Segunda, 31 Agosto 2020 19:25

Censura ao site GGN reforça suspeita de blindagem do Judiciário ao esquema Bolsonaro

Censura a matérias de Nassif, sobre o BTG-Pactual, visa proteger Bolsonaro, família, aliados e ministros, como Paulo Guedes, sócio fundador do Pactual Censura a matérias de Nassif, sobre o BTG-Pactual, visa proteger Bolsonaro, família, aliados e ministros, como Paulo Guedes, sócio fundador do Pactual

Olyntho Contente

Imprensa SeebRio

Uma série de decisões judiciais favoráveis ao esquema Bolsonaro tem levantado a suspeita de que setores expressivos do Poder Judiciário estariam tomando medidas para barrar reportagens especiais, investigações do Ministério Público e condenações à família Bolsonaro e seus aliados. A mais recente investida foi a censura imposta pelo juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves, da 32ª Vara Cível do Rio de Janeiro ao Jornal GGN.

A censura é uma prática antidemocrática, muito utilizada em regimes fascistas. É proibida pela Constituição Federal brasileira. O magistrado obrigou o site a tirar do ar uma série de matérias sobre o Banco BTG Pactual, sob pena de pagamento de multa diária de 10 mil reais em caso de descumprimento.

Como se sabe, há uma ligação direta entre o BTG-Pactual e o governo Bolsonaro, tendo o Ministério da Economia se transformado num braço do banco de investimentos. Daí o seu poder de influência. O principal ministro do governo Bolsonaro, o banqueiro e especulador Paulo Roberto Nunes Guedes – investigado por fraudes por procuradores da Força Tarefa Grenfield – foi sócio fundador do Pactual e nomeou para cargos estratégicos do governo ex-sócios dele no banco, como o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, o presidente do BNDES, Gustavo Montezano e o presidente do Conselho de Administração do BNDES, Marcelo Serfaty. Todos fizeram parte da equipe de transição do governo Bolsonaro comandada por Guedes, tendo relação direta de subordinação com o presidente da República.

As matérias do GGN – que tem como chefe de Redação o respeitado jornalista de Economia Luiz Nassif – abordam vários casos de fraudes das quais teria se beneficiado o BTG-Pactual, entre elas uma licitação em março deste ano, da Zona Azul da Prefeitura de São Paulo, vencida pelo banco através da empresa Allpark, que pertence ao grupo BTG. Estão baseadas em investigações que trazem os detalhes da licitação vencida pela Allpark, com diversas restrições que impediam a concorrência de outros interessados. Ou seja, um caso de licitação fraudada para favorecer um dos concorrentes.

Outra matéria mostra a escandalosa ‘venda’ de uma carteira de créditos do Banco do Brasil, de R$ 2,9 bilhões por R$ 371 milhões, ao BTG-Pactual. Era a primeira vez que o BB fazia este tipo de operação, já que tem estrutura para cobrar os devedores. Pelo contrário, o banco oficial sempre comprou carteiras de outras instituições. A transação, inédita, portanto, causou surpresa ao mercado, sendo não apenas autorizada, mas comandada por Guedes, realizada sem licitação e somente anunciada após a sua concretização.

Também foi censurada reportagem sobre o lucro obtido pelo BTG através de fundos ligados às empresas de previdência privada no Chile, que administram o modelo previdenciário que o ministro da economia Paulo Guedes (ligado ao mesmo BTG) vem tentando impor no Brasil.

Decisão inconstitucional

A censura imposta pelo juiz Ferreira ao GGN, parece ter a intenção de impedir a divulgação de reportagens sobre transações que acabem chegando ao núcleo econômico do governo e respingando no presidente Bolsonaro. A decisão fere a Constituição Federal que no inciso IX do artigo 5 afirma que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. O parágrafo 2 do artigo 220 é ainda mais enfático: “é vedada toda censura de natureza política, ideológica ou artística”.

Vale a pena lembrar que todos os jornais, em matérias mais curtas e superficiais, é bem verdade, tocaram nos assuntos enfocados pelo GGN. Sobre a ‘venda’ da carteira de crédito do BB ao Pactual, inclusive, o caso foi tão escandaloso que levou o Ministério Público do Tribunal de Contas da União a investigar a transação por ‘suspeita de favorecimento’ ao BTG. Os dois outros estão também sob investigação. As matérias se baseiam em documentos oficiais e relatos de fontes.

Blindando a família Bolsonaro

A decisão do juiz Ferreira não é um fato isolado e demonstra um modus operandi de setores do Judiciário. A censura foi imposta poucos dias após o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ter afastado o governador Wilson Witzel por comandar organização criminosa. A decisão – concedida a pedido da Procuradoria Geral da República, chefiada por Augusto Aras, nomeado por Jair Bolsonaro – causou surpresa por atropelar o processo de impeachment contra Witzel que tramita na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

Tomada sob a alegação de punir um corrupto, levanta a suspeita de motivação política: a de defender os Bolsonaro, possibilitando ao presidente da República e seu filho senador articularem-se com o vice-governador Cláudio Castro, para nomear um novo Procurador de Justiça do estado, de confiança da família, em lugar do atual, José Eduardo Ciotola Gussem. O objetivo seria deter as investigações sobre o esquema da ‘rachadinha’ que teria como chefe de uma organização criminosa que funcionou em seu gabinete, o então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro.

As investigações envolvem ainda o ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz. O MP do Rio de Janeiro descobriu, este mês, que Queiroz depositou R$ 89 mil na conta de Michelle Bolsonaro, mulher do presidente da República.

As investigações vêm sendo atropeladas por outras decisões judiciais. Estava nas mãos do juiz da 7ª Vara Criminal, Flávio Itabaiana. Mas em junho, após a prisão de Queiroz, na casa do advogado do presidente, Frederick Wassef, onde estava escondido, a 3ª Câmara Criminal, acatando pedido da defesa de Flávio, transferiu o caso para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça, numa mudança de foro, por ser deputado estadual. A decisão, no entanto, não se justifica já que Flávio já não era deputado quando a investigação começou.

O senador, filho do presidente, é apontado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como chefe de numa organização criminosa que atuou em seu gabinete no período em que foi deputado da Assembleia Legislativa do Estado (Alerj). Entre 2003 e 2018, ele cumpriu quatro mandatos parlamentares consecutivos.

A estimativa é que cerca de R$ 2,3 milhões tenham sido movimentados em um esquema de “rachadinha”, no qual funcionários do então deputado devolviam parte do salário que recebiam na Alerj. O dinheiro, segundo a investigação, era lavado com aplicação em uma loja de chocolates no Rio da qual o senador é sócio e em imóveis, supostamente construídos por milicianos.

O MP do Rio de Janeiro recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra o foro especial para Flávio. Decisões anteriores do STF estabeleceram que o foro privilegiado só se aplica a crimes cometidos no exercício do atual cargo e em situações a ele relacionadas, o que não é o caso em questão. Mas a Procuradoria Geral da República, que virou um ‘puxadinho’ do governo, alega que não houve definição sobre o que acontece quando o crime se relaciona a um mandato diferente do atual. No caso, Flávio Bolsonaro passou de deputado estadual para senador. O ministro Gilmar Mendes, do STF, pode levar o tema para a Segunda Turma da Corte.

Antes, em julho de 2019, o presidente do STF, Dias Toffoli – que firmou, em junho daquele ano, para blindar Bolsonaro, o “Pacto pelo Brasil”, inconstitucional, por ferir a independência entre os poderes – suspendeu todas as investigações sobre o caso da ‘rachadinha’ que utilizassem informações do Coaf (Conselho de Controle de Operações Financeiras). Meses depois, Bolsonaro extinguia o órgão. Decisão do plenário do STF, no entanto, autorizou o uso dos dados.

TRF-1 impede investigação sobre Guedes

Outra decisão, esta da Justiça Federal, vem confirmar a blindagem do governo. O ministro Paulo Guedes, sócio fundador do BTG-Pactual vem sendo investigado pela Procuradoria da República do Distrito Federal, em dois inquéritos da Força Tarefa Greenfield, acusado de comandar, entre 2003 e 2018, um esquema fraudulento que causou perdas milionárias a fundos de pensão de estatais. Jair Bolsonaro tinha conhecimento das investigações antes de nomeá-lo para o Ministério da Economia. Com a posse, as investigações tornaram-se sigilosas. O que pode caracterizar desvio de finalidade. Bancos, corretoras e gestoras de recursos – como o Banco Modal, Plural, a BR Gestora de Recursos, a Bozano Investimentos, entre outras – participantes das operações investigadas, têm representantes no Ministério da Economia e bancos públicos.

Mas os inquéritos foram suspensos em 14 de agosto pelo desembargador Ney Bello, do TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) sob o argumento de que houve retorno do investimento. Os procuradores rebateram frisando que isto não significa dizer que não houve crime e que, por isto mesmo, o esquema de Guedes tem que ser investigado. A decisão blinda o ministro e suspende os inquéritos por 40 dias, período previsto para que o caso seja levado para julgamento definitivo na Terceira Turma do Tribunal.

Lava Jato protegeu Guedes

Paulo Guedes foi blindado, ainda, pela Operação Lava Jato. O juiz federal responsável pelo caso era Sérgio Moro, que, posteriormente, foi indicado pelo mesmo Guedes para fazer parte do governo Bolsonaro. Em 2018, quando já fazia parte da equipe de transição, os investigadores descobriram que uma empresa de Paulo Guedes, atual ministro da Economia, fez ao menos um pagamento a um escritório de fachada suspeito de lavar dinheiro para viabilizar um esquema de distribuição de propinas a agentes públicos no governo do Paraná.

O repasse de R$ 560,8 mil, foi feito em 2007 pela GPG Consultoria, empresa da qual Guedes foi sócio-administrador até outubro de 2018, à Power Marketing Assessoria e Planejamento, firma operada por um assessor do ex-governador Beto Richa (PSDB-PR).

Apesar disto, houve apenas uma pequena menção ao pagamento registrada somente em nota de rodapé da peça de 138 páginas. Outras duas companhias destinaram recursos ao escritório suspeito em operações semelhantes. Os responsáveis por essas outras duas empresas foram presos, denunciados e viraram réus de ação penal aberta pelo então juiz Sergio Moro. A Paulo Guedes não aconteceu nada. Seu nome sequer chegou a ser arrolado no inquérito da Lava Jato ou na decisão do juiz Moro.

 

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