Terça, 19 Setembro 2023 15:32
ASSEMBLEIA DA ONU

Lula critica gastos do mundo com guerras e defende combate à fome e à crise climática

Presidente brasileiro é aplaudido sete vezes por participantes, exceto pelo presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky, pelo fato de o governo brasileiro se negar a enviar armas em conflito contra a Rússia
Lula teve seu discurso interrompido por palmas sete vezes, na abertura da Assembleia Geral da ONU, nos EUA Lula teve seu discurso interrompido por palmas sete vezes, na abertura da Assembleia Geral da ONU, nos EUA Foto: Divulgação

Carlos Vasconcellos

Imprensa SeebRio

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu os discursos na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira (19), nos Estados Unidos.

Lula voltou a criticar as desigualdades no mundo e a cobrar dos países ricos mais investimentos para o enfrentamento da crise climática e ambiental do planeta e da fome, criticando os gastos com guerras. .

"A fome, tema central da minha fala neste Parlamento Mundial 20 anos atrás, atinge hoje 735 milhões de seres humanos, que vão dormir esta noite sem saber se terão o que comer amanhã", destacou, denunciando que falta “vontade política” para acabar com a fome e criticando a política do Fundo Monetário Internacional e da própria ONU. .

"O destino de cada criança que nasce neste planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe. A parte do mundo em que vivem seus pais e a classe social à qual pertence sua família irão determinar se essa criança terá ou não oportunidades ao longo da vida", disse, detonando as desigualdades.

O brasileiro condenou o embargo econômico e político dos EUA à Cuba e criticou a justificativa americana de que Havana "contribui para o terrorismo no mundo". 

Mudanças climáticas

Lula citou ainda o combate ao racismo, à LGBTfobia, ao preconceito de gênero e contra pessoas com deficiência como fundamentais para combater as desigualdades. Voltou a cobrar apoio financeiro dos países ricos para proteger o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas, citando as tragédias ambientais em Marrocos, na Líbia e as chuvas que atingem o Rio Grande do Sul, no Brasil, considerando o valor de US$100 bilhões destinados aos países em desenvolvimento, mas que nunca chegam, insuficiente. Deu como exemplo de medida para contribuir com um desenvolvimento sustentável, o “Plano de Transformação Ecológica” e a Cúpula de Belém, que reuniu os países cujo territórios abrigam parte da floresta amazônica.

"Os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera. Nós, países em desenvolvimento, não queremos repetir esse modelo. No Brasil, já provamos uma vez e vamos provar de novo que um modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível", afirmou.

Críticas ao neoliberalismo

Lula criticou o neoliberalismo dizendo que este modelo agravou a desigualdade econômica no mundo e acusou a extrema-direita de “assolar as democracias” e que "surgem aventureiros que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas".

"Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário", afirmou, aplaudido pelos participantes da assembleia. .

Criticou o FMI, o Banco Mundial e a ONU e disse que o Brics – grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – surgiu na esteira do "imobilismo" desses organismos e defendeu um comércio global "mais justo".

"O protecionismo dos países ricos ganhou força e a Organização Mundial do Comércio permanece paralisada, em especial o seu sistema de solução de controvérsias", ressaltou.

Guerras e crises esquecidas

Lula disse que os conflitos armados "são uma afronta à racionalidade humana". O presidente afirmou ser "perturbador ver que persistem antigas disputas não resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas ameaças".

Citou  a "crise humanitária no Haiti, o conflito no Iêmen, as ameaças à unidade nacional da Líbia e as rupturas institucionais em Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão", conflitos e crises que não ganham o mesmo destaque na mídia dado à guerra na Ucrânia, chamando a atenção também para o risco de golpe de Estado na Guatemala.

Guerra da Ucrânia

Em relação à guerra na Ucrânia, disse que o conflito “escancara a incapacidade dos países que fazem parte da ONU de alcançar a paz” e voltou a se opor às sanções econômicas  impostas à Rússia.

"As sanções unilaterais causam grande prejuízos à população dos países afetados. Além de não alcançarem seus alegados objetivos, dificultam os processos de mediação, prevenção e resolução pacífica de conflitos", disse, lembrando que  "o Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente a sua credibilidade”.

"A ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo, solidário e fraterno. Mas só o fará se seus membros tiverem a coragem de proclamar sua indignação com a desigualdade e trabalhar incansavelmente para superá-la", finalizou.

O presidente brasileiro foi aplaudido em todo o discurso, sendo interrompido por palmas da assembleia por sete vezes. Chamou a atenção o fato de vídeos divulgados nas redes sociais que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, não ter aplaudido Lula em nenhum momento do discurso, deixando claro sua insatisfação com a posição do governo brasileiro, que se negou a enviar armas contra a Rússia e defender uma saída negociada, em que ambos precisam fazer concessões para encontrar a paz. 

Discurso morno de Biden

Num discurso morno e arrastado, o presidente dos EUA, Joe Biden, disse que o "o mundo precisa de uma liderança" para alcançar a paz e combater as desigualdades, referindo-se a manutenção da hegemonia de seu país na economia, política e indústria bélica. Não tocando em outros conflitos, como na Síria, em que as forças militares americanas realizam constantes ataques e a o governo sírio acusa navios americanos de roubar petróleo do país, Biden disse que "somente a Rússia está no 'caminho' da paz mundial". O presidente americano reafirmou seu apoio a Ucrânia no conflito contra a Rússia, na qual a Casa Branca já gastou mais de US$100 bilhões. Sem anunciar nenhum centavo para os países em desenvolvimento protegerem a floresta amazônica, Biden alertou sobre os riscos da crise climática e defendeu o uso da Inteligência Artificial, que avança no mundo, e ao contrário de Lula não falou do fato de IA extinguir milhões de empregos formais (fato que foi criticado por Lula) em todo o mundo e ampliar o acúmulo de capital, além de inaugurar uma nova era bélica nas guerras. Reconheceu que "os países ricos têm de fazer mais pelo mundo".

Ao contrário do que ocorreu no discurso de Lula, em que se manteve estático e carrancudo, Volodymyr Zelensky, presente pela primeira vez na assembleia e com discurso programado para esta tarde, aplaudiu com entusiasmo o discurso de Biden.

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