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Movimento Sindical, Banco Central
Para economista, PEC é inconstitucional e pode atrelar, ainda mais, políticas econômicas aos interesses do mercado financeiro
O economista e ex-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista Junior, criticou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2023, para transformar o Banco Central (BC) em uma empresa pública de direito privado. As críticas foram realizadas em debate com parlamentares e especialistas durante a audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ocorrida na quarta-feira (18). “Parece uma incongruência atribuir a uma empresa pública de direito privado tarefas que são eminentemente estatais”, disse o economista.
Para Paulo Nogueira, "os problemas que o Banco Central enfrenta, as suas atribuições, são extraordinariamente importantes para a sociedade. Não são de caráter puramente técnicos, são de economia política, envolvem incertezas enormes, tem repercussões muito importantes para a sociedade, por exemplo, sobre o nível de atividade de emprego, sobre a distribuição da renda, sobre a inflação, todos os temas que são de grande interesse para a sociedade em geral".
O economista citou diversos motivos que tornam a PEC inconstitucional. “A Constituição, no artigo 192, estabelece que o sistema financeiro nacional, do qual faz parte o Banco Central, tem que ser regulado por lei complementar”, disse.
A Lei Complementar 179, de 2021, já assegura autonomia operacional ao BC. A norma fixa, por exemplo, mandatos de quatro anos para o presidente e os diretores da instituição. Mas a PEC 65/2023 vai além. Pela proposta, o BC — hoje, uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda — passaria a ser uma empresa pública de direito privado, “com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira”.
Veja abaixo trechos do vídeo da transmissão da TV Senado e a transcrição das falas de Paulo Nogueira Batista Junior.
Os problemas que o Banco Central enfrenta, as suas atribuições, são extraordinariamente importantes para a sociedade. Não são de caráter puramente técnicos, são de economia política, envolvem incertezas enormes, tem repercussões muito importantes para a sociedade, por exemplo, sobre o nível de atividade de emprego, sobre a distribuição da renda, sobre a inflação, todos os temas que são de grande interesse para a sociedade em geral, que se expressa nas urnas.
Então, o poder político eleito é aquele que representa, digamos, os anseios da maioria dos cidadãos. Por exemplo, no Brasil, já há algum tempo, nós praticamos juros reais extraordinariamente altos, quando não os mais altos do mundo, quase sempre entre os mais altos do mundo.
O que isso significa? Isso afeta negativamente a economia, o nível de atividade, afeta negativamente o investimento, provoca desequilíbrio das finanças públicas. Raramente se invoca o argumento do risco fiscal quando se discute a questão dos juros, mas os juros praticados pelo Banco Central afetam diretamente, ou indiretamente o custo da dívida pública, de maneira apreciável.
E a política de juros extraordinariamente altos praticadas no Brasil, ela concentra a renda nacional, concentra a renda e a riqueza. Quem são os beneficiários desses juros altos? É a minoria, de classe média alta para cima, os super-ricos, as corporações financeiras e não financeiras, que tem reservas de caixa, são esses que são os beneficiários dessa política de juros extraordinariamente altos.
Então, é só para mencionar a importância de se levar em conta que o Banco Central exerce, com incerteza, funções que afetam a sociedade como um todo.
A PEC que altera o regime jurídico do Banco Central, que está em discussão aqui, ela amplia e reforça a autonomia do Banco Central. Qual é o argumento a favor da autonomia? Essencialmente é um argumento que parte do princípio de que o horizonte dos políticos, eleitos, tem um caráter de ser muito curto e que seria preciso isolar a autoridade monetária da influência supostamente perniciosa dos políticos.
Inclusive do governo eleito. Então, cria-se uma espécie de cordão sanitário onde o Banco Central, com liberdade, seguindo a famosa boa teoria econômica, decidiria em função do interesse público. Esse argumento, tem muitas falácias e omissões, não há consenso entre os economistas, nem no Brasil, nem no exterior sobre a validade desse argumento.
Eu diria apenas que uma falácia nisso é a ideia de que existe uma boa teoria inequívoca que poderia orientar uma tecnocracia independente na definição das funções do Banco Central, especialmente da condição da política monetária.
Teoricamente, o Banco Central é autônomo operacionalmente para conduzir a política humanitária de forma a alcançar as metas de inflação fixadas pelo Conselho Monetário Nacional. Essa é a teoria. Então, o Banco Central não seria independente, mas autônomo, para cumprir as metas que o governo, através do Conselho Monetário, fixa.
Mas, olhando um pouquinho mais de perto à questão, o que você verifica? O Conselho Monetário tem apenas três membros, desde os anos 90. O ministro da Fazenda, o ministro de Planejamento e o presidente do Banco Central.
Com o ministro de Planejamento, normalmente mais distante dessa temática, e o Banco Central exerce a secretaria do Conselho. Todos que têm alguma experiência, sabem que exercer a secretaria de um órgão dá muita influência e muito poder.
Então, em larga medida, o Banco Central fixa as metas para si mesmo. Ele é mais independente do que se imagina pela simples contraposição que eu mencionei antes.
O grau de autonomia que o Banco Central tem, em relação a quem é essa autonomia, é em relação ao poder político eleito, mas não é uma autonomia em relação a interesses financeiros privados, aos lobbys privados.
Então, você veja aqui o seguinte, existe no Brasil, como em vários outros lugares, a captura do regulador pelo regulado, a captura do Banco Central por interesses financeiros privados. Através da chamada porta giratória, e não é um fenômeno só brasileiro, em inglês chamam de revolving door, os técnicos, os economistas, os financistas que vão para o comando do Banco Central, em geral, saem do mercado financeiro, do sistema financeiro e a eles retornam. Não existem regras fortes de saída para aqueles que passam pela diretoria do Banco Central.
E o que acontece é que se o integrante da diretoria do Banco Central diverge muito dos interesses financeiros privados, ele corre o risco de, na sequência da sua participação na diretoria, de não ter uma carreira digamos assim confortável no sistema financeiro.
Através da porta giratória, portanto, nós temos uma situação em que o Banco Central autônomo legalmente está insulado do poder político eleito, mas não está insulado da influência de lobbys financeiros privados.
A PEC reforça a autonomia do Banco Central ao constitucionalizar diversos princípios que estão em lei complementar. Por exemplo, a autonomia operacional e administrativa, a ausência de subordinação do Banco Central, a qualquer Ministério ou órgão público, tudo isso já está em lei complementar e seria agora conduzido para um nível constitucional.
E ainda, essa autonomia é ampliada pela inclusão da dimensão orçamentária e financeira do Banco Central, da autonomia do Banco Central.
Muitos dos que criticavam a Constituição de 1988 diziam que ela era excessivamente detalhada.
Eu me pergunto se esses que criticavam a Constituição de 1988 com esse argumento, agora vão dizer a mesma coisa em relação ao fato de que essa PEC transforma matéria que pode ser considerada de lei complementar em princípio constitucional.
Até se pode questionar a constitucionalidade de fazer isso. Porque a Constituição, no artigo 192, estabelece que o sistema financeiro nacional, do qual faz parte o Banco Central, tem que ser regulado por lei complementar.
Então, aqui nós temos uma situação possivelmente que é de atribuir à Constituição o papel que está reservado na própria Constituição à lei complementar.
A PEC, como já foi dito aqui, transforma o Banco Central de Autarquia Especial em Empresa Pública de Direito Privado. Ora, as atribuições do Banco Central são eminentemente estatais. São [tarefas] centrais do Estado emitir moeda primária por delegação do Estado, exercer a política monetária, regular os sistema financeiro, supervisionar os sistema financeiros, gerir as reservas internacionais que são do Estado.
O Banco Central é o depositário e gestor dessas reservas. Então, parece uma incongruência atribuir a uma empresa pública de direito privado tarefas que são eminentemente estatais, que são centrais para ação do Estado.
Como é que a PEC responde a isso, criando um novo tipo de entidade, se eu entendi bem, que é uma empresa pública de direito privado que exerce atividades do Estado, exerce atividades centrais do Estado.
E, em suma, nós temos uma situação muito peculiar, porque nós temos uma proposta de emenda constitucional que tira o Banco Central, que exerce atividades tão centrais para o Estado, da órbita da administração pública inteiramente. Consagra o isolamento do Banco Central do resto da política econômica e, no meu entender, consagra o Banco Central como quarto poder pelo grau de autonomia e de liberdade que ele terá em relação ao poder político eleito.
Como se financia esse Banco Central que teria, se a PEC for aprovada, [em relação a] autonomia, orçamentária e financeiramente? Não me parece que seja claro na documentação que eu pude ver. Fala-se que seria usada a receita de senhoriagem.
Observe que a definição de receita de senhoriagem está um pouco escorregadinha. Pelo menos três definições são apresentadas. A ideia de que a receita de senhoriagem cobrisse as despesas do Banco Central é fundamentada em práticas internacionais, vagamente definidas, estimativas preliminares que não foram apresentadas.
Mas de qualquer maneira o que nós temos é uma receita do Estado, que é receita de senhoriagem, transferida a uma empresa pública de direito privado, o que é algo complicado.
O tratamento dado aos servidores do Banco Central. Duas opções: permanecer no Banco Central, no novo Banco Central ou ir para a carreira congênere. Essa abordagem suscita dúvidas jurídicas e até constitucionais.
Por exemplo, quem define o que é congênere? É possível estabelecer carreiras congêneres para todos os servidores do Banco Central? É possível juridicamente argumentar que o servidor que entrou por concurso para uma determinada carreira no Banco Central, pode ser transferido para uma função diferente, para uma outra função, outra carreira? Isso juridicamente é sustentável? Enfim, questões que devem ser melhor discutidas.
E há também um vício de origem aqui, porque a Constituição Federal, no seu artigo 61, estabelece que tratar questões referentes a servidores, cargos, salários, é competência privativa do Presidente da República, e essa PEC foi iniciada aqui no Senado, como vocês sabem.
Então, além do mais, transfere a supervisão do Banco Central para o Congresso Nacional, pode-se argumentar que isso viola o artigo 60 da Constituição que faz a separação dos poderes. Em suma, senador, se aprovada como está, como Emenda Constitucional, é bem possível que a questão acabe parando no Supremo Tribunal Federal.