Quarta, 04 Setembro 2019 17:21

Guedes joga país no beco da estagnação econômica

Adhemar: Governo mantém economia entre a estagnação e a recessão Adhemar: Governo mantém economia entre a estagnação e a recessão

 

Para voltar a crescer o Brasil precisaria retomar o investimento público, não só para ativar a economia, como para orientar os investimentos privados para que ganhem impulso, além de conceder crédito e aumentar a renda das pessoas, ativando o consumo das famílias. Mas o governo Bolsonaro vem fazendo o oposto, o que mantém a economia entre a estagnação e a recessão. A aproximação do Brasil com os Estados Unidos, bem como o acordo com a União Europeia não vão tirar o país da crise. Podem até aprofundá-la. E a política brasileira de estímulo a violações sociais e ambientais, principalmente na Amazônia são um desastre que isola o país política e comercialmente. Veja mais nesta entrevista com o economista Adhemar Mineiro.

O IBGE divulgou que o Produto Interno Bruto brasileiro teve crescimento insignificante no segundo trimestre deste ano: 0,4%. Mesmo assim, o percentual foi considerado uma surpresa, já que todos os índices mensais do próprio IBGE e o do Banco Central divulgado em agosto mostravam queda do PIB. Como o senhor analisa o resultado, a divergência em relação à retração medida pelo BC e o que tem levado o país a manter a economia em crise?

Mais importante que o debate sobre se o índice corresponde à realidade ou não é a constatação de que o Brasil continua se movendo nos tempos do zero vírgula. Ou seja: um pouquinho para cima, ou para baixo, o certo é que a economia brasileira está estagnada. E está estagnada porque vem sendo posta em prática há algum tempo uma política de contração econômica que começou no segundo governo Dilma, levou a uma forte recessão, sendo aprofundada no governo Temer e ampliada radicalmente pelo atual. Uma política que implica no corte de gastos, cortes orçamentários, privilegiando o pagamento da dívida pública leva a não ter mecanismos que ativem o crescimento da economia que fica se movendo entre a recessão e a estagnação.

O que se pode esperar da economia com este modelo imposto pelo governo Bolsonaro?

Já ficou mais que evidente que a economia precisa de um estímulo de demanda (consumo de bens e serviços). Precisa de investimento público, não só para ser ativada, como para orientar os investimentos privados, para que ganhem impulso. E, além disso, através da concessão de crédito e de aumento da renda das pessoas, ative o consumo das famílias e, a partir daí, dê início a um crescimento sustentado. Não adianta ficar esperando do setor externo alguma ativação da economia brasileira. O mundo lá fora está bastante complicado, não virá de lá nenhum estímulo significativo.  E, em economias grandes como a do Brasil, se este estímulo não se relaciona com políticas voltadas para o crescimento, não será capaz de dar qualquer impulso à economia brasileira que está presa numa armadilha da política econômica de contração e ajuste, levando à estagnação ou à recessão.

O ministro Paulo Guedes não parece disposto a mudar o modelo escolhido.

Ao manter a política atual de cortes, ameaçar salários, flexibilizar ainda mais os direitos trabalhistas; ao não dar aos trabalhadores mecanismos de crédito (o emprego formal não reage e sem carteira assinada o trabalhador não tem acesso ao crédito); ao manter a economia em estagnação e recessão, o que complica as negociações salariais e mantêm os salários baixos, o governo desestimula o consumo, o investimento e mantém a economia parada. É o que a política adotada até agora tem conseguido como resultado. O que não é surpreendente, já que o objetivo de uma política contracionista é manter a economia parada.

O presidente Donald Trump fala em acordo bilateral com o Brasil. Não desceu a detalhes, mas, na sua avaliação, o que se pode esperar de um acordo comercial entre o atual governo dos EUA e o de Bolsonaro?

O governo dos Estados Unidos tem se mostrado bastante desfavorável a acordos de comércio. Essa é a política geral do governo Trump. O objetivo é manter a adoção de mecanismos de defesa do mercado dos EUA em relação a terceiros países. O que eles têm tentado obter são concessões em algumas áreas em que eles têm demandas, especialmente nas áreas de propriedade intelectual, garantindo as patentes das empresas dos Estados Unidos em relação aos outros países, a possibilidade de avanços na área de serviços, especialmente serviços financeiros ligados à implantação de novas tecnologias, como operações via internet, vendas pela internet, expansão das empresas norte-americanas na área de telecomunicações. Ou seja, os EUA visam obter vantagens de países como o Brasil, sem qualquer disposição de conceder nada do ponto de vista do seu mercado interno.

Essa aproximação do governo Bolsonaro do de Trump traria algo positivo para o Brasil?

Um país como o Brasil que em geral nos seus acordos comerciais que são negociados, como é o caso do acordo com a União Europeia, e com a área europeia de livre comércio (que inclui a Islândia, a Suíça, a Noruega e Lichestein), na verdade, tem como objetivo apenas conseguir espaço para o agronegócio brasileiro. Para as commodities agrícolas brasileira entrarem. Os Estados Unidos, na verdade, são concorrentes do Brasil nesta área. Carnes de boi, de frango, algodão, soja, todos os produtos, os EUA competem com o Brasil no mercado internacional. Então, não têm o menor interesse de abrir estes mercados para os produtos brasileiros. O objetivo é abrir em áreas industriais ou de propriedade intelectual, serviços e outros espaços, mas para empresas dos EUA em seus negócios em relação ao nosso país.

Que efeitos econômicos e políticos pode ter o estímulo dado pelo governo Bolsonaro a latifundiários, madeireiras e mineradores na exploração e degradação da Floresta Amazônica?

O governo Bolsonaro, na verdade, está dando um tiro no pé nesta questão das violações sociais e ambientais, que vem fazendo, especialmente na área da Amazônia. Isso dá margem a que países que querem colocar restrições a importações de produtos brasileiros o façam. Inclusive, estimulando o ataque aos diretos indígenas estimulando proprietários de terras. Isso vem sendo feito pelo próprio presidente da República deste a campanha eleitoral. Mesmo que estes países não adotem medidas defensivas, restritivas de acesso dos produtos brasileiros aos seus mercados, a população deles já está fazendo isso naturalmente, o que obriga os seus supermercados, o grande comércio, a retirar os produtos brasileiros das prateleiras em função da resistência dos consumidores. Os produtos, na verdade, começam a encalhar. Esse processo a gente já vem vivenciando há meses, mesmo antes das queimadas na Amazônia: em grandes redes de supermercados da Escandinávia, da Alemanha, do próprio Reino Unido (Inglaterra), restringindo a quantidade de produtos brasileiros nas suas unidades de distribuição, especialmente do agronegócio. Essa é uma consequência desta política adotada, consequência que pode ser ainda mais radicalizada quanto mais divulgação se dê a esses eventos que acontecem por estímulo do governo do atual presidente, desde a campanha eleitoral, contra as terras indígenas, as reervas ambientais e a Amazônia como um todo.

Como a política econômica de Bolsonaro e Guedes pode aumentar a miséria no país e a crise econômica?

O governo vem jogando a economia na estagnação e na recessão. O que deve persistir. O quadro de desemprego deve continuar alto – é provável que siga em torno de 12% - os salários caindo, e, para piorar, no meio desta situação, o governo coloca uma reforma previdenciária que vai postergar o momento da aposentadoria, ou seja, manter durante mais tempo no mercado de trabalho uma parcela da população já envelhecida e reduzir o valor dos benefícios previdenciários. Estas duas coisas combinadas sinalizam uma radicalização desse quadro daqui para frente. Se isso realmente se efetivar – tem que lembrar que a reforma ainda está em discussão – é mais um passo para manter o país neste processo contracionista da economia, o que terá um efeito extremamente perverso, principalmente sobre a população mais pobre, sobre o mercado informal. Ou seja, vai trazer mais concentração de renda, e quanto mais a renda estiver concentrada, menos estímulo haverá para o consumo. Quando a renda vai para os mais pobres isso se transforma em consumo imediatamente. Mas quando fica com os mais ricos, vai para a especulação, aplicações financeiras. Quando é feito este tipo de política econômica o governo amarra ainda mais qualquer possibilidade de crescimento econômico no curto prazo.

 

 

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