Quarta, 15 Abril 2020 22:25
ENTREVISTA/PAULO FLORES

Jornalista: mídia brasileira defende o lado dos patrões e do governo

O jornalista Paulo Flores critica a postura patronal e governista da mídia brasileira O jornalista Paulo Flores critica a postura patronal e governista da mídia brasileira

Por Olyntho Contente

Da Redação do Seeb/Rio

O jornalista Paulo Flores fala sobre a parcialidade da imprensa comercial do Brasil, ou seja, os grandes grupos empresariais de mídia impressa, internet, rádio e tevê que atuam no país. Estes veículos de comunicação defendem o lado dos empresários, dos patrões e do governo, opina. “Por isso, a chamada imparcialidade não existe”, avalia. Lembra que ‘o que a imprensa não quer que a população veja, ela nem publica. Nem cita. Em compensação, o que ela quer que fique em evidência, ela publica ao extremo’. Flores trabalha há seis anos na Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT). É formado em jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo, com pós-graduação em Marketing Político pela USP e faz há quatro anos a análise diária das notícias veiculadas pela mídia brasileira.

Seeb/Rio - A mídia brasileira é constantemente acusada de ser parcial e de ter lado na sua cobertura e de defender a pauta dos ricos e do governo. Para você que faz análise diária desta cobertura é possível confirmar esta crítica?

Paulo Flores - Sim. Esta crítica se justifica. Mas, é preciso deixar claro que ela é válida para a imprensa, mas nem sempre para os jornalistas. Os jornalistas são apenas trabalhadores que precisam fazer o que seus patrões mandam. Quando dizemos imprensa, nos referimos especificamente aos veículos de comunicação, que são empresas, como outra qualquer, e, por isso, defendem o lado dos empresários, dos patrões. A defesa do governo ocorre devido a dependência que os veículos de comunicação têm da publicidade governamental. Por isso, a chamada imparcialidade não existe. E isso não é errado. O errado é tentar esconder isto, se passar por imparcial.

Seeb/Rio - O que você poderia citar como exemplo desta parcialidade nos jornais da última sexta-feira, por exemplo?

Flores - A parcialidade pode ser vista de várias maneiras. Na Folha (jornal Folha de S. Paulo), por exemplo, em um texto sobre o projeto de socorro aos estados, que tramita na Câmara dos Deputados, a principal fonte foi o presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia, do DEM-RJ. A segunda fonte ouvida foi o deputado Pedro Paulo, também DEM-RJ. Por que deputados de partidos da oposição não foram ouvidos? Se o projeto fala sobre socorro aos estados, por que governadores não foram ouvidos? Ou seja, somente a posição do DEM foi considerada. Pior ainda, somente o DEM do Rio de Janeiro. Mas, a parcialidade não é vista apenas na omissão de opiniões. A maior parcialidade pode ser vista por meio dos textos não publicados. O que a imprensa não quer que a população veja, ela nem publica. Nem cita. Em compensação, o que ela quer que fique em evidência, ela publica ao extremo. Outro exemplo pode ser visto no Estadão (jornal O Estado de S. Paulo), em uma matéria que fala sobre a ação de entidades patronais para limitar o poder dos sindicatos. O texto não esconde a posição do jornal favorável ao empresariado e ao mercado financeiro. Em um trecho, afirma que as “entidades empresariais” buscam “mais agilidade nos acordos com os trabalhadores” e, por isso, procuram suspender a liminar que mantém a obrigatoriedade de anuência dos sindicatos nos acordos trabalhistas. Com a palavra “agilidade” o jornal busca dar uma boa impressão à tentativa do empresariado, mas esconde que esta “agilidade” é, na verdade, evitar que os sindicatos defendam os direitos dos trabalhadores, que, sem a intermediação dos sindicatos, ficam sujeitos à negociação individual com seus patrões. Além disso, o único representante dos trabalhadores ouvido, da UGT, não foi convidado a comentar a intenção do empresariado, apenas qual está sendo a estratégia dos sindicatos. Além disso, porque só a UGT – e não outras centrais, como a CUT, ou a Força Sindical – foi ouvida?

Seeb/Rio - Não é comum vermos nas matérias fontes de informação dos diversos setores da sociedade sendo consultados sobre os assuntos tratados, tanto por jornais impressos ou na plataforma internet, quanto nas rádios e tevês. É muito raro vermos sindicalistas, membros dos partidos de esquerda, ou dos movimentos sociais sendo consultados. O que explica este comportamento?

Flores - É um exemplo da parcialidade que falamos na pergunta anterior. Isso faz com que estas fontes de informação, esses atores sociais fiquem invisíveis para a sociedade. Como os sindicatos e partidos de esquerda não são ouvidos, aos poucos eles vão sendo esquecidos. Quando citam sindicatos e partidos de esquerda é apenas de forma pejorativa.

Seeb/Rio - Apesar de ter lado, a imprensa comercial tem feito matérias falando do crescente isolamento do presidente Jair Bolsonaro, inclusive dentro do seu governo, apesar de manter uma cobertura favorável à política econômica, de desmonte do Estado, ajuste fiscal e reformas com cortes de direitos. A que se deve este comportamento?

Flores - Na verdade, o homem da imprensa no governo não é o Bolsonaro. Ele é apenas um “animador de picadeiro”. Quem toca a política econômica é o Paulo Guedes. Bolsonaro já disse, diversas vezes, que não entende nada de economia.

Seeb/Rio - No caso da pandemia do coronavírus especificamente a imprensa comercial tem feito críticas ao posicionamento de Jair Bolsonaro contrário às determinações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do próprio ministério da saúde no combate à pandemia. Mas, não explica que o colapso da saúde pública previsto por Mandetta era previsível devido aos seguidos cortes de verbas e não realização de concurso aprofundado pelos governos Temer e Bolsonaro. O que explica esta omissão indevida?

Flores - Esta é uma questão mais complexa, que não sei se consigo mostrar minha visão em poucas linhas. Mas, vou tentar. Primeiro, sobre a pandemia causada pelo novo coronavírus. A imprensa sabe que os prejuízos causados pela quarentena são muito grandes, mas é por um período. Já no caso de interrupção do isolamento social, ele pode atingir mais pessoas e pode se prolongar. Os prejuízos serão muito maiores se a pandemia se prolongar e aí sim pode atingir os “grandes tubarões”. Por enquanto, todos os especialistas dizem, afetará a população empobrecida, as micro, pequenas e médias empresas. Agora, com relação aos cortes de verbas para a saúde e a não realização de concursos públicos é uma coisa diferente, mas com o mesmo propósito de garantir os ganhos dos mesmos “grandes tubarões”. Os cortes de verbas para as áreas sociais como a saúde e a educação, por exemplo, têm a única função de garantir que o governo tenha dinheiro para pagar suas dívidas com os bancos e grandes “investidores”. O mesmo ocorre com a não realização de concursos públicos. A intenção é reduzir a “folha de pagamentos” para sobrar mais dinheiro para os “grandes tubarões”. Não importa se não vai ter médico para atender a população da periferia, não importa se não vai ter bancário suficiente para que a população não precise enfrentar filas quilométricas nos bancos, não importa se o professor vai receber um salário de fome e não terá materiais para dar uma boa aula. O que importa é economizar dinheiro.

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