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Diagramação: Marco Scalzo
Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
Carlos Vasconcellos
Imprensa SeebRio
Neste domingo, 7 de abril, é comemorado o Dia do Jornalista. Neste ano de 2024, marcado pelos 60 anos do golpe militar, mais do que nunca, a data deve ser celebrada e é uma oportunidade de reflexão em relação à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. Não por acaso, durante o regime militar, jornalistas foram censurados, exilados, presos, torturados e assassinados pelo aparato da ditadura. Isto explica também porque os defensores da volta dos militares ao poder, as "viúvas da ditadura", odeiam tanto os jornalistas.
Uma profissão aviltada
Os profissionais da área têm sido aviltados nos últimos anos, com baixos salários, demissões em massa e pelo fim da exigência do diploma, que visa desmerecer ainda mais a categoria.
É curioso como, no caso do jornalismo, especialmente em tempos em que todo mundo escreve alguma coisa nas redes sociais e dissemina informações, como as pessoas gostam de dar pitaco no trabalho do jornalista.
Jamais haverá um paciente dizendo ao médico qual remédio tomar, ou um cliente opinando ao engenheiro como deve ser uma determinada construção, embora hoje todos tenham e fazem questão de "compartilhar" suas "velhas opiniões formadas sobre tudo". No caso do jornalista, não. Tem sempre alguém querendo dizer como deve ser a linha do texto e qual foto utilizar.
Em periódicos corporativistas há até quem exija que o redator mostre o texto e as fotos para saber se ficou bom e então o entrevistado dar o "ok" e "liberar" a matéria. Este sintoma não é exclusividade de um jornal do clube militar ou do Rotary Club. Gente que defende a democracia e a liberdade de expressão e até a causa operária também repete a mesma prática. Neste caso, em particular, deve ser um "resquício stalinista".
Notícia em 'tempo real'
Com os estragos feitos pelo crescimento das fake news num mundo digital que ainda é uma terra sem lei, em que notícias falsas se tornam muitas vezes pelo senso comum quase que um consenso coletivo, a prática jornalística ganha relevância e gera discussões sobre a disseminação de "notícias" em "tempo real".
Velocidade da informação significa acúmulo de dados em menor tempo, mas não necessariamente mais e melhor informação. Até mesmo a técnica de um texto conciso como regra de procedimento para a redação do texto jornalístico pode ser um convite para o leitor não pensar e não percorrer as entrelinhas com um pensamento crítico sobre a informação que recebe. O receptor da mensagem reproduz a informação, mas não reflete criticamente e nem questiona o texto lido. É como o jornalismo de mercado criando o consenso coletivo quanto a lógica e a ideologia econômica liberal como se fora um fenômeno natural, irreversível e inquestionável.
A velocidade e a quantidade de dados disseminados velozmente podem até contribuir ainda mais para a criação deste consenso coletivo. Parece que a notícia online é capaz de promover, no imaginário cotidiano, uma ruptura do fato ou assunto presente com o seu entrelaçamento com o passado de forma ainda mais eficaz do que a notícia nos veículos tradicionais. Torna-se apenas uma questão de aqui e agora e isto consolida mais rápida e facilmente a narrativa hegemônica das classes dominantes.
Imagens e frases curtas de um 'meme' podem e têm demonstrado ter uma influência muito maior sobre a opinião e escolha do eleitor do que um editorial de um jornal.
Nos tempos modernos "não há tempo" para ler "textos pesados" e como se torna fácil assim para o sistema ocultar a realidade das contradições da sociedade em que o sujeito está inserido. O indivíduo sequer percebe que "a correria da vida moderna" faz parte de uma engrenagem do capital para ele não ler, não refletir, não tomar consciência de classe.
O universo digital parece ter um papel importante nesta engrenagem, seja na fragmentação das "tribos" nas redes ou na coesão das identificações imaginárias em grandes massas, como o fenômeno da organização da extrema-direita no mundo por iniciativa minuciosa de um Steve Bennon da vida.
O simbólico corrói o senso comum
A sociedade normalmente não percebe o valor real do papel do jornalista, que não se resume apenas a uma apuração bem feita e a necessidade do cruzamento de fontes, mas da criação de um texto elucidador que corroa o senso comum consolidado e retroalimentado pelo minucioso processo midiático na construção do imaginário social.
O bom texto jornalístico é aquele que causa um certo incômodo ou inquietação no leitor, o receptor da mensagem, revelando as contradições do sistema e até da crise humana e civilizatória.
No jornalismo contemporâneo sobra tecnicismo e lugar comum e falta singularidade. Temos hoje, como nunca, a mera reprodução do factual sem um pingo de olhar simbólico o que torna os textos absolutamente incapazes de inquietar o ego e nem de revelar a hipocrisia do superego. Por isso, o leitor de nossos dias provavelmente terá muito dificuldade em achar por aí uma crônica esportiva redigida por um Nelson Rodrigues ou um João Saldanha.
Ao contrário. No caso do texto esportivo, o que se vê é um farto material com reprodução de dados, números, táticas e tabus. Até o futebol como mercadoria, o clube como empresa e o jogador de futebol como commodities serão percebidos pelo leitor como fenômenos naturais do "futebol moderno". Nesta lógica é comum encontrar jornalistas esportivos dizendo que um Gerson, o "canhotinha de ouro", um Didi, um Ademir da Guia ou até um Romário não jogariam no futebol de hoje, tamanha a exigência de preparação física e de obediência tática.
De novo, tecnicismo puro de sobra e mediocridade reinante e nada de singularidade dentro dos gramados e das redações jornalísticas.
Notícias falsas em tempo real
Na modernidade, enfrentar e desmentir notícias falsas tornou-se um dos maiores desafios do jornalismo, inclusive do chamado Webjornalismo. Elas na verdade sempre existiram, mas não de forma tão veloz e devastadora.
Como ocorre quando uma publicação na Internet resulta num linchamento moral ou literal de uma pessoa por engano. O factoide ou a fake news reproduzida chega a levar pessoas a morte por julgamentos próprios individuais ou coletivos ou levar indivíduos a darem cabo de suas próprias vidas. Infelizmente, nestes casos, somente tempos depois é que a checagem da informação revela o estrago e a tragédia.
Da mesma forma, ainda hoje vemos os efeitos perversivos das notícias falsas que disseminam o negacionismo científico contra uma tradição de exitosas campanhas de vacinação do sistema público de saúde brasileiro.
Há também o caso de quando a fake news, advinda de um poder político e econômico vem com toda a pompa de informação "fidedigna". Aí torna-se muito mais difícil de ser desmentida. Como por exemplo, quando se trata de a mídia defender o status quo e os interesses do modelo econômico e do sistema financeiro. Nestes episódios, pobre do carteiro que ouse entregar uma carta revelando a contradição do sistema. É criado até um consenso e uma voz uníssima dos veículos de comunicação de massa das classes dominantes com forças e aparatos políticos, mesmo que sejam antagônicos, mas neste caso, aliados de ocasião.
Fetiche mercadológico online
Na onda da era digital, jovens e adolescentes não parecem muito motivados a estudar quatro anos num curso universitário de jornalismo para seguir a profissão. Preferem ser "influenciadores digitais", a maioria palpiteiro de assuntos aleatórios e capazes de arrebanhar uma multidão de seguidores.
É o triunfo da mediocridade. E assim, o fetiche mercadológico deita e rola e atravessa o planeta numa velocidade avassaladora, alimentando a lógica da sociedade de consumo, do espelho narcísico do individualismo, do culto ao prazer e do imediatismo, elevando como nunca os lucros do capital, agora através do e-commerce, a anulação absoluta do valor do trabalho e o ápice da superexploração para a maximização do capitalismo. Há uma consequência trágica sobre o trabalho sem precedentes na história da civilização humana. Tudo sob o silêncio de um jornalismo cooptado, convertido ou desapercebido.
Teorias e reflexão crítica
O verdadeiro valor do jornalista está muito mais na singularidade e na sua capacidade de exercitar uma reflexão crítica sobre a construção imaginária do cotidiano na notícia e de revelar o poder da comunicação de massa na vida humana, do que no domínio dos simples procedimentos técnicos da atividade.
Talvez por isso mesmo, os donos de veículos de comunicação preferem muito mais um profissional que faça bem feito tudo o que ele mandar, sem ter uma visão crítica da realidade social, cultural e política de seu país e do mundo, do que um jornalista questionador.
A domesticação do papel do jornalista nas relações humanas e sociais não vê cor ideológica. Pode ocorrer não somente na prática consagrada pela direita, que serve ao seu senhor, a burguesia, mas também se dá, na prática, no campo da esquerda. O ideológico não escapa do reducionismo e do estreitamento do campo da realidade imaginária. E a singularidade do sujeito será sempre um incômodo para o lugar comum, de um ou do outro lado do muro. O real não pode ser reduzido ao materialismo econômico. Isso nem karl Marx percebeu.
O saber crítico é um incômodo
O saber crítico é sempre um incômodo para o sistema. Talvez isso explique, em parte, porque os patrões do setor e as elites acabaram com a exigência do ensino superior para exercer a profissão. Pode tornar-se uma inquietação para os "senhores da mídia", um estudante da área de comunicação social ter acesso e pensar as teorias da Cultura de Massa da sociologia marxista da Escola de Frankfurt, de Theodor Adorno e Max Horkheime, por exemplo, e de outros pensadores que levem o indivíduo a entender como a ideia de cotidiano é construída pela notícia e como se dá o poder hegemônico através da influência da mídia na política, na cultura e na vida em sociedade, no processo das identificações imaginárias.
É mais interessante para o patronato que o jornalista acredite no "mito da imparcialidade" e na "isenção" disseminados pela velha escola norte-americana de jornalismo do que compreender que, de fato, o que há é uma disputa pela hegemonia do discurso. E, neste caso, Maquiavel não é símbolo de pecado e nem a "encarnação do mal".
E se o estudante resolver mergulhar nos conceitos da psicanálise então, nem se fala. As narrativas pessoais e sociais podem acabar sendo desvendadas pelo entendimento de que a realidade é do campo imaginário e por isso, uma construção de um discurso, ou seja, as "verdades" humanas são temporais, relativas, precárias e a perda daquilo que de fato é, o real, a verdade absoluta, "Deus para o que crê", admite Jaques Lacan, principal discípulo de Freud. Assim, nem as narrativas científicas e nem as religiosas escapam da precariedade da existência humana.
Para os donos dos veículos de comunicação de massa é melhor deixar o "operário da notícia" quietinho cumprindo sua rotina de reproduzir o discurso dominante na produção da notícia, esta que não é o fato, mas sim, a versão dele.
O histórico da data
O 7 de abril foi instituído como o Dia do Jornalista em 1931, por decisão da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), como homenagem ao médico e jornalista Giovanni Battista Líbero Badaró, morto por inimigos políticos em 1830.
Badaró, como era mais conhecido, era um oposicionista ao imperador D. Pedro I e foi o criador do Observatório Constitucional, jornal independente que focava em temas políticos até então censurados ou encobertos pelo monarca. Badaró era defensor da liberdade de imprensa e morreu em virtude de suas denúncias e de sua ideologia que contrariava os homens do poder.
Mesmo na questão histórica, há quem considere que os textos de Badaró representavam, sim, o início de uma ruptura do status quo do império colonial, mas também uma visão precursora na defesa de uma nova classe dominante, que décadas mais tarde, organizaria o período republicano.
Até no homenageado da data escolhida para o Dia do Jornalista há o contraditório na versão dos fatos.