Terça, 19 Março 2024 17:49

Empresas querem esconder informações para burlar lei de igualdade salarial

Foto: Contraf-CUT. Foto: Contraf-CUT.

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Imprensa SeebRio

“O que essas empresas e setores que entraram com ação querem esconder? Acaso praticam desigualdade salarial entre homens e mulheres, discriminam negros e negras e querem continuar praticando isso, sem que a sociedade saiba?” O questionamento foi feito pela presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT Nacional), Juvandia Moreira.

As indagações são em referência à decisão do grupo DPSP (dono das Drogarias Pacheco e São Paulo), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), de entrar na justiça para impedir a divulgação a ser feita pelos ministérios do Trabalho e da Mulher, neste mês, do primeiro Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, o que esvazia a lei de igualdade salarial entre gêneros (n° 14.611/2023).

“Caso fosse um problema de divergência pontual com a implementação da lei deveriam ter a decência de procurar o governo para negociar, em vez de acionar a Justiça”, acrescentou a dirigente bancária. Já a assessora jurídica da Contraf-CUT, Phamela Godoy, adverte que a implementação da norma, que contém medidas que já existem em diversos países de transparência salarial e fiscalização contra a diferença salarial entre homens e mulheres, corre o risco de ter seu efeito significativamente enfraquecido, porque essas ações atacam justamente o relatório, que é a principal inovação que a Lei n° 14.611 trouxe.

Vale a pena lembrar que impedir a execução da lei pode ter como pano de fundo manter a discriminação para ampliar os altíssimos lucros das empresas.  No acumulado do ano, entre janeiro e outubro de 2023, o resultado do setor farmacêutico foi extremamente positivo, e o faturamento alcançou R$ 98 bilhões. Comparado ao mesmo período de 2022, o aumento chegou a 11%.

Manter exploração e lucro

A lei é uma iniciativa do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério das Mulheres. A base para a efetivação do que ela prevê é justamente o relatório que vai mostrar o tamanho da discriminação e fazer com que as empresas tomem medidas para acabar com a desigualdade.  A norma não é novidade no mundo. Segundo o Banco Mundial, 35 nações, incluindo Reino Unido, Austrália, França, Peru e Islândia, possuem medidas de transparência salarial e fiscalização para superar essa questão.

Aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em 3 de julho aborda a igualdade salarial e critérios remuneratórios entre homens e mulheres no ambiente de trabalho, modificando o artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Empresas com mais de 100 empregados devem adotar medidas para garantir essa igualdade, incluindo transparência salarial, fiscalização contra discriminação, canais de denúncia, programas de diversidade e inclusão, e apoio à capacitação de mulheres.

O que querem esconder?

No início de março, o grupo DPSP conseguiu uma liminar na Justiça, que desobriga as redes Drogarias Pacheco e São Paulo a fornecerem ao governo informações trabalhistas e salariais das funcionárias e funcionários para o Portal Emprego Brasil, e também o envio de dados para relatório de transparência salarial elaborado pelo Ministério de Trabalho e Emprego, bem como a divulgação desses dados em sites e redes sociais das próprias empresas, sob a justificativa de que a publicidade dos dados iria contra a lei de proteção de dados.

A liminar, deferida por inteiro pela juíza Federal Frana Elizabeth Mendes, da 26ª vara Federal do Rio de Janeiro, também determina que, em caso de identificada desigualdade salarial de gênero, a União se abstenha em exigir a participação dos sindicatos profissionais na elaboração do plano de mitigação, outra medida da Lei n° 14.611.

Já na última terça-feira (12), a CNI e a CNC acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar trechos da lei de igualdade salarial. A ação gira em torno de três pontos que as entidades acusam de “inconstitucionais”.

Desculpas esfarrapadas

O primeiro questionamento da CNI e CNC é sobre a implementação de um plano de ação, com metas e prazos, caso identificada a desigualdade remuneratória, sob o argumento de que existem diferenças salariais “lícitas e razoáveis”, baseadas em “critérios objetivos de aferição de maior perfeição técnica”, como tempo de serviço e mérito.

“Importante aqui mencionar que esta ferramenta do plano de ação é muito utilizada na legislação nacional, como por exemplo na Lei de recuperação judicial”, destaca Phamela Godoy. “O argumento utilizado de que o plano inviabilizaria as ‘diferenças razoáveis ou lícitas’ é, na prática, a mensagem de que ‘sabemos que estamos praticando salários diferentes, mas entendemos que isto é correto'”, completa.

O segundo e terceiro questionamentos, da CNI e CNC, são quanto aos critérios que determinam eventual discriminação e contra a publicação do relatório de transparência salarial, repetindo o argumento do grupo DPSP, de que a publicação exporia dados pessoas e estratégicos, além de colocar em risco a imagem das empresas.

“No ponto da discriminação, a ação busca minimizar a desigualdade como algo simples, ‘situação de desequiparação salarial objetiva’. Já o último ponto, defendido pelas entidades, mantém o processo da desigualdade que o país precisa enfrentar, ao pedir para ocultar de todos os trabalhadores a diferença salarial entre os cargos de gestão dos demais trabalhadores”, pontua a assessora jurídica da Contraf-CUT.

“Eu ainda estou impactada com o fato de as empresas terem entrado no STF. Isso significa um atraso. Significa um desrespeito à luta das mulheres em muitos anos. É uma prova de que só lutando muito para não demorarmos 131 anos para termos igualdade”, declarou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, ao se referir ao Relatório Global de Desigualdades de Gênero, do Fórum Econômico Mundial, publicado em 2023. O material estima que, se os países mantiverem o ritmo do progresso registrado nas últimas décadas, serão necessários 131 anos para o fim da disparidade salarial entre homens e mulheres.

“Tanto a Constituição Federal quanto a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) estabelecem o princípio de igualdade de tratamento e remuneração. Mas, na prática, esses princípios não são seguidos, por isso a Lei n° 14.611 foi criada e aceita bem por toda a população, porque estabelece mecanismos para que esses princípios tenham efeitos práticos na realidade do mercado de trabalho brasileiro”, conclui a secretária da Mulher da Contraf-CUT, Fernanda Lopes.

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