Auditório do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, restaurado após incêndio; segundo investigações, foi onde o fogo começouDiogo Vasconcellos / MN - UFRJ
Rio – Diretor do Museu Nacional, o geólogo Alexander Kellner está empolgadíssimo com uma excelente notícia que acaba de receber do Ministério da Educação: a partir de janeiro de 2024, o museu, que é o mais antigo do Brasil, terá uma verba de R$ 13,5 milhões destinada exclusivamente à manutenção da instituição. O motivo do entusiasmo vem do reconhecimento do Governo Federal da necessidade de dar tranquilidade e confiança ao processo de reconstrução que o museu sofre após ser vítima de um incêndio de mais de seis horas em 2018, que destruiu 85% do seu acervo, assim como as divisões entre andares (eram de vigas de sustentação de madeira), as coberturas e esquadrilhas do palácio localizado na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, na Zona Norte.
"As pessoas acham que o causador do incêndio foi um dos aparelhos de ar condicionado do auditório quando, na verdade, foi a falta de manutenção. O museu é um prédio histórico, caro para manter, e tínhamos uma situação complexa de corte de recursos da esfera federal para universidades públicas. Mas agora esta linha orçamentária mostrará que são tempos diferentes e levará todos a olhar o museu de forma positiva e gerar investimentos, pois a manutenção trará tranquilidade. Teremos brigadistas, seguranças e questões prediais serão atendidas. Estamos muito felizes e ansiosos para isso. Porém, precisamos lembrar que essa verba é para como o museu está hoje. Quando o Palácio estiver funcionando, precisará de muito mais recurso para vigilância, limpeza e manutenção predial", afirma, extasiado.
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Diretor do Museu Nacional, Alexander KellnerTânia Rêgo / Agência Brasil
A restauração da mais antiga instituição científica do Brasil, fundada por D. João VI em 1818, e que chegou a ser o maior Museu de História Natural da América Latina, com 20 milhões de peças, está na fase de reforços de estruturas e arrecadação de acervo. O que já foi feito, da queima até o momento, foram a restauração completa da fachada principal do Palácio de São Cristóvão (trata-se do bloco 1, também conhecido como bloco histórico), uma cobertura provisória para o prédio não ficar exposto a intempéries, e reconstrução de esquadrias. Já a abertura total do espaço para o público está prevista para 2026, quando as obras de toda a complementação do museu devem ficar prontas.
Os elementos decorativos da fachada, chamados de ornatos, são réplicas fabricadas com tecnologia de impressão em 3D a partir das esculturas originais. As autênticas passarão a integrar o acervo e farão parte de exposições permanentes. Todo o trabalho manteve as formas originais da fachada que existiam até setembro de 2018.
Logo após o incêndio, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) elaborou uma carta de orientação, determinando como seria pensado e feito o processo de reconstrução do museu, cujo acervo abrigava de esqueletos de animais pré-históricos a múmias do Egito Antigo, passando por coleções de rochas, plantas, livros raros e utensílios de diversas sociedades. Na proposta, o instituto solicitou que todo trabalho e obra feitos no palácio só acontecesse após a consolidação de todos os ornatos, os trabalhos artísticos que podem estar em frisos, colunas e capiteis (parte superior de colunas, pilastras e balaústres).
Entre as autorizações do Iphan, está a cobertura transparente, em vidro, da escadaria monumental, que nunca foi coberta antes. A escadaria fica ao lado da 'Sala do Bendegó' um espaço de 80 metros quadrados onde se encontra o meteorito de mesmo nome, uma das poucas peças que sobreviveu ao incêndio. A sala será reaberta ao público em 6 de junho de 2024, aniversário de 206 anos do Museu Nacional. A cobertura transparente da escadaria será realizada como uma espécie de claraboia, onde estarão expostos um esqueleto de baleia cachalote de mais de 15 metros, escavado em 2022 no Ceará por um grupo contratado pelo museu. Atualmente, este esqueleto está exposto na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, Zona Oeste.
A restauração da Sala do Bendegó ainda estará em andamento e terminará aos olhos do público, para que entenda o processo de restauração dos elementos artísticos. A proposta é viabilizar a entrada da população para que acompanhe o processo, veja o trabalho e o profissional em ação.
A restauração da Sala do Bendegó ainda estará em andamento e terminará aos olhos do público, para que entenda o processo de restauração dos elementos artísticos. A proposta é viabilizar a entrada da população para que acompanhe o processo, veja o trabalho e o profissional em ação.
Segundo Lucia Basto, arquiteta que é a gerente do projeto de restauração do Museu Nacional, foi o presidente Lula (PT), o ministro da Educação, Camilo Santana, e a então ministra do Turismo, Daniela do Waguinho, em visita guiada às obras do museu em março deste ano, que solicitaram a abertura da parte interna do bloco 1 do museu até o primeiro semestre de 2026, para que o público pudesse usufruir do espaço. A estrutura de governança de restauração, batizado de Projeto Museu Nacional Vive e composta pela UFRJ, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Instituto Cultural Vale, com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de instituições privadas, além de apoio do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Ministério da Educação (Mec) e do Governo Federal, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, fez, então, um planejamento para que possa atender ao pedido. As demais obras estão previstas para serem entregues no primeiro semestre de 2028.
O orçamento, atualmente, está em R$ 445 milhões. De acordo com Lucia, conforme o projeto vai avançando, os números vão sendo ajustados. De março até agora, já houve atualização. Tem R$ 56,4 milhões das ementas parlamentares, o MEC contribuiu com R$ 18,4 milhões, o BNDES com R$ 50 milhões e o MCTI apoiou com R$ 20 milhões.
O governo estadual, por meio da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), doou R$ 20 milhões. Do setor privado, a Vale apoiou com R$ 50,5 milhões, e o Bradesco, com R$ 50 milhões. Somados, são R$ 265,3 milhões, 60% do total. O restante do valor necessário ainda terá que ser captado. O governo federal, segundo Lucia, fez o compromisso de contribuir mais com esta captação de recurso.
Recursos financeiros são fundamentais para o novo sistema contra incêndio, por exemplo. O Museu Nacional tem se preocupado em atender às exigências do Corpo de Bombeiros, mas entregar ainda outras precauções, como uma gestão humana atenta que previna e alerte sobre possíveis perigos.
Recursos financeiros são fundamentais para o novo sistema contra incêndio, por exemplo. O Museu Nacional tem se preocupado em atender às exigências do Corpo de Bombeiros, mas entregar ainda outras precauções, como uma gestão humana atenta que previna e alerte sobre possíveis perigos.
"O sistema contra incêndio não é ser só maravilhoso, a brigada tem que ajudar. Neste processo de reconstrução, estamos dedicados em empenhar o que o Corpo de Bombeiros exige, mas ainda um esquema que dê cobertura ao acervo e visitante. Tem sprinklers (uma espécie de chuveiro automático) pedidos pelos bombeiros e tem a parte de escape dos visitantes, como escadas. Estamos desenvolvendo o projeto junto aos bombeiros", afirma Lucia.
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O grupo técnico da estrutura de governança de restauração, coordenado pelo BNDES, que tem experiência em captação de recursos, tem feito estudos para organizar a questão de sustentabilidade pós inauguração, com a formação de um grupo técnico: "Estamos pensando se vamos fazer um fundo patrimonial, arrecadar recursos para que os rendimentos sejam fonte de recursos a mais para o museu", esclarece Lucia.
Acervo
Acervo
No ano do incêndio, o Museu Nacional comemorava 200 anos de existência e a reabertura da sala dos dinossauros, com a volta para o local do maior dinossauro já montado no Brasil, o Maxakalisaurus topai.
A tragédia ocorrida em 2018 fez perder 85% do acervo da instituição. De 200 milhões de itens acumulados desde 1892, sobraram 3 milhões. Até o momento, houve o resgate de peças soterradas, mas a etapa de restauração de itens ainda não começou. Segundo Kellner, este é o maior desafio da instituição e, por isso, a equipe está preparando estudos para auxiliar no trabalho. O museu já sabe que vai trabalhar com os laboratórios da casa. O laboratório de manuseio de coleções preservadas em material líquido, como formol e álcool, já está construído, mas o museu ainda precisa de recurso para as próximas fases, a fim de colocá-lo em funcionamento.
A tragédia ocorrida em 2018 fez perder 85% do acervo da instituição. De 200 milhões de itens acumulados desde 1892, sobraram 3 milhões. Até o momento, houve o resgate de peças soterradas, mas a etapa de restauração de itens ainda não começou. Segundo Kellner, este é o maior desafio da instituição e, por isso, a equipe está preparando estudos para auxiliar no trabalho. O museu já sabe que vai trabalhar com os laboratórios da casa. O laboratório de manuseio de coleções preservadas em material líquido, como formol e álcool, já está construído, mas o museu ainda precisa de recurso para as próximas fases, a fim de colocá-lo em funcionamento.
Uma parte do acervo que não foi perdida estava abrigada em edifícios próximos do Palácio de São Cristóvão, como no Horto Botânico, a Biblioteca Central do Museu Nacional e o departamento de invertebrados.
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Em 2021, iniciou-se uma campanha online de doação de novo acervo chamada 'Recompõe', na tentativa de restabelecer um acervo que foi o maior de história natural da América Latina. A ideia é recompor os quatro circuitos expositivos do Museu Nacional: Histórico (1 mil peças), Universo e Vida (4 mil e 500 peças), Diversidade Cultural (2 mil e 500 peças) e Ambientes Brasileiros (2 mil peças), com doação de acervo original.
"Muitos querem fazer doação de réplica, 3D, imagem, mas queremos material original. Nós do Brasil temos que merecer esse material. O que aconteceu é muito feio para o país. Como acontece um incêndio desses com um país que está no grupo das 10 maiores economias do mundo? Como deixaram o museu abandonado por tanto tempo? Todos sabiam do risco de incêndio. Sempre alertei que uma tragédia assim poderia acontecer", diz o diretor do Museu Nacional.
Mais de mil exemplares já foram arrecadados com a campanha, desde material etnográfico, fósseis, quadros, material arqueólogo a biodiversidade e histórico.
O Projeto Museu Nacional Vive colocou no ar uma exposição virtual de uma parte da coleção de minerais do Museu Nacional com itens resgatados do incêndio de 2018 e outros recentemente adquiridos que podem ser vistos no site do projeto.
Monitoramento arqueológico
Monitoramento arqueológico
Em meio às obras de restauração de fachadas e coberturas do Palácio São Cristóvão, arqueólogos da UFRJ avançam nas ações de monitoramento, prospecção e resgate arqueológico do sítio histórico.
Iniciada em maio de 2021, o trabalho busca revelar informações culturais relacionadas ao edifício, seus ocupantes em diferentes momentos da história e aqueles que ali trabalharam, além de contribuir com o desenvolvimento do projeto de arquitetura e restauro do palácio, que está em curso no âmbito do projeto Museu Nacional Vive.
Evidências arquitetônicas e alguns artefatos arqueológicos já estão descobertos. Entre eles, partes da estrutura de uma antiga capela, que foram encontradas em bom estado de preservação, vestígios de pisos e calçamentos que ligavam o Pátio do Chafariz, o principal, ao Jardim das Princesas, fragmentos de porcelana, um antigo fogão e outros artefatos relacionados ao cotidiano do palácio e seu entorno.
"Esses achados têm o potencial de expor a arqueologia do Museu ao futuro visitante, permitindo tanto a exibição de estruturas arquitetônicas que estavam encobertas e que ajudam a contar a rica história do edifício que abrigou a Família Real e Imperial, quanto a recuperação de artefatos que contam a história das pessoas que viveram e trabalharam nas suas dependências", destaca o professor Marcos André Torres de Souza (Museu Nacional/UFRJ), que coordena as atividades.
As escavações permitem revelar os processos de transformação no edifício e os artefatos descartados: "Dessa forma, é possível desvendar e incorporar novos entendimentos sobre o nosso passado", complementa o professor.
As atividades são permanentes e continuarão sendo desenvolvidas em sintonia com a coordenação do Projeto Museu Nacional Vive, arquitetos, projetistas e o Comitê Curatorial para as futuras exposições do Museu.
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