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Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
Carlos Vasconcellos
Imprensa SeebRio
O funcionário do Banco do Brasil e ex-diretor do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, Marcello Azevedo, lançou na última quarta-feira (6), no auditório do Sindicato, o seu livro "As Finanças do Dragão: o sistema financeiro chinês", que mostra as particularidades e ações dos bancos da China nos últimos 40 anos e sua presença na economia global.
O texto é baseado na tese de doutorado do autor em Relações Internacionais pela Uerj e reuniu dados fundamentados por documentos oficiais chineses.
No encontro, Marcelo falou do processo de abertura econômica da China a partir das ideias de Deng Xioping. O modelo de desenvolvimento chinês é baseado na expansão das forças produtivas pelo trabalho. Este modelo fez o país dar um salto econômico e o povo sair de uma condição de fome e miséria, criando um forte mercado consumidor interno e expansão externa em pouco mais de quatro décadas, chegando aos nossos dias, sob a liderança de Xi Jiping, que traz o lema "A pobreza não é socialista".
A reforma do sistema
A regulação do sistema financeiro chinês é comandada pelo Partido Comunista, com células do Comitê Central do partido nos bancos.
A reforma na China nem sempre representou uma "abertura de marcado" mas ao contrário, intensificou a presença do Estado nos últimos anos.
O modelo não é mais baseado no monobanco, mas possui um complexo sistema que possui um Conselho de Estado e agências reguladoras e atraiu inclusive bancos estrangeiros, que funcionam de forma restrita nas zonas econômicas especiais com restrições.
A partir dos anos 90, são criados instituições de desenvolvimento direcionadas, como bancos agrícolas, de exportação e importação e milhares de cooperativas de crédito.
"Enquanto a China, nos anos 90, criava bancos e expandia o financiamento público, o Brasil estavw indo na direção contrária e começou um processo de privatização dos bancos regionais", explicou Marcello, numa crítica ao sistema financeiro nacional do Brasil.
Virada no século XX
O autor mostrou que, de 2000 a 2005 começa a abertura de capitais dos bancos do estado. Novos bancos públicos financiam o desenvolvimento do país, como os da comunicação, do comércio, da exportação e importação e da indústria.
"Em 2002 a China entra para a OMC [Organização Mundial do Comércio] o que obriga o país a adequar seus bancos ao mercado internacional e a qualificar suas instituições financeiras", explicou Marcello. ⁸
Segundo o estudo, em 2005, o antigo sistema financeiro baseado em monobanco já se tornava um avançado e complexo modelo com 120 bancos comerciais urbanos, 32.826 cooperativas rurais, 389 cooperativas urbanas, 11 empresas seguradoras, 43 fundos de investimentos, 3 grandes bancos políticos e 3 grandes bancos públicos, além de 211 instituições estrangeiras.
"A presença de 211 instituições financeiras estrangeiras na ocasião ǰá revelava o quanto o mercado chinês já passava a ser atrativo para os investimentos internacionais", avaliou.
Crise é oportunidade
Na etimologia da língua chinesa, a palavra "crise" tem dois sentidos, o sentido literal, mas também pode significar "oportunidade".
E o gigante asiático fez da crise sistêmica Ocidental uma oportunidade para a expansão de sua presença no mercado financeiro, elevando a liquidez de seu sistema, como nalĺ chamada crise capitalista de 2008, que levou à falência vários bancos americanos, como o Silvergate, Silicon Valley Bank, First Republic e Signature Bank e a quebra do Silicon Valley Bank, um grande financiador de startups.
Ao contrário dos países ocidentais, em que nestes casos os governos socorrem os bancos privados com dinheiro público, a China aproveitou o encolhimento das instituições financeiras estrangeiras para aumentar o investimento público em tecnologia e obras estruturais através do financiamentos de seus bancos públicos sempre com uma taxa de juros muito baixa, em média de, no máximo, 3% ao ano.
"Os chineses passaram também a monitorar o sistema para saber como procediam os bancos estrangeiros e na crise eles ganharam mercado internacional", ressaltou, lembrando que hoje empresas ocidentais como a Peugeot/Citroën Stellantis, a Volvo e a maior empresa de reciclagem da Alemanha possuem capital majoritário chinês, além de diversas outras aquisições.
Particularidades do modelo
Em 2010, as cooperativas urbanas encolhem e passam a ser bancos comerciais urbanos, criados pelos bancos estatais chineses. Há ainda a criação de bancos municipais, chamados de bancos de Vila e Cantão.
Na visão do mercado Ocidental, o problema do sistema financeiro da China no chamado "Sistema Sombra (Shadow Banking), ou seja, é o Estado quem diz quais setores que receberão financiamento e os que terão redução de investimentos. Mas é esta presença e controle estatal um dos segredos do modelo chinês.
Expansão imobiliária
O palestrante explicou que os setores públicos buscam as instituições não oficiais, subsidiárias e bancos estrangeiros fora do controle do governo para atender ao aumento da demanda por crédito, chegando a alcançar investimentos de cerca de 54 trilhões de moeda chinesa (moeda do povo).
Entre estes investimentos está o setor imobiliário que deu um salto no país.
Mas a crise teve início em 2020, quando o governo decidiu cortar o dinheiro fácil que alimentou a expansão imobiliário. No entanto por trás destas restrições após um boom no setor, segundo Marcelo, está o compromisso social do sistema financeiro chinês.
"Casa é para morar, não para especular, dizia Xi Jinping. O governo prendeu vários especuladores", explicou.
A China passou a adotar um choque de dois modelos contraditórios, o Shadow Banking, dos mercados e o da forte presença do Estado.
De 2010 a 2015
No período de 2010 a 2015 hpuve uma retomada do crescimento com a ampliação do sistema financeiro, através deb reformas profundas no setor rural e maior controle do estado, uma explosão no mercado de seguradoras, 1.153 bancos municipais controlado pelos bancos estaduais, empresas de leasing, financiadores de consumo e de automóveis e da Indústria automobilística, o que levou os veículos fabricados pelas indústrias chinesas a uma expansão no mercado internacional.
"Hoje o sistema financeiro chinês é compatível com qualquer sistema estrangeiro", disse Azevedo, lembrando que o sistema do gigante asiático é o segundo do mundo, atrás apenas dos EUA.
Controle do Estado
De 2015 a 2020 Xi Jinping impulsiona o modelo em que o mercado é o locador de recursos do consumo, mas sempre com o controle do estado, com a liderança unificada do Partido Comunista, que dirige todos os bancos, num modelo mais intevisionista e estatizante.
" Em 2019 cresceram os fundos de investimentos, leasing, babanco Cantão e Vila, e a China passa a se consolidar como o segundo maior sistema financeiro do mundo", acrescentou, mostrando que decresceu a presença das cooperativas rurais.
O que está por vir?
Outra particularidade do sistema financeiro chinês é que todos os executivos de bancos fazem curso de formação política do socialismo contemporâneo e têm plena consciência do cenário de confrontação geopolítica. O Banco Popular da China treina todos os executivos do sistema.
O modelo prioriza a sociedade, o desenvolvimento do país e as pessoas, segundo Marcello, revelando o compromisso social dos bancos naquele país.
O projeto prevê até 2035, uma economia socialista para uma nova era, calcada na inovação e na tecnologia e o objetivo é, até 2050, tornar a China, inclusive seu sistema financeiro, a referência mundial.
"A China tem um modelo de desenvolvimento próprio e é o país que mais cresceu nos últimos 40 anos, tirando 800 milhões de pessoas da miséria. Hoje, entre os cinco maiores bancos do mundo, quatro são chineses. Eles fizeram em 40 anos, o que o Ocidente levou 200 anos", concluiu Marcello Azevedo, levando a plateia a refletir sobre "a quem os bancos devem servir" e voltando a criticar o sistema financeiro nacional.
Eleições nos EUA e BRICs
Perguntado sobre as consequências das eleições nos EUA para a disputa geopolítica e os BRICs, Marcello disse que a vitória de Donald Trump pode ser ruim para a economia americana.
"Trump trabalha o imaginário da era de ouro da economia estadosunidense, mas ele se retirou de comércios importantes, pois tem uma visão isolasionista e seu desempenho não será muito diferente do governo Biden", ressaltou, pois para o palestrante, a sociedade americana é decadente, citando o processo de desindustrialização dos EUA nas últimas décadas.
"As empresas americanas precisam dos insumos chineses", acrescentou, dizendo que o BRICs é uma resposta à hegemonia do dólar e hoje é maior que o G7.