Segunda, 01 Junho 2020 21:50

Sobre querer e poder: não à flexibilização no pico da pandemia

Adriana Nalesso, Economista e Presidenta do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro Adriana Nalesso, Economista e Presidenta do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro

Junho chegou. E com ele a consciência de que estamos entrando no quarto mês em que as nossas vidas foram atravessadas pela pandemia. O primeiro semestre vai chegando ao fim. Muitos de nós não imaginavam que esse sofrimento se estenderia por tanto tempo. Essa angústia prolongada, para muitos, marcada pela perda de parentes e amigos, nos faz desejar com todas as forças a volta à normalidade. Recuperar o lado bom da rotina é um anseio diário. Quem não quer voltar a encontrar amigos, familiares, circular sem medo, frequentar seus espaços de lazer prediletos? Quem não gostaria de poder reconquistar o convívio com colegas de trabalho, sem o peso de um vírus que paira no ar como ameaça permanente? Quem não gostaria de ver a atividade econômica sendo retomada, estancando o aprofundamento do desemprego? Sim, queremos muito que a vida lá fora seja diferente do que é.

Mas há tempos conhecemos a distância que separa o querer do poder. Apesar de alguns governantes negarem a gravidade da situação, de acenarem com a necessidade da volta à normalidade e suspensão do isolamento, a realidade nos mostra que reduzir as medidas protetivas é um erro que será pago com a perda de mais vidas. O negacionismo tem cobrado seu preço e ele se traduz no aumento do movimento nas ruas e nos números inacreditáveis de vítimas. O Brasil já é o quarto país com o maior número de mortes pelo coronavírus no mundo e, infelizmente, não há sinal de que a intensidade com que o Covid-19 se espalha pelo país possa ceder nos próximos dias.

No Rio de Janeiro, o quadro é dramático: o estado contabiliza mais de 5,3 mil vidas perdidas, número maior do que países inteiros e populosos como a China, a Rússia e a Índia. Somente na capital são quase 4 mil mortos. Apesar disso, a prefeitura inicia o plano de reabertura gradual de serviços não essenciais. Marcelo Crivella ignora o caos e libera igrejas, lojas de decoração e concessionárias. O governador Wilson Witzel fala reabrir shoppings como se houvesse segurança para isso.

Temos assistido o movimento de empresários pressionando pela reabertura do comércio e a retomada indiscriminada das atividades econômicas. E eles investem na narrativa de que o momento é de evitar a “morte dos CNPJs”, mesmo que vidas sejam sacrificadas. Certamente, a preocupação com a economia é de todos nós. Precisamos de empresas fortes, da manutenção de empregos e direitos. Mas precisamos preservar a vida. O Estado tem o dever de implantar políticas públicas que garantam a subsistência da sua população e apoiar a manutenção das empresas. Esse é o caminho, não o sacrifício de trabalhadores e trabalhadoras.

Na categoria bancária, a atuação de entidades representativas, como o nosso Sindicato ao lado de instituições de todo o país reunidas no Comando Nacional dos Bancários, garantiu medidas protetivas importantíssimas como por exemplo o afastamento dos vulneráveis, home office para mais de 230 mil bancários, o revezamento, a disponibilização de equipamentos de proteção. Não temos dúvida de que os avanços nas negociações reduziram significativamente o número de vítimas na categoria, salvaram vidas. E que a fiscalização realizada pelos sindicatos tem sido decisiva para que, nos casos suspeitos, seja realizada a sanitização das agências e garantida à quarentena para os bancários e bancárias.

Gostaríamos sim de estar iniciando a negociação de um plano de flexibilização das medidas. Mas uma postura consciente e responsável nos exige a luta pela manutenção dos protocolos adotados até aqui. Se as agências já têm tido grande movimento, o que acontecerá se uma falsa normalidade for decretada contra as evidências? Como ficarão as filas se o comércio reabrir e a circulação nas ruas for ainda maior do que vemos hoje?

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece critérios claros para que as medidas de isolamento sejam flexibilizadas, sendo a principal o controle da doença com a queda, por longo período, do número de casos. Infelizmente, ainda estamos longe de chegar a esse quadro no Brasil, com o crescimento diário das vítimas e a superlotação de hospitais.

Queremos sim entrar em nova fase. Mas ainda não podemos. Não podemos ignorar os fatos, negar a realidade, colocar milhares de vidas em risco. Estamos todos cansados, mas firmes no propósito de fazer tudo o que está ao nosso alcance para que a saúde e a vida sejam preservadas. Uma hora, isso vai passar. É preciso ter esperança, mas sem abrir mão da responsabilidade.

Adriana Nalesso, Economista e Presidenta do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro

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