Segunda, 04 Fevereiro 2019 19:35

ENTREVISTA/ALEXANIA ROSSATO - “Indenização não é só dinheiro. É também a realocação social de quem perdeu tudo”

Alexania Rossato é coordenadora Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Alexania Rossato é coordenadora Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

A população do entorno de Brumadinho assim como a de Mariana, comunidades que foram destruídas pela lama de barragens de rejeitos tóxicos de empreendimentos da Vale, não está sozinha. Além da comoção de grande parte da população, inclusive de vários outros países, o Movimento dos Atingidos por Barragens, o MAB, tem uma militância histórica, e está sempre ao lado dessas pessoas.
Desde 1991, quando foi fundado após a reunião de vários movimentos regionais com apoio de correntes progressistas das igrejas católica e luterana e dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais entre outros, o MAB não solta as mãos das populações que moram em regiões que possuem barragens, sejam elas hidrelétricas, de rejeitos, ou qualquer outro tipo.
A coordenadora Nacional do MAB, Alexania Rossato, também faz parte dessa população, já que é moradora de Nova Palma, no Rio Grande do Sul, região onde foi construída a barragem Dona Francisca. Alexania conversou com o Jornal BancáRio sobre as lutas travadas pelo movimento e sobre sua sobrevivência.

Jornal BancáRio: O MAB foi fundado em 1991. Qual era o cenário da época?
Alexania Rossato: O MAB nasceu no final do período militar quando estava em ascensão a construção de grandes barragens no Brasil, como a barragem de Sobradinho, no rio São Francisco, a de Tucuruí, no Pará, a barragem de Itaipu, enfim, muitos projetos de grandes obras de infraestrutura no nosso país, estradas, portos e também hidrelétricas. Nessa época não existia uma política de indenização das famílias e com isso nasceram organizações regionais e mais tarde, no final de 1989, foi organizada a primeira reunião nacional dos atingidos por barragens, em Goiás, em 1991 nasceu o MAB.

BancáRio: Quais as dificuldades dessa luta?
Alexania: Na verdade, quando as grandes obras eram construídas por empresas estatais era muito mais fácil para os atingidos conseguirem indenização, isso porque lidavam diretamente com o Estado. Tivemos conquistas muito significativas como reassentamentos, construções de casas, escolas, transporte, enfim uma infraestrutura muito boa, até porque as lideranças dos atingidos sabiam com quem lidar, tinha a figura que representava a empresa. A partir do momento que houve a privatização do setor elétrico, no início dos anos 2000 essa figura do responsável pelo empreendimento ficou mais difícil de ser identificada, até porque propositalmente as empresas trocam regularmente o responsável pela obra e a negociação precisa recomeçar, ficando muito mais difícil os atingidos conseguirem o reassentamento. E uma das grandes lutas do MAB é exatamente as ações de pressão, ocupação das áreas administrativas das empresas nas capitais para também chamar a atenção da sociedade e ainda organizar as famílias atingidas para que elas garantam as suas conquistas. É muito importante deixar claro que o MAB é uma organização popular, são as próprias famílias que são protagonistas dessa luta. Eu sou da coordenação, mas também sou uma das atingidas. Os militantes são deslocados nacionalmente para apoiar a busca de direito com as experiências adquiridas em outros lugares.

BancáRio: Como o Movimento dos Atingidos pelas Barragens se coloca para a sociedade?
Alexania: Queremos construir ações para uma sociedade menos desigual. É bom deixar claro que não somos contra a produção de energia. Lutamos para a mudança desse modelo existente de exploração da natureza, depredador, que exporta a energia e matéria prima beneficiando outros países em detrimento do povo brasileiro. O Brasil tem uma das melhores condições de produção de energia tanto hidrelétrica, como a solar e a eólica do mundo. Temos riquezas naturais abundantes como rios, vento, sol. No entanto, temos a sexta tarifa de energia elétrica mais cara. Depois da privatização, os valores subiram mais ainda por conta das novas regras tarifárias, que equiparam o preço da energia hídrica à energia térmica, que é a mais cara do mundo. Isso atinge toda a sociedade. Essa luta é de todo o povo brasileiro.

BancáRio: Por ser um movimento popular, como o MAB sobrevive? Quem são os apoiadores?
Alexania: Nós recebemos alguns apoios muito importantes para o desenvolvimento da nossa luta. Os próprios atingidos colaboram com o sucesso das ações além de vários sindicatos, sendo que um dos principais é o Sindicato dos Bancários do Rio. Contamos ainda com cooperação internacional de organismos que apoiaram os movimentos populares no Brasil. Nos governos populares também tivemos apoio para desenvolver o nosso trabalho avançando na conquista dos direitos das famílias atingidas pelas barragens.

BancáRio: Depois de pouco mais de três anos do acidente de Mariana, que ainda não teve nenhuma punição, aconteceu o mesmo em Brumadinho. A empresa Vale, que foi privatizada, está à frente das duas barragens que se romperam, o que esperar?
Alexania: Antes de mais nada, esperamos que o Judiciário faça a sua parte. Não só cobrando que as multas sejam pagas, como exigindo uma mudança de comportamento da empresa. Podemos considerar o crime de Brumadinho como o maior acidente trabalhista que já aconteceu no Brasil pela quantidade de trabalhadores da empresa mortos. Insistimos que não é só multar, precisa haver fiscalização real e comprometida, além de cumprimento de normas mais rígidas. Também estamos preocupados com a proposta do governo eleito de flexibilização das leis ambientais, o que poderá aumentar ainda mais crimes como estes. A população mais pobre está sempre pagando pelos erros dos mais empoderados e quando passa a comoção, acaba esquecida e abandonada. Indenização não é só dinheiro é também a realocação social das pessoas que perderam suas casas, pertences, documentos, histórias e parentes. Queremos justiça e que a Vale pague por estes crimes. O MAB vai fazer o seu papel, cobrando e lutando todos juntos. Afinal, todos nós somos atingidos por esse modelo perverso de produção de energia.

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