Segunda, 02 Setembro 2019 16:17

Entenda ponto a ponto da MP889

1. Liberar de uma única vez e para todos os cotistas o valor de até R$ 500 do saldo das contas. Caso o cotista tenha mais de uma conta, a soma dos saques deve ser limitada a este valor. O recurso estará disponível para saque a partir de setembro de 2019, e vai até março de 2020. O saque de R$ 500 da conta do FGTS é automático para o trabalhador que tem conta poupança na Caixa. Caso o trabalhador deseje manter o recurso na conta vinculada como forma de poupança, é preciso fazer solicitação expressa. 

 
2. Criar uma nova modalidade de saque: o saque-aniversário. Para isso, será alterada o artigo 20, inciso XX, da lei 8.036/90. Tal saque será de valor parcial, proporcional ao saldo das contas e baseado em uma tabela (p. 8). A modalidade também poderá ser aplicada em contas inativas por mais de um ano (inciso XXI), com saldo inferior a R$ 80. O trabalhador pode optar a qualquer momento pela suspensão da adesão ao saque-aniversário, mas, para isso, terá que cumprir uma carência de 25 meses (art. 10-C, inciso 1). 
 
Como o recolhimento anual do FGTS (8% sobre o salário base) equivale a um salário ao ano, Joaquim tem cerca de R$ 998 de saldo. Com isso, caso adote o saque-aniversário, ele poderá sacar 40% deste valor em outubro, mês do seu aniversário. O valor corresponde a R$ 399,2. Somado a este total, Joaquim também receberá uma parcela adicional de R$ 50. No total, Joaquim poderá sacar R$ 449,2, aumentando sua renda disponível, mas diminuindo sua poupança e os rendimentos futuros na conta do FGTS. Com o saque, no ano seguinte, a conta de Joaquim terá um saldo de R$ 1.546,8. O montante correspondente a R$ 548,7 referente ao que poupou no ano anterior, e mais R$ 998 depositados no FGTS no ano atual. Com isso, pela tabela de cálculo do saque-aniversário, Joaquim muda de faixa e, neste ano, poderá sacar 30% do valor total do saldo de sua conta, ou seja, R$ 464, e receber uma parcela adicional de R$ 150, totalizando R$ 614. E assim por diante. 
 
  PRESENTE DE GREGO  
A cada ano, podem ser retirados ou transacionados na forma de recebíveis pelos bancos cerca de R$ 22 bilhões do FGTS. Por ano, do total de saques do FGTS, cerca de 60% são vinculados à demissão sem justa causa. Na regra atual, são feitos por ano 16 milhões de saques respaldados por essa justifi cativa, um total de mais de R$ 68 bilhões. O trabalhador que optar pelo saqueaniversário não terá direito ao saque por demissão sem justa causa. Isso pode trazer ainda mais prejuízos na hora da demissão. 
 
  3. Reformular a forma de pagamento, seu controle e fiscalização.
 
 4. Alterar a forma de redistribuição dos lucros do FGTS. A distribuição que desde 2018 era de 50% dos lucros do fundo para o trabalhador, passa a ser de 100%. fiscalização.
 
LUCRO
  O lucro de 2018 do FGTS ficou em R$ 12,2 bilhões, segundo o balanço aprovado pela Caixa.
 
OBJETIVO INDIRETO
Incentivar o fim do chamado “conluio” – quando o trabalhador, em acordo o empregador, forja a demissão sem justa causa para poder sacar o FGTS. O objetivo seria reduzir a rotatividade da mão de obra.  
 
  A MP 889, que altera as regras de saque do FGTS e consequentemente a aplicação de seu “lucro” em programas habitacionais, saneamento e transporte, têm efeito incerto sobre a recuperação econômica do país. A retirada de recursos do investimento em habitação, por exemplo, um dos setores que mais geram emprego e com maior retorno social, pode afundar ainda mais a economia brasileira. O “crédito consignado” com recurso do FGTS, na forma do saque-aniversário, também terá efeito duvidoso sobre a economia. O trabalhador de menor renda, alocado em empregos precários e com alta rotatividade, não se beneficiará desta modalidade. Este trabalhador geralmente terá saldos muito baixos. Quem se beneficia são os trabalhadores mais estáveis, ou seja, uma porcentagem pequena das contas, mas com valores altos de saldo. Este trabalhador, contudo, tem pouca dificuldade ou necessidade de crédito. Equivocadamente, o governo aponta três os possíveis impactos positivos da nova sistemática: 1) Aumento da produtividade do trabalhador. 2) Geração de 3 milhões de empregos com carteira assinada em dez anos. 3) Expansão no volume de contribuições ao FGTS. Entretanto, todos esses efeitos têm projeção duvidosa devido à fragilidade de suas premissas econômicas e dificilmente se concretizarão. Ao contrário, o mais provável é que a medida não gere empregos e reduza o financiamento habitacional, atingindo principalmente os trabalhadores de baixa renda (formais e informais). A maior fragilidade está no pressuposto de que o “conluio” é um dos grandes responsáveis pela baixa produtividade da economia. Não há base empírica para esta afirmação e os dados indicam que o possível “conluio” não chegue a 1% do total de demissões sem justa causa. 
 
A MP 889, no curto prazo, pode até beneficiar alguns Conclusão 13 Ponto a ponto da MP 889 - o que está por trás da medida provisória que mexe no seu FGTS.
 
Entretanto, todos os demais pontos da medida não beneficiam ou prejudicam o conjunto de trabalhadores, inclusive a distribuição de 100% dos lucros. Isso porque, com a distribuição integral desse lucro, o trabalhador ganhará cerca de 1,7% a mais na correção do saldo do FGTS. Em compensação, o governo poderá paralisar o programa Minha Casa, Minha Vida e poderá acabar com a política de auxílio para compra de imóvel, adotada pelo FGTS para os trabalhadores de baixa renda. O mesmo se pode dizer do saque-aniversário. Seu efeito sobre a “produtividade” com o desincentivo ao “conluio” será insignificante, e a concessão da espécie de “crédito-consignado” com os recebíveis do fundo, ao impedir o trabalhador de sacar o FGTS no caso de demissão, colocam em grande risco o trabalhador, em grande maioria, cada vez mais sujeito à ocupar o grupo de desempregados. Diante disso, mais uma vez, o governo faz uma sinalização para aumentar o lucro dos bancos ao reduzir o financiamento habitacional subsidiado com os recursos do FGTS. Além disso, a MP ainda tem potencial para permitir que, através do saque-aniversário, os bancos se apropriem dos recursos do trabalhador depositados no FGTS.

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