Quarta, 10 Abril 2024 14:15
A LUTA PELA DEMOCRACIA

40 anos do comício das Diretas: ditadura teria tentado incendiar a sede do Sindicato

Na maior manifestação popular contra a ditadura militar, com mais de um milhão de pessoas, agentes do regime militar teriam tentado incendiar sede do Sindicato para promover pânico e impedir o comício
Brizola, Tancredo Neves e outras lideranças no comício das Diretas Já, no histórico comício da Candelária,  no Rio Brizola, Tancredo Neves e outras lideranças no comício das Diretas Já, no histórico comício da Candelária, no Rio Foto: Vidal da Trindade/arquivos JB

 

Carlos Vasconcellos

Imprensa SeebRio

O comício da Candelária pela campanha das "Diretas Já!" completa 40 anos nesta quarta-feira, 11 de abril. 

Mais de um milhão de pessoas lotavam a Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, em 1984, exigindo o direito do povo de eleger diretamente o presidente da República, após 20 anos de ditadura militar. 

A campanha uniu todas as correntes ideológicas e partidos políticos, reunindo no mesmo palanque, Leonel Brizola (PDT), Luís Inácio Lula da Silva (PT), Franco Montoro (PMDB-SP), Tancredo Neves (PMDB-MG), Ulisses Guimarães (PMDB-SP), Miguel Arraes (PMDB-PE) e Fernando Henrique Cardoso (PMDB-SP), entre outras lideranças. 

Artistas como Chico Buarque, Milton Nascimento e Fafá de Belém também participaram do evento histórico. 

A tentativa de atentado 

No dia do comício das Diretas, no Rio, o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro sofreu em sua sede, na Presidente Vargas (localizada próxima ao local do palanque do comício, na Candelária) várias tentativas de incêndio, certamente planejadas e executadas por agentes do regime militar. Setores mais duros do alto escalão das Forças Armadas não aceitavam a ideia de redemocratização e de entregar o poder à sociedade civil. 

O ex-presidente do Sindicato Roberto Percinoto relembra o fato.

"Eu presidia o Sindicato na ocasião e, de fato, houve uma tentativa de atentado que, concluímos, tinha como objetivo incendiar nossa sede para desestabilizar e dispersar a multidão, criando pânico para impedir a realização do comício num ato certamente planejado e executado por agentes da ditadura militar ", explicou Percinoto.

"O Sindicato fazia parte do Comitê das Diretas e da organização do evento, desde os encontros na ABI [Associação Brasileira de Imprensa] e no gabinete do então governador do Rio, Leonel Brizola. Chegamos a elaborar e a imprimir um panfleto pelas Diretas com uma tiragem de mais de três milhões de cópias", recorda o ex-presidente do Sindicato. 

Princípios de incêndio 

Wladimir Mutt, petroleiro que haia sido demitido da Petrobras por questões políticas na ditadura militar e que passou a ser assessor do Sindicato, conta como os princípios de incêndio foram contidos na sede da entidade. 

"Eu e um grupo do Sindicato não descemos para o comício pois tínhamos a missão de receber na sede dos Bancários, autoridades que participariam do evento, onde oferecíamos lanche e uma recepção. Por volta das 18h começou um princípio de incêndio no 6⁰ andar. A princípio pensei que se tratava de alguma ponta de cigarro que pudesse ter inflado o piso de alcatex. Em torno das 19h um novo incêndio começou no 14⁰ andar, onde funcionava a nossa imprensa e conseguimos apagar o incêndio", relata. 

Wladimir conta que haviam suspeitos, possíveis agentes da ditadura, mas em pleno regime militar, as investigações policiais nunca tiveram prosseguimento. 

"Começamos a fazer uma varredura nos andares e no 17⁰ andar havia um advogado sozinho o que achamos muito estranho. Pedimos para ele deixar o local e acionamos o Corpo de Bombeiros. Ele relutou mas, depois de muita insistência nossa, acabou deixando o prédio ", recorda o ex-assessor do Sindicato. 

Mas duas pessoas eram ainda mais suspeitas de terem participado da tentativa de incêndio. 

"Subimos ao 22⁰ andar para apagar mais um foco de incêndio na casa de máquinas dos elevadores. Chegando em seguida ao terraço, abordamos duas pessoas suspeitas, que saíram correndo e fugiram para o antigo DNER", acrescentou, lembrando que as investigações não deram em nada, não chegando jamais aos autores da tentativa de atentado que claramente visava criar pânico na multidão e impedir o comício das Diretas.

No final, a festa da democracia, no ato histórico das "Diretas Já", teve êxito e repercussão internacional, apesar da derrota, no Congresso Nacional, da emenda que resgataria o direito do povo votar para presidente da República, adiando as eleições presidenciais diretas somente para 1989.

As elites contra a esquerda 

Desde o governo do general Ernesto Geisel, por pressão popular e até da opinião pública internacional, os militares iniciaram uma "redemocratização lenta e gradativa". No entanto, um setor mais radical da caserna não se contentava com a ideia da retomada da democracia no Brasil, até por medo de um julgamento pelos crimes cometidos pelos generais e demais patentes na ditadura - por isso os militares cruaram a anastia total e irrestrita - e de uma possível vitória de um candidato de esquerda, como Lula e principalmente Brizola, o que levou a maioria do Congresso Nacional a votar contra a emenda das Diretas. Foi o tempo que as elites e a mídia precisavam para preparar uma candidatura que impedisse a vitória da esquerda. Uma pesada publicidade na mídia começou a ser feita para popularizar o então jovem e desconhecido governador de Alagoas, Fernando Collor de Melo, na eleição presidencial que só viria em 1989, que passou a ser manchete na imprensa como o "Caçador de Marajás" em seu estado, levando a eleição de Collor para presidente, que sofreu, dois anos depois, o impeachment, em uma nova campanha popular, desta vez, com o apoio da mídia e das elites que o elegeram, em função da política econômica desastrada da então ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, que conseguia desagradar empresários com o agravamentoda recessão, além da classe média e as camadas mais populares devido ao confisco da caderneta de poupança.

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