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Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
Carlos Vasconcellos
Imprensa SeebRio
Empresas e bancos já deixaram claro que o teletrabalho veio para ficar. Empregadores de diversos setores perceberam que permitir aos empregados o exercício de suas atividades profissionais em seu próprio domicílio permitirá uma grande redução de custos com transporte, aluguéis de imóveis e infraestrutura. A necessidade do Home Office em função do distanciamento social como medida de prevenção diante da pandemia do novo coronavírus acabou servindo como uma espécie de “laboratório” para os empregadores instituírem este novo sistema de trabalho com uso das novas tecnologias para cortar despesas e aumentar ainda mais os lucros. Diante desta nova realidade, a categoria bancária quer garantir na campanha salarial deste ano os mesmos direitos que possuem os empregados de trabalho presencial para quem permanecer no trabalho em casa. E uma das questões levantadas na live “Campanha Salarial e Teletrabalho em Pauta”, realizada na quarta-feira, dia 29 de julho, são as consequências deste novo sistema de trabalho para a saúde dos empregados e a necessidade de uma regulamentação que garanta todos os direitos para estes funcionários.
Pesquisa do Dieese
A economista Bárbara Vallejos, técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), falou sobre a elevação da jornada e os efeitos físicos e psicológicos que começam a ser estudados em relação ao teletrabalho baseada numa pesquisa sobre o tema feita pela entidade que presta assessoria econômica às entidades sindicais. O Dieese elaborou um questionário sobre o teletrabalho com 33 perguntas envolvendo 11 mil bancários pesquisados no país. Cerca de 36% dos pesquisados disseram que sofreram aumento da jornada com o trabalho em casa e 26% que, apesar de estarem trabalhando mais, não estão recebendo hora extra e nem banco de horas. Já 33% admitiu que não possui nenhum tipo de controle de sua jornada e 17% que tem outras formas de controle que não o ponto eletrônico, mas sempre relacionado ao batimento das metas, o que aumenta a pressão psicológica sobre os trabalhadores.
Em relação às condições de trabalho, muitos bancários disseram que estão trabalhando em locais compartilhados com a família, como a sala, o quarto e até a cozinha, sem um espaço separado ou escritório para exercer sua atividade. Apenas 19% declarou ter um local adequado para trabalhar, a maioria respondeu que não possui equipamentos de qualidade para trabalhar e 1/3 dos entrevistados declarou que os bancos não se responsabilizaram por nenhum item relacionado à qualidade do trabalho em Home Office.
“Mais da metade dos pesquisados disse que não sabe a quem recorrer em caso de um problema surgido na rotina de trabalho, para quem ligar numa necessidade de resolução de um impasse. Todos disseram que estão gastando mais com luz, Internet e água e com s despesas necessárias”.
Realidade dura
Bárbara disse ainda que é preciso desmistificar a ideia de que o trabalho em casa é “um privilégio”.
“Há uma situação contraditória em relação ao teletrabalho. Existe uma construção cultural feita pelas empresas que explora a lógica que faz com estes trabalhadores sejam vistos como ‘privilegiados’, mas a realidade não é bem assim. Nestas situações, o empregado tem que resolver tudo sozinho enquanto que na agência bancária ou departamento há funcionários para resolver a questão da limpeza do ambiente de trabalho, um trabalhador para solucionar problemas relacionados à Tecnologia da Informação, um gestor que vai pensar a sua rotina de trabalho, um segurança. Em casa, verificamos ainda que há elevação da jornada na medida em que não é possível separar o que é vida privada do trabalho”, afirma, destacando que este novo modelo de trabalho pode elevar a sobrecarga de trabalho e a exploração, resultando em mais adoecimentos dos empregados.
“Estudos mostram que o teletrabalho poderá criar o adoecimento de uma geração inteira”, declarou, falando da possibilidade de aumento de doenças ocupacionais em função do desgaste físico e especialmente psicológico do trabalho em casa. Citou a sensação de solidão e a de que o trabalhador não tem o seu esforço visto pela empresa, além da falta de interação com colegas como efeitos psicológicos nocivos à saúde.
Falta regulamentação
Bárbara lembra que não existe ainda no Brasil uma regulamentação para o Home Office e as empresas estão se aproveitando disto para explorar ainda mais a mão de obra. A técnica Lembrou que existe um estudo recente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontando que quase 23% das ocupações no Brasil poderão ser transformadas em trabalho remoto nas residências dos empregados. E que, em função da pandemia, segundo dados do IBGE, existe hoje no país cerca de 8,7 milhões trabalhando em seus domicílios, sendo 230 mil bancários, mais da metade da categoria. Ressaltou que o contexto da pandemia fez os bancos perceberem que poderão reduzir custos com este novo sistema de trabalho.
“Os bancos trabalham com a lógica de que, se os ganhos vão cair com a crise causada pela pandemia, as despesas também precisam ser reduzidas e o teletrabalho poderá representar redução de despesas administrativas e com pessoal”, disse citando o caso do Banco do Brasil que já anunciou uma economia de R$180 milhões em um ano apenas com alugueis de prédios que a empresa está entregando.
Bárbara lembrou que as instituições financeiras elevaram em 43,2% às Previsões de Devedores Duvidosos (PDDs) na divulgação dos números oficiais dos resultados. “Os lucros dos bancos não estão baixos como parecem”, pondera.
A especialista apontou ainda a diferença entre o teletrabalho, que possui uma regulamentação criada pela reforma trabalhista, e o Home Office.
“O teletrabalho é qualquer atividade mediada por uma plataforma, como é o caso do telemarketing e o Home Office é um trabalho remoto realizado em domicílio e por isso precisa de regulamentação específica”, explica.
Ivone Silva, presidenta do Sindicato de São Paulo disse que o uso das novas tecnologias no trabalho é uma transição e que os sindicatos precisam participar dos debates e das negociações sobre o tema.
“A tecnologia não pode servir apenas para os bancos e empresas elevarem os seus lucros, mas tem que ser um instrumento para melhorar a qualidade de vida das pessoas possibilitando, inclusive, a redução da jornada de trabalho”, avalia.
Conjuntura e as negociações
O economista do Dieese Fernando Amorim, que presta assessoria ao Sindicato dos Bancários do Rio, falou sobre as dificuldades das negociações das categorias de trabalhadores no Brasil diante da crise gerada pela pandemia da Covid-19 e da atual conjuntura de ataques aos direitos trabalhistas.
Lembrou que vários setores, como o comércio, já se encontravam em dificuldade antes mesmo da pandemia o que tornou as negociações ainda mais difíceis em função da redução de demandas e da alta do desemprego. Mas, segundo o técnico, não é o caso do sistema financeiro e destacou a capacidade de organização de luta da categoria bancária e a estratégia de mesa única como aspectos positivos para garantir um acordo satisfatório mesmo diante do contexto de dificuldades geradas pela conjuntura política e econômica do país. Destacou que o sistema financeiro continua tendo lucros recorrentes, ano a ano e mesmo diante da atual situação sanitária do mundo.
“Estamos diante de uma inflação entre 2% e 3% que representa uma baixa histórica, o que teoricamente poderia facilitar o ganho real”, disse, ressaltando, porém, que esta situação é fruto da recessão que leva o trabalhador a consumir menos segurando os preços dos produtos em função da falta de demanda.
Fernando explicou ainda que a maioria dos acordos fechados no primeiro semestre deste ano teve a questão de saúde como item relevante em função da pandemia. Disse também que cerca de 40% das convenções coletivas acordadas tiveram impactos negativos relacionados à Medida Provisória 936/2020 do Governo Bolsonaro, que permitiu a suspensão de contratos e redução de jornada e de salários.
Outro tema que preocupa os bancários é o fim da ultratividade regulamentada durante o Governo Temer. “Esta mudança resultante da reforma trabalhista fez com que muitas negociações fossem postergadas, uma forma encontrada pelas categorias para manter as cláusulas da convenção vigente a fim de ganhar tempo para negociar. Empresas estão usando a nova legislação para rebaixar as propostas”, afirma.
Segundo o técnico do Dieese 42% dos reajustes foram acima da inflação, índice inferior ao de 2019 (49,4%) e bem distante dos acordos firmados em 2018, em que 75,5% das negociações tiveram aumento real.
Participação da categoria
A Presidenta do Sindicato do Rio Adriana Nalesso que mediou o debate disse que recebeu várias mensagens de bancários durante a live relatando que se sentem isolados e ainda mais cobrados com o trabalho em seus domicílios. Falou também da importância dos itens de reivindicações relacionados à saúde e à prevenção da Covid-19.
“Com esta situação de avanço da pandemia temos que defender a vida acima de tudo”, afirma. A sindicalista convidou a categoria para participar ativamente da campanha salarial.
“Muita gente que vê o funcionário do banco bem arrumado e a bancária maquiada não tem ideia da realidade dura do trabalho cotidiano da categoria. A sociedade não sabe que o banqueiro não olha para as pessoas, mas se preocupa apenas com seus lucros. É hora de todos os bancários e bancárias nos ajudarem na luta desta campanha salarial, participando das atividades nas redes sociais”, conclui.