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Segmento artístico brasileiro vem amargando precarização no trabalho com ampliação de plataformas de streaming e demissões em massa em emissoras. “Se não se unir como lá fora, vai piorar”, diz Virginia Berriel
Publicado: 31 Julho, 2023 - 16h07 | Última modificação: 31 Julho, 2023 - 17h39
Escrito por: Andre Accarini | Editado por: Rosely Rocha
O movimento iniciado por roteiristas de Hollywood, nos Estados Unidos, e que ganhou a adesão de atores e atrizes, tem crescido, e se tornado uma referência para que a classe artística no Brasil também se mobilize por direitos, melhores condições nas relações de trabalho e reconhecimento de emissoras e produtoras.
Nos Estados Unidos, a greve começou em maio deste ano com roteiristas exigindo salários mais justos e parcelas de direitos autorais por reproduções de suas obras, em especial nos serviços de streaming, como Amazon, Netflix, HBO Max, Disney Plus, entre outros e contra o uso indiscriminado de inteligência artificial pelas produtoras e estúdios.
Em junho, atores e atrizes – incluindo os mais famosos – se uniram ao movimento, com as mesmas reinvindicações. Ambas as categorias exigem garantias de que suas imagens digitais não sejam usadas sem permissão.
A greve nos Estados Unidos já afeta grandes produções do cinema, entre elas o próximo filme de Tom Cruise, Missão Impossível - Acerto de Contas Parte 2. As categorias têm se recusado a participar também de eventos de lançamento e promoção de filmes e séries, além de não comparecerem a premiações.
As negociações entre o Sindicato dos Atores dos EUA (SAG-Aftra) e a entidade que representa os roteirsitas, o Writers Guild of America (WGA),têm fracassado. A greve continua por tempo indeterminado. Além de não comparecerem aos eventos, protestos têm sido feitos.
Um deles, realizado na última sexta-feira (28) em Los Angeles, teve participação de artistas do Brasil, como o ator Wagner Moura, que atualmente mora na California. Participaram ainda a atriz Bia Borinn, os atores Eduardo Muniz e Ivo Muller, o roteirista e diretor Gabriel Moura e o roteirista e jornalista Rodrigo Salem.
E no Brasil?
A condição de trabalho para a classe artística não é diferente em nosso país. No entanto, a mobilização por melhores condições, respeito e salários, ainda é insipiente.
A categoria vem amargando ‘um verdadeiro massacre’ ao longo dos últimos tempos, com demissões em massa e contratação de artistas apenas por trabalhos pontuais. Além de atores e atrizes, a realidade atinge também os jornalistas que, para além e precarização nas contratações ainda são obrigados a trabalharem de forma multimídia. É comum hoje ver um repórter posicionando sua câmera (geralmente o próprio celular) para fazer suas matérias, dispensando a presença de produtores e cinegrafistas.
“Temos visto várias emissoras no país demitindo em massa. A Globo, a Band, a Record, já demitiram quadros inteiros não só de atores e atrizes, mas também de suas equipes de jornalismo. A maior parte ficou e está sem trabalho”, diz a secretaria executiva da CUT, a jornalista Virginia Berriel.
Em entrevista ao Portal da CUT, ela explicou que a situação profissional já vinha se agravando com a pandemia. “Com a crise, a maioria ficou sem trabalho. Hoje tem trabalhadores que recebem apenas por contrato trabalhado, não são formais”, ela disse.
A dirigente ainda citou como exemplo os ‘globais’ que ou foram demitidos ou tiveram seus contratos reduzidos. Entre eles Antônio Fagundes, Osmar Prado, Juliana Paes, Miguel Falabella, entre outros. A lista é grande.
Assim como nos Estados Unidos, a baixa remuneração, que motivou a greve por lá, também é praticada no Brasil. Virginia Berriel desmistificou a ‘ilusão’ de que artista que aprece em televisão ganha bem.
“São poucos os que enriqueceram. O glamour é uma imagem que não condiz com a realidade. Os atuais artistas não têm contratos milionários. Muitos [entre os que tem contrato formal] ganham 10 ou 20 mil reais. Não é um salário grande em razão da exposição e do padrão de vida que são obrigados a manter por conta da profissão”, ela diz. É fato que há uma série de ‘custos’ com a imagem, exigidos pela profissão, que são bancados pelo próprio artista. Por isso não é incomum ver ‘celebridades’ se rendendo a permutas em redes sociais, com marcas famosas, em troca de seus produtos.
No Brasil, ela reforça, a realidade é de que profissionais estão se submetendo a trabalhos temporários, contratados por produtoras que vendem suas produções para emissoras grandes ou para os serviços de streaming. E essa situação, diz a dirigente, está longe de ser ideal e prover não só uma renda, mas também uma frequência garantida de trabalho.
Mobilização é urgente
“O que os norte-americanos estão fazendo é um exemplo para que os brasileiros façam também. É isso que precisa acontecer no Brasil – que tenha um movimento que se fortaleça, de atores roteiristas e jornalistas, enfim, de todo o segmento artístico e de comunicação. Caso contrário, será sempre isso. As empresas ganham milhões e os artistas ficam mendigando ‘papelzinho’ aqui e ali para sobreviver”, disse.
A falta de mobilização, segundo a dirigente, tem como motivo o receio de muitos artistas reivindicarem seus direitos e acabarem, como se diz nomeio artístico, na geladeira. Ela conta que muitos atores famosos ‘experimentam’ essa condição ao baterem de frente com as emissoras e produtoras.
É uma categoria que sabe e tem como se mobilizar. Defende pautas importantes, como meio ambiente, direitos humanos, mas têm medo de protestar em causa própria por causa da ‘geladeira’
Virgínia relembra casos conhecidos como da atriz Vic Militello, atriz de destaque em novelas como Estúpido Cupido e Vereda Tropical, que foi colocada à margem do foco dos holofotes após reivindicar direitos trabalhistas e melhores condições de trabalho na Globo.
Inteligência artificial e streaming
O uso da inteligência artificial capaz de substituir atores famosos por meio de imagens, além de escrever e elaborar textos tem tirado o sono de profissionais do segmento. Há vários casos de uso de imagens de atores que emprestaram essas imagens e elas foram utilizadas sem a devida remuneração.
Em seu canal no Youtube, o crítico de cinema, Pablo Vilaça, explica que é comum estúdios captarem as imagens e traços de um ator, por exemplo, de figuração, e por computador manipular para diversas produções.
Um exemplo do que a inteligência artificial pode fazer circulou como forma de alerta nas redes sociais há alguns dias. No vídeo, um ator explica como pode se passar pelo consagrado Morgan Freeman. Enquanto ele fala e explica o tema, o computador, automaticamente substitui sua imagem e voz. Veja:
Além da “IA”, o streaming, formato de acesso a mídias que tem crescido vertiginosamente nos últimos tempos, reproduz conteúdos sem remunerar adequadamente os profissionais que participaram das obras.
“Essas plataformas ganham milhões aqui no Brasil e lá fora, enquanto os atores e atrizes, a equipe técnica e todos os profissionais que participaram da obra ganham valores ínfimos”, diz Virginia, lembrando que na televisão, e por tempos, o método é o mesmo.
“A atriz Lucélia Santos é um exemplo. Ela fez um grande sucesso com Escrava Isaura. A obra é comercializada até hoje, A Globo ganha milhões e ela um valor muito pequeno. Até hoje ela briga pelos chamados direitos conexos, ou seja, receber pela reexibição da obra”, diz a dirigente.
Toda essa realidade, ela pontua, denuncia a terceirização, precarização e exploração do trabalho de artistas. “E enquanto a classe não se unir como lá fora, não vai mudar. Atores, atrizes, toda a classe tem que ter em mente que são trabalhadores, antes de mais nada”, ela finaliza.