Sábado, 07 Agosto 2021 17:30
37º CONECEF

Médica e pesquisadora aponta causas do adoecimento de bancários no trabalho

Maria Maeno falou ainda das consequências da Covid-19 para a saúde do trabalhador e defende a luta coletiva como saída para um futuro melhor
A médica Maria Maeno, especialista em doença do trabalho, destacou a luta do movimento sindical pelo reconhecimento da doença ocupacional por parte dos bancos A médica Maria Maeno, especialista em doença do trabalho, destacou a luta do movimento sindical pelo reconhecimento da doença ocupacional por parte dos bancos Fotos: Nando Neves

Carlos Vasconcellos

Imprensa SeebRio

Foto: Nando Neves

 

A médica e pesquisadora de segurança e medicina do trabalho Maria Maeno, da Fundação Jorge Duprat Figueiredo, apresentou o painel “A meta é ter condições de trabalho e saúde”, no 37º Congresso dos Empregados da Caixa Econômica Federal (Conecef), realizado neste sábado (7).

Ela fez um histórico das condições de trabalho e de saúde dos bancários que resultaram no adoecimento da categoria e criticou o fato de existir no Brasil, uma tendência de se responsabilizar o trabalhador pelos acidentes ocorridos no ambiente de trabalho.

“A primeira pergunta que se faz é: ‘o que ele (o trabalhador) fez de errado’, quando na verdade deveria se perguntar o que poderia ser feito de diferente pela empresa no trabalho para que este acidente não ocorresse”.  
A médica criticou ainda o fato de a grande mídia e as empresas não demonstrarem interesse em descobrir a sequência de causas que levam às doenças ocupacionais pois os empregadores estão mais preocupados com a imagem de suas firmas do que com a vida dos empregados.   

A raiz dos adoecimentos

No caso do trabalho bancário, Maeno disse que já nos anos 1990 e 2000, as maiores queixas dos trabalhadores do setor eram referentes às LER-DORTs, como dores nos punhos, cotovelos, ombro e coluna.

“Os bancos queriam convencer a todos de que as dores crônicas aconteciam porque os bancários abusavam não seguindo as orientações para realizar pausas e nem tinham uma postura correta, mas na prática, o ritmo de trabalho não permite os intervalos. Nos casos das mulheres ainda há os afazeres domésticos e cuidados com a família, afetando ainda mais a saúde das bancárias. Segundo a versão patronal, nada no trabalho afetava a saúde do bancário”, acrescenta.
“Os sindicatos não concordaram com esta versão das empresas e mostraram que a causa das dores incapacitantes é a rotina e as condições de trabalho, portanto a raiz dos adoecimentos não eram de ordem individual, mas coletiva. Com isso, os trabalhadores conseguiram junto ao Ministério Público do Trabalho com a ajuda de pesquisadores, reconhecer as LER-Dorts com doenças ocupacionais”, lembra.

Metas e novas tecnologias

A pesquisadora destacou ainda que a situação da saúde dos bancários piorou ainda mais com a imposição das metas, comprometendo até o tempo para o funcionário fazer as suas necessidades biológicas. Abordou também os impactos das novas tecnologias na saúde do trabalhador.

“Há uma falsa premissa de que a tecnologia apenas substitui o trabalho humano. O que de fato vem acontecendo é que os recursos tecnológicos têm sido utilizados para elevar a produtividade, através da cobrança de metas”, afirma.

Segundo a médica, o movimento sindical e os pesquisadores perceberam que o ritmo intenso de trabalho dos bancários e o sistema de metas com avaliação de desempenho eram a causa do adoecimento, com exigências cada vez maiores e as pessoas sequer percebiam que sua vida social estava sendo prejudicada pela intensidade do trabalho.

Paralelamente, o contingente de trabalhadores vem diminuindo ao longo dos anos e, segundo a pesquisadora, há uma falsa premissa de que a tecnologia substitui o trabalho humano. “Na verdade, ela é utilizada para aumentar a produtividade das pessoas, com modelos de gestão que fundamentam o sistema de avaliação com metas estipuladas, consideradas abusivas por causar impactos na saúde física e psíquica dos trabalhadores”, disse.

Destacou ainda que, nos últimos tempos, graças ao trabalho do movimento sindical, passou a ganhar visibilidade a realidade do adoecimento dos bancários, que passaram a sofrer com depressão, ansiedade, alcoolismo e síndrome do pânico.

Covid-19 agrava o problema

Maeno disse também que a pandemia e o adoecimento com a Covid-19, “cuja gestão no Brasil é considerada desastrosa e é responsável pela morte de milhares de trabalhadores brasileiros”, agravaram os problemas da saúde da categoria pois mesmo com a crise sanitária, os bancários, em especial os da Caixa, mantiveram trabalho presencial nas agências, enfrentando aglomerações de pessoas que buscavam informações e o recebimento do auxílio emergencial.

“Sabemos que muitos adoeceram e morreram. Atualmente não faço atendimento clínico, mas estou junto com 27 colegas à frente de uma pesquisa junto à categoria, sobre o adoecimento por Covid-19 e sobre como as empresas ofereceram ou não, condições adequadas para o trabalho durante a pandemia”, informou.

Dos bancários que responderam a pesquisa, aproximadamente 25% disseram ter contraído Covid-19 e quase nenhum teve o reconhecimento da relação do contágio com o trabalho, seja pela empresa, seja pelo INSS.

“Esse reconhecimento, além de ter relevância coletiva para prevenção é importante para que os trabalhadores garantam alguns direitos previdenciários”, avalia.

Maeno lembrou que existem casos de determinação judicial para que as empresas emitam o Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT) em casos de contágio da Covid-19, o que é fundamental para garantir os direitos dos trabalhadores. A Justiça entendeu que o simples fato de o trabalhador sair de casa para o local de trabalho já constitui a Covid-19 como doença ocupacional.

Segundo o estudo, as queixas dos bancários sobre proximidade física e má ventilação no ambiente de trabalho foram destacadas por 50% dos bancários que não tiveram Covid-19 e por 60% dos que tiveram.

“Um dado preocupante é que empregados da Caixa que foram infectados não se afastaram do trabalho mesmo doente, o que é totalmente inadequado. Muitos trabalhadores não se afastam por medo de serem demitidos ou mesmo terem reduções em seus rendimentos”, alertou.

Consequências do teletrabalho

Maria Maeno disse ainda que, o fato de não haver legislação específica, após a reforma trabalhista, que assegure a jornada de trabalho no teletrabalho fez com que o ritmo de trabalho fosse prolongado e intensificado no exercício da função profissional em casa, aumentando a possibilidade de adoecimento.

Apontou ainda como grave o fato de a legislação determinar que o empregado tem de assumir termo de responsabilidade de que seguirá as instruções do empregador.

“São orientações como procurar espaço adequado e tranquilo e sem ruídos para trabalhar, manter uma rotina diária para acordar e dormir, dedicar tempo exclusivo para coisas pessoais, fazer yoga, ouvir músicas, ter hábitos saudáveis. São recomendações impraticáveis para a maioria dos trabalhadores”, concluiu, dizendo acreditar na luta coletiva para um futuro melhor para todos e para as gerações futuras.

 

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