Domingo, 04 Agosto 2019 12:08
NOVAS TECNOLOGIAS

Organização sindical precisa ser reformulada para responder às mudanças do trabalho e do capitalismo

O economista Márcio Porchmann disse que a organização dos trabalhadores precisa ser reformulada para enfrentar o avanço tecnológico promovido pela nova etapa do capitalismo O economista Márcio Porchmann disse que a organização dos trabalhadores precisa ser reformulada para enfrentar o avanço tecnológico promovido pela nova etapa do capitalismo

A mesa de debates sobre as novas tecnologias no mundo do trabalho e suas consequências sobre os trabalhadores e a organização sindical, encerrou os painéis da 21ª Conferência Nacional dos Bancários, no domingo, dia 4 de agosto, em São Paulo.

O economista da Unicamp (Univwersidade Estadual de Campinas) Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, falou sobre uma narrativa dominante na mídia que tenta passar a ideia de que o grave impasse da redução de empregos e das desigualdades sociais seria “o resultado de um fenômeno natural e irreversível das novas tecnologias” e não fruto do modelo neoliberal do capitalismo.

“As novas tecnologias teriam extinguido 65% dos postos de trabalho e como ninguém é contra o avanço tecnológico, prevalecem os argumentos para não responsabilizarem o verdadeiro causador do crescimento do desemprego e da desigualdade, que são as políticas neoliberais do modelo capitalista, que favorecem a financeirização da riqueza”, avalia Pochmann. O economista e professor alerta que até instituições importantes, como a OIT (Organização Internacional do Trabalho) tem hoje uma aceitação dessa narrativa dominante de que, para o trabalhador, não resta outra alternativa que não seja uma maior qualificação profissional para sobreviver às mudanças do mercado de trabalho e ocupar as poucos postos de trabalho disponíveis, eliminando a reflexão sobre a possibilidade mudança do modelo econômico.

O Mercado como mediador

Para o especialista, o capitalismo inaugurou um intermediador que fez com que o trabalho não fosse mais um meio de subsistência humana, mas passa a estar a mercê dos interesses econômicos e movimentações do mercado. Considera ainda que o avanço tecnológico tem servido para reduzir o número de empresas na competição do mercado, eliminado um álibi tão decantado pelos liberais, que é a competição, criando oligopólios e monopólios privados.

Saídas para o emprego

Porchmann lembrou que a primeira revolução industrial transferiu o centro econômico do mundo de países orientais, como China e Índia, para a Inglaterra, que se tornou o centro da produção e distribuição comercial no mundo. As grandes guerras mundiais, que estabeleceram a derrota alemã, mudaram a centralidade econômica para os EUA. A partir deste período, surge como saída para os impasses políticos do capitalismo, o que garantiu o pleno emprego nos países mais desenvolvidos.

Citou como exemplo desta política do bem estar social e da presença forte do estado na economia, os países nórdicos, onde, em alguns casos, 50% da ocupação depende do emprego público, o que revela a importância do investimento público na economia destas nações ainda hoje.

“Uma das saídas para o impasse da redução de postos de trabalho em função das novas tecnológicas é a redução da jornada de trabalho. O salto tecnológico fez com que a pessoa trabalhe mais, de forma mais intensiva e extensiva, fora do local especifico do trabalho. O trabalhador está sendo mais explorado”, disse, citando como exemplo da redução do tempo trabalhado, a Alemanha, que reduziu a jornada para 24 horas para gerar mais empregos. Defendeu ainda que os jovens ingressem no mercado de trabalho mais tarde, a partir dos 24 anos.

“Os filhos dos ricos  só ingressam no mercado de trabalho após concluir a graduação e a pós-graduação. É uma competição desigual. O pobre começa a trabalhar muito cedo e com menor qualificação”, disse, Citou como exemplo um jovem da periferia que trabalha 8 horas diárias e passa mais 4 horas estudando e comparou a jornada deste segmento da sociedade com a do século IXX, que permitia o trabalho infantil e a jornada era, em meda, de 16 horas.

Organização sindical

O professor da Unicamp destacou ainda a importância de novas formas de organização dos trabalhadores. “Os sindicatos não podem olhar mais apenas para o trabalho material, na indústria, construção civil, bancos. Cerca de 4/5 dos trabalhadores estão no setor terciário que não gera nada palpável. Não há mais como ter uma visão parcial do indivíduo, onde os sindicatos representam apenas o empregado em seu local de trabalho”, acrescentou.

“Hoje o movimento social precisa ser repensado diante das mudanças do mundo do trabalho e do capitalismo, propondo uma nova forma de organização sindical que dialogue com todos os trabalhadores”, disse lembrando que igrejas pentecostais reúnem semanalmente 80 milhões de pessoas toda a semana, referindo-se a um fenômeno que teve papel fundamental nas eleições presidenciais de 2018 e lembrando que os movimentos sociais organizados já não conseguem ter o mesmo poder de mobilização.

Riscos da MP 881

O advogado José Eymard Loguercio, da LBS advogados, disse que os trabalhadores precisam se organizar para combater a ofensiva contra a organização sindical que o governo federal prepara para o segundo semestre. “Os principais objetivos são levar toda lógica da relação do trabalho para a relação individual, criar novas formas de contratos de trabalho e liberar a organização produtiva”, explica.

Disse ainda que a Medida Provisória 881//2019, chamada de “MP da Liberade Econômica”, direciona o direito para a lógica econômica de mercado”. Entre as medidas da proposta está o trabalho aos finais de semana para várias categorias, inclusive os bancários, sem necessidade de contratação coletiva e o fim da obrigatoriedade das CIPAs (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes) nas empresas.

De acordo com ele, as mudanças têm a ver com as novas formas do capital se organizar. “Assim como já foi feita na ditadura militar, eles vendem a mudança como forma de modernizar as relações trabalhistas. O que se avizinha é a troca da unicidade por uma pluralidade sindical. Nós defendemos a liberdade sindical, mas isto não significa a ausência de regulamentação, pelo contrário, é uma série garantias para organização sindical, como a liberdade de auto regular-se”, acrescenta Loguércio.

Importância da unidade

Lembrou de a importância dos sindicalistas conhecerem estas questões de ataques à organização de luta coletiva.

“Os países que passaram por mudanças como a nossa, fizeram isso em períodos democráticos, em que foi possível negociar práticas sindicais. Em nossa atual conjuntura vamos ter mais dificuldade, o que exige de todos nós mais conhecimento da matéria, para disputar esse espaço de negociação”, alerta. Segundo o advogado, os próximos meses vão exigir muita unidade das centrais sindicais.

“A organização será fundamental para pensar na autonomia das entidades sindicais e enfrentar essa ideia neoliberal de que o sindicato serve para atrapalhar. Nós temos uma enorme tarefa, neste momento, que será encarar um segundo semestre focado na defesa com ataques do governo, que tem Investimentos como objetivo a desconstrução do movimento sindical”, conclui.

Investimentos em tecnologia

Dados apresentados pela economista Vivian Machado, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), ao realizar uma exposição sobre “A Indústria 4.0 nos bancos”, mostram que os bancos investiram R$ 97,7 bilhões em tecnologia desde 2014. “Só o governo investe mais em tecnologia do que os bancos. Tanto no Brasil quanto no mundo”, destacou a economista.
De acordo com pesquisa realizada pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), as tecnologias que mais receberam investimentos em 2019 foram o BIG Data / Analitics (80%) e inteligência artificial (73%). “As tecnologias de análise de dados e de atendimento aos clientes sem a intermediação humana são as prioridades de investimentos pelos bancos na área de tecnologia”, disse a economista.
Ela mostrou o crescimento do volume de transações bancárias realizadas por meio tecnológico. As transações por celulares de pagamento de conta, por exemplo, cresceram 80%. Os dados apontam que, no total, 40% das transações são realizadas por celular e 20% pela internet. Apenas 5% das transações são realizadas nas agências. “E as transações por meio tecnológico vem crescendo ano a ano. São transações sem qualquer intermediação humana. E os clientes pagam cada vez mais caro por serviços que eles mesmos realizam”, completou Vivian.

 

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