EXPEDIENTE DO SITE
Diagramação: Marco Scalzo
Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
Carlos Vasconcellos
Imprensa SeebRio
O economista Mário Theodoro, doutor em economia pela Universidade de Sorbone, na França, abriu o painel “Análise de conjuntura histórica das relações de trabalho e raciais no Brasil e suas consequências na vida da população negra”, no primeiro dia do VII Fórum de Visibilidade Negra no Ramo Financeiro”, realizado em Porto Alegre, nesta sexta-feira (10). A participação foi por videoconferência devido a um problema de saúde do palestrante.
Desigualdade no mercado de trabalho
O professor disse que um ponto relevante da desigualdade social no Brasil é o mercado de trabalho.
“O Brasil é um caso único no mundo. Nos colocamos entre as dez maiores economias do mundp. Nenhum país cresceu tanto entre os anos de 1970 e 1980, mas esse crescimento gerou pobreza. Os militares acreditavam que o crescimento econômico, no chamado ‘milagre econômico’, traria naturalmente num aumento na qualidade de vida. Porém, mesmo quando o país crescia, gerava pobreza. Estamos entre os dez países mais desiguais do mundo. Entre as grandes economias, somos o mais desigual, a frente até mesmo da índia”, explicou, lembrando de uma pesquisa nacional feita durante a ditadura militar sobre orçamento familiar e que acabou sendo censurada e não divulgada, porque os números frustaram as expectativas da área econômica do regime, pois o crescimento da economia não se reproduziu em melhor qualidade de vida para os trabalhadores.
Mercado informal
Theodoro lembrou que as camadas mais abastadas da sociedade começam a trabalhar mais tarde, passando grande parte da vida estudando e se qualificando para somente em seguida entrar no mercado de trabalho, ao contrário dos mais pobres, que começam a trabalhar mais cedo e acabam não terminando nem o segundo grau, tendo que vender balas e doces nas ruas para sobreviver. .
“Há aqueles que têm acesso à qualificação profissional e ingressam no mercado de trabalho para viver um padrão de vida europeu e os que trabalham muito cedo e vão para o mercado informal e nunca mais saem, acabando vivendo sua velhice, quando conseguem, do BPS [Benefício de Prestação Continuada]”, relatou.
Raízes históricas
O economista disse ainda que a desigualdade no mercado de trabalho no Brasil tem um divisor histórico, que foi a criação da Lei das Sesmarias, em 1850, cuja distribuição de terras foi feita exclusivamente para os nobres e não contemplou negros e indígenas.
“As terras eram entregues, segundo documentos da época, para pessoas que eles consideram de boa estirpe, sempre brancos europeus”, ressaltou.
"Aqueles negros escravos libertos pela escravidão ocuparam pedaços de terras totalmente inutilizadas no Brasil e, após produzirem e cuidarem das terras há anos, o governo brasileiro, ao “regularizar” a propriedade determinou que aquelas terras “não eram deles”.
Branqueamento no Brasil
Em seguida começa o debate sobre a imigração, com a narrativa das elites de que o país precisava da presença de europeus, baseada por teorias da miscigenação.
"Essa tese da eugenia, tinha a raça branca europeia como ponto máximo de desenvolvimento intelectual e político e os negroides colocados como uma raça inferior”, ressaltou, lembrando que esses trabalhadores europeus vieram não para se somar aos trabalhadores negros, maioria no Brasil, mas para ocupar o trabalho, como no setor da produção de café, que inclusive os brancos eram menos qualificados pois não conheciam a terra e principalmente na indústria, onde os melhores empregos das áreas urbanas eram para os brancos, levando os negros e negras se deslocarem para as favelas, alagados e periferias a para exercer funções mais desvalorizadas, como o trabalho doméstico”, afirmou.
Negros e o setor público
Com a facilidade de acesso à educação e ao mercado de trabalho foi tendenciosa, os imigrantes brancos ascenderam socialmente e os negros permaneceram na pobreza.
“A ascensão de negros só ocorreu graças aos empregos públicos, nos anos 30, 40 e 50, mas ainda assim, como minorias, mantendo a maioria em péssimas condições no trabalho informal”, aponta o professor.
Desvalorização do trabalho
No Brasil há uma onda de pessoas, a maioria negros, que por falta de oportunidades, acaba aceitando qualquer dinheiro em troca de seu trabalho, como lavar os para-brisas dos carros nos grandes centros urbanos. A modernidade se junta a falta de condições mínimas de trabalho. A sociedade brasileira é viciada no perfil desigual”, disse, dando como exemplo o impasse em Brasília, quando há greve dos rodoviários e as empregadas domésticas ficam impossibilidade de ir trabalhar nas casas das classes média e rica, ressaltando que estas famílias mais abastadas não conseguem manter suas rotinas sem este trabalho de maioria negra.
"Esta é a sociedade do elevador ‘social’ e de ‘serviço’, que na verdade não é de ‘serviço’ coisa nenhuma, é de serviçal”, criticou, mostrando o quanto o racismo está incutido na rotina da vida brasileira.
Lembrou também da desigualdade de oportunidades na educação, onde os filhos das elites estudam nas escolas privadas mais caras e de melhor qualkdade ou até mesmo no ensino público de melhor qualidade, como os colégios de aplicação, e os mais pobres acabam n a rede pública tradicional, desaparelhada e na maioria das vezes de baixa qualidade no ensino, o que dificulta o acesso dos negros e negras nas universidades públicas.
Racismo no setor bancário
No setor bancário, Theodoro falou do grande boom dos bancos, que geraram empregos para a categoria, mas poucas oportunidades foram dadas à população negra em função do racismo na sociedade.
“O racismo se dá primeiro na discriminação, como em clubes que não aceitavam negros”, destacou, lembrando da criação da lei contra a discriminação criada pelo então deputado federal Carlos Alberto Caó (PDT), nos anos 80 como importante instrumento de denúncia.
“A outra ponta do racismo é ainda mais perversa, o preconceito, quando uma pessoa negra, por exemplo, dá uma bela entrevista, mas na hora da edição é cortada. Quantos arcebispos, quantos ministros, quantos parlamentares, quantos presidentes negros tivemos no Brasil?", questionou.
Defendeu, no final, políticas afirmativas nos bancos, tanto na contratação quanto nas oportunidades de ascensão profissional, como forma de combater o racismo no setor de trabalho bancário.