinado de maneira monocrática, em agosto último, pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão – concedida a pedido da Procuradoria Geral da República, chefiada por Augusto Aras, nomeado por Jair Bolsonaro – causou surpresa por atropelar o processo de impeachment contra Witzel que tramita na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

Tomada sob a alegação de punir um corrupto, levanta a suspeita de motivação política: a de defender os Bolsonaro, possibilitando ao presidente da República e seu filho senador articularem-se com o vice-governador Cláudio Castro, para nomear um novo Procurador de Justiça do estado, de confiança da família, em lugar do atual, José Eduardo Ciotola Gussem. O objetivo seria deter as investigações.

O inquérito do MP do Rio já chegou à mulher de Bolsonaro, Michelle. Os procuradores descobriram que ela recebeu em sua conta bancária depósitos no valor de R$ 89 mil de Queiroz. O presidente pode ser a qualquer momento alcançado pelas investigações.

Por isto mesmo, vêm sendo atropeladas por outras decisões judiciais. Estavam nas mãos do juiz da 7ª Vara Criminal, Flávio Itabaiana. Mas em junho, após a prisão de Queiroz, na casa do advogado do presidente, Frederick Wassef, onde estava escondido, a 3ª Câmara Criminal, acatando pedido da defesa de Flávio, transferiu o caso para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça, numa mudança de foro, por ser deputado estadual. A decisão, no entanto, não se justifica já que Flávio já não era deputado quando a investigação começou.

O MP do Rio de Janeiro recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra o foro especial para Flávio. Decisões anteriores do STF estabeleceram que o foro privilegiado só se aplica a crimes cometidos no exercício do atual cargo e em situações a ele relacionadas, o que não é o caso em questão.

Mas a Procuradoria Geral da República, que virou um ‘puxadinho’ do governo, alega que não houve definição sobre o que acontece quando o crime se relaciona a um mandato diferente do atual. No caso, Flávio Bolsonaro passou de deputado estadual para senador. O ministro Gilmar Mendes, do STF, pode levar o tema para a Segunda Turma da Corte.

Justiça impede Guedes de ser investigado

Outra decisão, esta da Justiça Federal, vem confirmar a blindagem do governo. O ministro Paulo Guedes vem sendo investigado pela Procuradoria da República do Distrito Federal, em dois inquéritos da Força Tarefa Greenfield, acusado de comandar, entre 2003 e 2018, um esquema fraudulento que causou perdas milionárias a fundos de pensão de estatais.

Jair Bolsonaro tinha conhecimento das investigações antes de nomeá-lo para o Ministério da Economia. Com a posse, as investigações tornaram-se sigilosas. O que pode caracterizar desvio de finalidade.

Bancos, corretoras e gestoras de recursos – como o Banco Modal, Banco Plural, BR Gestora de Recursos, Bozano Investimentos, entre outros – participantes das operações investigadas, têm representantes que participaram da equipe de transição e que estão no Ministério da Economia e em bancos públicos.

Mas, apesar da gravidade das acusações, os inquéritos foram suspensos em 14 de agosto pelo desembargador Ney Bello, do TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) sob o argumento de que houve retorno do investimento.

Os procuradores rebateram frisando que isto não significa dizer que não houve crime e que, por isto mesmo, o esquema de Guedes tem que ser investigado. A decisão blinda o ministro e suspende os inquéritos por 40 dias, período previsto para que o caso seja levado para julgamento definitivo na Terceira Turma do Tribunal.

 

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