Quinta, 20 Fevereiro 2025 10:39

Proibição de celular nas escolas é bem avaliada, mas especialistas veem desafios

 

Professores ouvidos pelo Portal CUT fazem um balanço sobre a resolução que determina a proibição dos celulares nas escolas em todo o país

 Publicado: 18 Fevereiro, 2025 - 14h45 | Última modificação: 18 Fevereiro, 2025 - 16h45

Escrito por: Walber Pinto | Editado por: Rosely Rocha

 Marcelo Camargo/Agência Brasil
notice

O ano letivo de 2025 no Brasil tem contado com uma novidade: a proibição dos celulares no ambiente escolar, mesmo nos intervalos e nas aulas vagas. Apesar de ser uma tarefa desafiadora, a medida vem sendo bem recebida por professores e especialistas que apontam que a maior dificuldade daqui em diante é manter viva a suspensão do uso dos aparelhos.

“Por ora, está dando certo. Mas, na melhor prática pedagógica, sequer, deveríamos ter uma lei. Bastaria o acordo pedagógico com os estudantes e famílias nas escolas, mas diante da perda de autoridade da escola e de professores e equipe pedagógica, a lei tem cumprido uma missão”, afirma o professor da Universidade de São Paulo (USP) e cientista político, Daniel Cara.

Mesmo valendo em todo o território nacional, a restrição do uso dos aparelhos eletrônicos é realidade em apenas 16 estados brasileiros, segundo levantamento do jornal O Globo. Na maior parte deles, as secretarias de Educação orientam os gestores escolares a determinar que os celulares fiquem desligados na mochila dos alunos e caso haja descumprimento da regra, advertências podem ser dadas até que os pais sejam chamados.

A Lei nº 15.100/2025 aprovada pelo Congresso no final do ano passado não prevê nenhum tipo de sanção para o aluno que descumprir a regra. Mas vários estados criaram suas próprias punições como no caso do Mato Grosso do Sul, que orientou que as escolas façam advertência aos alunos que descumprirem a lei; recolha o celular e entregue apenas aos pais. Se, mesmo assim ele voltar a desobedecer, o jovem poderá ser proibido de levar o dispositivo para a escola.

O professor da USP explica que o maior desafio de agora em diante é manter a proibição dos aparelhos celulares no ambiente escolar.

Já o estado de São Paulo determinou que os aparelhos só podem ser utilizados para atividades pedagógicas, solicitado por professores, por motivos de saúde, mediante comprovação médica ou para garantir a acessibilidade e a inclusão de estudantes com deficiência ou dificuldade de aprendizagem.

A medida é importante por ter sido demandada por professores, destituídos de suas autoridades. Vale dizer que tampouco os pais e familiares obtêm muito sucesso em restringir o uso dos aparelhos celulares - até porque a maior parte dos adultos também não sabe ou consegue fazer o uso adequado desses equipamentos
- Daniel

Portal CUT conversou com professores da rede pública que fizeram um balanço sobre a resolução que proíbe o uso dos aparelhos nas escolas de todo o país.

O que dizem os professores

Professor da rede estadual e municipal do Maranhão, Nicodemos Passinho avalia que a medida está sendo positiva dentro da sala de aula, mas pontua dificuldades dos alunos do programa Educação de Jovens e Adultos (EJA) no período noturno.

“No período matutino e vespertino a gente percebe que houve uma diminuição muito grande do uso de celular, tanto na sala como nos corredores. Mas à noite está tendo uma dificuldade maior porque os alunos (do EJA) alegam que têm filhos e que precisam ficar monitorando”, disse o professor que leciona no Centro de Ensino Raimundo Rodrigues, em Serrano do Maranhão, cidade que fica a cerca de 111 km da capital São Luís.

Flávia Marques, professora do Centro de Ensino em Período Integral José Honorato (Colégio Estadual José Honorato), em Goiânia, afirma que a restrição do equipamento está sendo positiva entre todos os colegas, grupos de colegas, que são professores e que trabalham em educação.

“A visão é muita positiva. Todos devem se lembrar que existiram vários casos polêmicos que trouxeram muitas dificuldades para os professores por conta do uso indevido do celular, de alunos filmando professores, filmando as aulas, filmando outros colegas, fazendo vídeo indevido, acessando redes sociais em momento indevido, trazendo muito transtorno, muito tumulto”.

Em Goiânia o uso do celular para atividade pedagógica não está excluído, no entanto, desde o ano passado os professores têm preferido cada vez mais utilizar o laboratório móbile de informática.

Depressão, ansiedade e falta de concentração

A professora de espanhol de uma escola estadual de Florianópolis, Carolina Herrera, fala dos danos do uso excessivo dos celulares na saúde mental das crianças e dos adolescentes.

Por isso, diz ela, a lei nacional é importante para que as esferas estaduais e municipais tracem estratégias para o cumprimento pedagógico.  

“Acredito que a partir da iniciativa de instituir nacionalmente regras para o uso dos celulares, a chance da lei ser cumprida é muito maior. O uso do celular durante a aula causa inúmeros problemas de atenção, foco, déficit de atenção e inclusive outros mais sérios como depressão, ansiedade, pânico, etc ”.

Desafios

O professor da Faculdade de Educação da USP, Fernando Cássio, concorda que do ponto de vista educacional e das consequências pedagógicas, a lei é uma boa medida, principalmente porque o uso do celular na sala de aula prejudica o desenvolvimento, a socialização e a aprendizagem das crianças.

No entanto, Cássio alerta que é uma situação complexa englobar todas as escolas do país, seja pública ou privada. “Não é fácil uma lei como essa ser aplicada. Primeiro, porque estamos falando de crianças e adolescentes que vão resistir em relação ao uso do celular, porque o celular é uma ferramenta de comunicação, inclusive um vício em muitos sentidos”.

Como ficar algumas horas do dia sem o celular? Isso é uma questão que nas escolas vai enfrentar a oposição das crianças e dos adolescentes
- Fernando

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, avalia que mesmo que os professores apoiem, no geral, a proibição dos celulares nas salas de aula, há alguns desafios para colocar a medida em prática.

“Onde vai ficar esse equipamento? Em que momento da aula você precisa do celular para que o conteúdo chegue com facilidade para entendimento por parte do estudante? Em que momento ele vai ser utilizado? Em que momento ele volta a ser guardado? E aí você vem para a escola pública e pergunta, a escola pública está equipada para isso? Tem segurança em guardar o equipamento do aluno sem estragar, sem perder o equipamento? Tem condições de fazer um planejamento onde sabe que momento o equipamento pode ser utilizado para aprimorar o conhecimento e que momento ele não deve ser utilizado? ”, questiona Araújo.

Para o dirigente, deveria haver uma discussão maior nas redes de ensino. “Tudo isso precisaria de um aprofundamento. Uma lei que vem de cima para baixo, sem um fortalecimento da gestão democrática da escola, vai ficar inviável, porque você vai criar mais problemas, não vai conseguir cumprir a lei como ela determina”, diz.

“O que é preciso melhorar nas escolas é ensinar educação crítica das mídias e tecnologias. Formar crianças, adolescentes e jovens a ter um uso mais saudável daquilo que é inexorável: um mundo dominado por tecnologias da informação, imprescindíveis no século 21”, completa Daniel Cara.

Lei que proíbe o uso

A Lei nº 15.100 foi sancionada no dia 15 de janeiro de 2025 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A lei estende a proibição do uso de celulares a toda a educação básica, tanto pública quanto particular.

A nova medida tem como objetivo proteger crianças e adolescentes dos impactos negativos das telas na saúde mental, física e emocional, segundo o Ministério da Educação, e já foi adotada em outros países, como França, Espanha e Dinamarca.

 

*com colaboração Secom CUT-SC e Secom CUT-GO

Mídia