Quinta, 29 Agosto 2019 15:49

Guedes usa estatais das quais quer se desfazer para cobrir rombo que ele criou

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Como consequência dos cortes gigantescos em áreas importantes para o país, como educação, saúde, previdência e ciência e tecnologia, feitos por Jair Bolsonaro (PSL-RJ), como parte da política traçada pelo banqueiro e ministro da Economia, Paulo Guedes, ministérios e autarquias destes setores, como hospitais federais e INSS, podem entrar em colapso já em setembro. Para tentar evitar esta tragédia, o ministro, que já anunciou sua intenção de privatizar 17 estatais, agora diz que vai apelar para pelo menos três delas – BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal – para tapar o rombo que ele criou com os cortes e contingenciamentos: quer antecipar o envio de lucros e dividendos destas três empresas ao Tesouro Nacional. O economista Fernando Amorim, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), fala sobre o assunto.

A pedido do ministro da Economia, Paulo Guedes, Bolsonaro pretende baixar decreto antecipando a distribuição de lucros e dividendos dos bancos públicos (BB, CEF e BNDES) ao Tesouro Nacional. Por que esta decisão foi tomada?

O fato do Estado, como principal acionista dessas empresas, se apropriar dos resultados positivos e usar destes recursos para fazer política econômica não é uma novidade. Entre 2002 e 2016, somente as estatais federais distribuíram mais de R$ 285 bilhões sendo que apenas Banco do Brasil, Caixa e BNDES foram responsáveis por quase R$ 200 bilhões. Isso significa, antes de tudo, que estatais tem importância não apenas estratégica, como dão retorno financeiro ao Estado. As medidas desse governo, no entanto, têm caráter extremamente controverso. Primeiro, porque demoniza as estatais diariamente, diz que vai privatizar e, assim, abriria mão de vultosos recursos. Segundo, quer cobrir rombo fiscal – rombo este acentuado por uma política econômica pró-ciclica, colocada em prática pelo próprio governo, que reduz receita e, consequentemente, agrava o déficit público –, ou seja, a antecipação tem efeito pontual (evitar o colapso de setores do próprio governo) e não estratégico.

Que consequências para a economia e para os próprios bancos públicos esta medida pode trazer?

Do ponto de vista dos bancos e mais especificamente do BNDES, esses recursos poderiam ajudar a fazer caixa, num momento em que já existe um processo de devolução de recursos ao Tesouro Nacional, determinado por Guedes. No que se refere à economia o governo, provavelmente, vai, ao anunciar esta medida, se apresentar como austero, mostrando uma pequena redução da divida. Mas, na prática, esta medida em nada contribui para resolver o problema de uma capacidade ociosa de mais de 30% na produção de bens e serviços, de uma restrição da demanda das famílias (consumo) e de um desemprego de mais de 12%.

A política econômica tem aprofundado a estagnação da economia que encolheu 0,2% no primeiro trimestre e cresceu apenas 0,4% no segundo. Com a continuidade deste processo o que se pode prever para os próximos meses?

O quadro econômico é grave, relacionado com os pontos que citei antes de uma política que não ajuda a retomar o crescimento, pelo contrário. O governo que acredita na não intervenção do Estado, vem paulatinamente tomando medidas desesperadas para conter a desvalorização cambial, liberando recursos do FGTS para tentar injetar alguma demanda de curto prazo, e outras medidas pouco "convencionais", e em contradição com o discurso oficial. No entanto, essas medidas pontuais, dentro de um arcabouço de política econômica restritiva, não devem ser capazes de mudar o quadro de crise.

O governo quer dar total liberdade de ação para o Banco Central, através do projeto de lei 112 que tramita na Câmara dos Deputados, já tendo sido aprovado no Senado Federal. Que consequências a autonomia do BC poderá gerar para o país?

Essa é uma agenda antiga e que volta e meia reaparece. O principal problema de uma "autonomia" é que tem potencial de engessar qualquer outro tipo de política que o Estado venha a promover, tendo em vista que é necessária uma coordenação entre as políticas fiscais e monetárias para que qualquer país possa alcançar desenvolvimento econômico. O atual Regime de Metas do Banco Central, que tem como única variável a ser atingida o controle de inflação, é um empecilho maior e que no mundo todo está sendo rediscutido. Diversos bancos centrais, inclusive, se guiam também por uma meta de desemprego ou um prazo mais alongado para que se atinja a meta, por exemplo. O Brasil, portanto, também nesse quesito, vai na contramão do mundo.

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