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Quarta, 31 Janeiro 2024 10:44

O debate da desoneração

No começo desse ano, vimos se acirrar o debate sobre a questão da desoneração de vários setores econômicos, ou reoneração, como propõe o Ministério da Fazenda neste momento. Este não é um debate novo, e curiosamente inverte papéis a respeito da questão fiscal no país, mostrando que para além da ideologia, o debate fiscal tem muito de pragmatismo e interesse das partes.

Um pouco de história: a desoneração foi uma demanda dos empresários industriais. No começo do governo Dilma, estava em debate a necessidade de retomar o investimento industrial, com a análise de que fazia mais de vinte anos que o país se desindustrializava e as exportações eram cada vez mais devidas a uma pauta de produtos primários. Há muita relação com o debate recente sobre neoindustrialização, reindustrialização, ou que nome possa ter o processo de retomada do crescimento da indústria no PIB nacional no próximo período.

Nesse ambiente, em 2011, os empresários industriais paulistas, agrupados na sua entidade representativa, a FIESP, lançaram o que ficou conhecido como “Programa da FIESP”, com o apoio inclusive de importantes centrais sindicais, já que era no fundo um programa para a retomada industrial do país e poderia gerar emprego e renda.

Esse programa incluía pontos importantes: redução da taxa básica de juros (Selic) para níveis “internacionais” (lembrando que naquele momento, no rescaldo da crise de 2008, vários países praticavam políticas de expansão monetária, quantitative easing, com taxas de juros negativas), e redução dos chamados spreads bancários; na área do câmbio, política de desvalorização do real para reduzir importações e alavancar exportações e aumento de alíquotas de impostos sobre produtos importados e controle de movimentos especulativos de capital; fortalecimento do BNDES para ampliar o apoio ao investimento privado; desoneração tributária para muitos setores; utilização de critérios de conteúdo nacional para compras e financiamentos públicos; redução dos preços da energia (luz e derivados de petróleo).

Não é difícil perceber que esses elementos combinados confrontavam o tal “tripé macroeconômico” adotado desde que a concepção original do Plano Real (dolarização, com câmbio controlado) foi derrubada pelo ataque especulativo de 1998/1999, que levou à crise econômico-financeira do governo Fernando Henrique, e aos acordos com o FMI, em função da crise aguda de balanço de pagamentos. Na sua essência, o “tripé macroeconômico” se baseava em câmbio flutuante, taxas de juros como instrumento para manutenção da política de metas de inflação (e, portanto, altas, em função dos compromissos com inflação baixa) e superávit fiscal.

O “Programa da FIESP” reivindicava intervenção no câmbio (para desvalorizar o real e controlar movimentos especulativos), taxas de juros baixas e aumento de gastos (compras públicas, expansão do BNDES, redução dos preços da energia) e redução da receita (desonerações) e, portanto, na melhor das hipóteses, uma redução do superávit primário, ou até um certo déficit.

Na sequência, em resposta a boa parte dos reclamos da FIESP, o governo Dilma anunciou o que se convencionou rotular de “Nova Matriz Econômica”, atendendo basicamente às demandas da FIESP (e aliados), no sentido do chamado “desenvolvimentismo” industrial. Naquele momento, era uma sinalização ao setor industrial, e a busca de um confronto com o setor financeiro.

Evidentemente, a contrapartida do ponto de vista do setor industrial seria a ampliação dos investimentos e do emprego, só que esses compromissos não estavam no papel –deduzia-se que, cumprida a parte do governo, os empresários investiriam. Boa parte (a grande maioria) das empresas nacionais e internacionais não investiu, embolsou o “apoio”. As multinacionais inclusive fizeram pesadas remessas, para tentar amenizar a crise de suas matrizes, tragadas pela crise internacional, agravando rapidamente a situação do balanço de pagamentos do país, que só não entrou em colapso devido às enormes reservas acumuladas durante os dois governos de Lula.

O desenrolar da novela todos conhecem: o ano de 2012 registrou baixo crescimento, a inflação começou a subir gradativamente, o governo recuou de alguns pontos (como a redução das taxas de juros e a desvalorização cambial, que poderiam jogar lenha na fogueira da inflação), setores do empresariado industrial se afastaram rapidamente do governo Dilma, cerrando fileiras com o setor financeiro na defesa da redução de gastos e do aumento dos juros, indo reforçar a oposição ao governo em 2014.

Seguiram-se os movimentos pelo impeachment da presidente Dilma – aliás, um gigantesco pato de borracha em frente ao prédio da FIESP, na Avenida Paulista, virou um dos símbolos da campanha do impeachment. A FIESP acentuou suas críticas à “Nova Matriz Econômica” e se manteve firme em defesa da ruptura institucional de 2016, mesmo boa parte dos seus reclamos quanto à nova política econômica adotada em 2012 tendo sido atendidos já a partir do segundo governo Dilma, com a ida de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda.

As críticas demandando a volta do tripé macroeconômico foram atendidas progressivamente ao longo das gestões macroeconômicas de Joaquim Levy (governo Dilma), Henrique Meirelles (governo Temer) e Paulo Guedes (governo Bolsonaro). O único ponto que resistiu e transitou por todo esse período com forte lobby empresarial sobre os governos de plantão e o Congresso foi a desoneração de vários setores econômicos. Vigente há cerca de dez anos, estima-se que tenha resultado em uma perda de arrecadação de cerca de R$ 200 bilhões de reais ao longo desse período (ou mais).

É esse o ponto que está em debate agora. Nesse embate, o atual Ministério da Fazenda, com o ministro Haddad à frente, defende a reoneração, na linha do equilíbrio fiscal. Os empresários, sem querer se comprometer formalmente com investimentos e empregos (o que poderia ser ao menos uma proposta de compromisso), defendem seguir sem pagar os impostos que deveriam. E, evidentemente, com seu eficiente lobby, contam com o apoio da maioria do Congresso Nacional. Essa é a essência do debate em curso.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

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