Segunda, 18 Março 2024 18:02
DITADURA NUNCA MAIS

Regime militar: corrupção não podia ser denunciada

Censura na imprensa e mortes estranhas de quem denunciava atos ilícitos mantiveram escândalos dos governos militares escondidos durantes anos
O governador de São Paulo Paulo Maluf e o presidente, general João Figueiredo: a corrupção comia solta na ditadura, mas a censura e o autoritarismo inibiam as denúncias O governador de São Paulo Paulo Maluf e o presidente, general João Figueiredo: a corrupção comia solta na ditadura, mas a censura e o autoritarismo inibiam as denúncias

O brasileiro mais desavisado já deve ter ouvido dizer, da parte de quem defende a ditadura militar, que no regime militar o Brasil não tinha corrupção e que este seria um dos motivos para as críticas ao período do retorno da democracia no Brasil. Nesta terceira matéria da série “Ditadura nunca mais”, do Jornal Bancário, em referência aos 60 anos do golpe militar de 1964, que serão completados no próximo dia 31 de março, vamos mostrar que é uma mitificação a ideia de que, no regime militar, não havia corrupção. “Ao contrário do que se difunde no senso comum, o período de 1964 a 1985 foi fértil em denúncias de ilegalidades envolvendo empresas e o Estado no Brasil”. A afirmação é do historiador Pedro Henrique Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Ficaram famosos casos como o relatório Saraiva, Capemi, Coroa-Brastel, Halles, Delfin, BUC, Lume, Luftalla, Áurea, Atalla, TAA, Dow Chemical, projeto Jari, Petropaulo, Brasilinvest.

Não podia denunciar

A diferença é que as denúncias não podiam ser publicadas pela imprensa, em função da censura. O diplomata José Jobim morreu de forma estranha uma semana depois de comparecer à posse de Figueiredo e de comentar que preparava um livro de memórias com revelações sobre fraudes na construção da hidrelétrica de Itaipu. Divulgar denúncia de corrupção no governo dos militares custou também a vida do jornalista Alexandre von Baumgarten, assassinado em 1982, na esteira do escândalo da Agropecuária Capemi.
Ele deixou um dossiê acusando a cúpula do SNI (Serviço Nacional de Inteligência) do qual era colaborador, de planejar sua morte. Baumgarten tinha conhecimento sobre denúncias dirigidas ao chefe da agência central do órgão de espionagem, general Newton Cruz e outros agentes.

Militares e o crime organizado

A partir de 1970, dentro da 1ª Companhia do 2º Batalhão da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, sargentos, capitães e cabos começaram a se relacionar com o contrabando carioca. O capitão Aílton Guimarães Jorge, que já havia recebido a honra da Medalha do Pacificador pelo combate à guerrilha de esquerda era um dos integrantes da quadrilha que comercializava ilegalmente caixas de uísques, perfumes e roupas de luxo. Capitão Guimarães se tornou um dos maiores contraventores do jogo do bicho no Rio de Janeiro, revelando a estreita relação de militares com o crime organizado.

Empreiteiras e as propinas

Foi naquele período, que a Odebrecht montou um império e passou da 19ª posição no ranking nacional do setor em 1971 para a 3ª em 1973. A empresa teve uma ascensão vertiginosa no governo do general Ernesto Geisel. Ganhou licitações, como a sede da Petrobras e para construir Angra 1 e o terminal 1 do Aeroporto do Galeão. “Os gigantes do setor consolidaram na ditadura o sistema baseado no pagamento de propinas. As que mais cresceram foram as que mais souberam se corromper”, denuncia o historiador.
Ministro da Fazenda durante os governos Costa e Silva (1967-1969) e Médici, embaixador brasileiro na França no governo Geisel e ministro da Agricultura (depois Planejamento) no governo Figueiredo, Delfim Neto sofreu várias acusações de corrupção. Na primeira delas, em 1974, foi acusado pelo próprio Figueiredo (ainda chefe do SNI), em conversas reservadas com Geisel e Heitor Ferreira. Delfim teria beneficiado a empreiteira Camargo Corrêa a ganhar a concorrência da construção da hidrelétrica de Água Vermelha (MG). Anos depois, como embaixador, foi acusado pelo francês Jacques de la Broissia de ter prejudicado seu banco, o Crédit Commercial de France, que teria se recusado a fornecer US$ 60 milhões para a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, obra também executada pela Camargo Corrêa.
Em 1976, o presidente da General Electric no Brasil, Gerald Thomas Smilley, admitiu que a empresa pagou comissão a alguns funcionários no país para vender locomotivas à estatal Rede Ferroviária Federal, segundo noticiou a “Folha de S.Paulo” na época.
Em 1969, a Junta Militar que sucedeu Costa e Silva e precedeu Médici havia aprovado um decreto-lei que destinava “fundos especiais” para a compra de 180 locomotivas da GE. Na época, um dos diretores da empresa no Brasil era Alcio Costa e Silva, irmão do ex-presidente e general.

Impunidade na ditadura

Delfim Netto sofreria uma terceira acusação direta de corrupção, dessa vez como ministro do Planejamento, ao lado de Ernane Galvêas, ministro da Fazenda, durante o governo Figueiredo. Segundo a acusação apresentada em 1985 pelo procurador-geral da República José Paulo Sepúlveda Pertence, os dois teriam desviado irregularmente recursos públicos por meio de um empréstimo da Caixa Econômica Federal ao empresário Assis Paim, dono do grupo Coroa-Brastel, em 1981. Galvêas foi absolvido em 1994, e a acusação contra Delfim – que disse na época que a denúncia era de "iniciativa política" – não chegou a ser examinada.

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